quinta-feira, 26 de abril de 2007

Contra uma política reactiva

«Portanto mantêm-se os politécnicos abertos mesmo que não haja alunos? (e dado que se vê que a sua existência não é suficiente para os manter nas cidades do interior)É isso o desenvolvimento? Perverso é o critério que as instituições não mudam, o que quer que aconteça aos seus públicos. Como se elas não os estivessem lá para os servir».

A propósito desta citação feita pelo Hugo num comentário a este post, gostaria de fazer algumas considerações.
A afirmação em causa participa de uma concepção de desenvolvimento que não partilho. Pelo contrário, entendo que a política não deve ser meramente reactiva às tendências sócio-económicas e demográficas que ocorrem em certos territórios. Um dos poucos factores de dinamismo que o Interior conheceu nestas últimas duas décadas foram protagonizados pelas cidades médias e, principalmente, pelas que detinham instituições de ensino superior. O impacto que estas tiveram foi extraordinário e, em parte, foi devido ao seu papel que certas zonas urbanas cresceram de forma relevante. Avaliar a importância destas instituições a partir da inversão negativa de uma mera taxa de frequência é um erro político gravíssimo. Em Lisboa, e nos maiores centros urbanos do litoral, o encerramento de uma ou de outra instituição de ensino superior não representaria uma mossa assinalável, mas o encerramento do único instituto ou universidade situado numa cidade ou em toda uma região terá, sem dúvida, consequências muito profundas.
Mais do que reactiva a acção política deverá ser capaz, ou pelo menos, tentar inverter algumas tendências e não contribuir para o seu reforço. Isso requer algum investimento por parte do Estado? Claro que sim! Mas haverá alguma política de desenvolvimento digna desse nome que não contemple algum investimento? Ou então assuma-se que o Interior não é uma prioridade política e encerre-se de vez a metade oriental do país. Sairia muito mais barato!
Portugal tem um grave problema de desordenamento do território que advém, em larga medida, da excessiva concentração populacional e urbanística localizada nas duas maiores Áreas Metropolitanas. A única forma de reequilibrar um pouco a estrutura urbana passará principalmente pela aposta nas cidades médias. Estas deverão ser capazes de gerar nichos e centros de excelência (clusters) suficientemente dinâmicos para atrair capital humano e social. Objectivo que só poderá ser conseguido por intermédio de instituições de ensino superior consolidadas e inovadoras. Portanto, em vez de se anunciar a irreversível morte destas escolas, o que se deveria fazer era anunciar políticas que contribuíssem para a sua reformulação e reinvenção!

25 comments:

Hugo Mendes disse...

"irreversível morte destas escolas"???

Renato, desculpa lá, mas isso é tentar surfar no exagero. A minha frase foi escrita no decorrer do debate, foi um excesso retórico que se percebe perfeitamente de onde surge. Ninguém vai andar a "fechar" politécnicos. O que eu quis dizer simplesmente é que é preciso pensar o uso dos recursos de forma racional e saber avaliar o seu impacto positivo e negativo (ou a sua ausência de impacto). Não advogas um bom uso da avaliação das instituições? Pronto, é isso que está em causa.
A nossa discussão lá atrás, que fica estranhamente apagada por este teu post, era sobre o número de professores nos politécnicos, mais nada.

Quanto à política de desenvolvimento, não tenho nada a discordar, em sentido genérico. Mas tens que admitir que não foram os politecnicos, por muito impacto positivo que tenham tido - e não digo o contrário -, não foram capazes de contrariar, no grosso, a fuga dos estudantes e profissionais para os grandes centros urbanos do litoral. Portanto, repito, não são os politécnicos que vão resolver o problema. Ninguém os vais fechar, mas precisas de saber com que regras as coisas se cozem; se achas que a regra pela taxa de frequencia perversa, bom, entao propõe outra para o financiamento das instituições. É que, se não tens regras, a instituições incham sem qualquer racionalidade académica ou económica; quem paga, claro, é o Estado. E essa regra, que podes não gostar, tem um objectivo muito específico: obriga as instituições a criar condições e formas de atrair os alunos, incentiva-as a fazer tudo para os convencer a escolher essas instituições, a prestar atenção aos seus interesses e necessidades. E, se os politécnicos estão a ver o seu financiamento a dimiuir, então que constituam as tais redes que falavas no teu post anterior para angariar fundos do sector privado que advenham naturalmente do maior envolvimento deste na formação dos currículos e dos alunos.

Hugo Mendes disse...

Para explicar a ultima frase (para evitar outra interpretação distorcida): não vejo mal nenhum, mas antes uma consequência natural e saudável da tal construção desses pólos regionais com a parceria com empresas, que estas invistam algum dinheiro nos politécnicos e, a par do dinheiro público que vai continuar a existir, estes afinem as suas estratégias parcialmente em função dos interesses dos empregadores e recebem algum dinheiro por parte destes.

Hugo Mendes disse...

Cito de um relatório produzido por uma equipa da OCDE, "Reviews of National Policies for Education - Tertiary Education in Portugal", relativo ao papel/desempenho dos politécnicos:

"Notwithstading a few exemplary practices, the Review Team concludes that Portugal's polytechnics have lost their way. There is nothing distinctive about polytechnic educatyion, despite the rhetorical statements of sectoral role and institutional mission. Almost all the polytechnic representatives indicated in the course of discussions with this Review Team, that they aspite to become universities. On the basis of the evidence available to the Review Team, they are not looking to work with the industry. Their curriculum approach is primarily content-based and theoretical, in emulation of university education. Their programmes do not provide sufficient work experience placements and internships. They are providing very little professional education and training short courses. The polytechnics are not contributing to improving sucess rates in upper secondary education. They are also neglecting the post-secondary and technical offerings that are needed to cater for students who are not weel suited to academic learning and who have gone missing from Portuguese education" (p.54).

Isto continua com este tom. Como vês, se o diagnóstico não coincide com a tua visão positiva do que foi feito até agora, as suas orientações vão de encontro ao que prescreveste no teu post anterior. O caminho a percorrer deve ser claro, não misturando a função da universidade com os politécnicos. E ninguém pensa fechá-los, dado que "Future growth in higher education participation should be overwhelmigly concentrated in the polytechnic sector".
Precisamos é de arranjar alunos! Daí a "rationale" do Novas Oportunidades. E da necessidade de combater o abandono escolar, para aumentar o número de potenciais candidatos a este sub-sistema do ensino superior (e às universidades, também, claro).

Renato Carmo disse...

Hugo, a citação do teu comentário não é assim tão descontextualizada. Em certa medida, representa um modo de encarar a acção política que considero reactiva, para não dizer conservadora. Os dados estatísticos não servem só para confirmar tendências que legitimem inevitáveis fechos ou despedimentos. Estes são sobretudo úteis para se tentar inverter a realidade. Quando há uns tempos atrás referi-me à necessidade de uma política progressista de esquerda, tem a ver com esta diferença. Concordo contigo quando dizes que é muito importante a qualificação dos portugueses. Contudo, se esse investimento contribuir para o mesmo modelo de crescimento económico e urbano do país, correremos o risco de não mudar quase nada.

Hugo Mendes disse...

Governar a partir das conclusões que se retiram de avaliações (e não palapites individuais) das políticas passadas é conservador? E governar às cegas, independentemente das consequências - à vista de todos, extremamente positivas, e que merecem continuação linear, por certo -, já é progressista, é isso?

É engraçado como se "criam" coisas só para discordar (o tal X+1 que eu referia há uns dias...), ou para não ser "enrolled" no processo. Engraçado, ou trágico. À esquerda, quase sempre trágico.

Renato Carmo disse...

Não me venhas com essa outra vez, e não confundas os meus argumentos com os de outros, só porque te dá mais jeito. O que é facto é que a tua primeira abordagem política foi no sentido de legitimar os despedimentos de docentes e até o encerramento de algumas instituições situadas no interior. Eu leio as estatísticas de modo a conhecer a realidade e, com base nelas, pensar em alternativas para tentar inverter algumas tendências negativas. Tu utilizas as estatísticas para onhecer a realidade e para legitimar a acção política do governo.

Hugo Mendes disse...

"O que é facto é que a tua primeira abordagem política foi no sentido de legitimar os despedimentos de docentes e até o encerramento de algumas instituições situadas no interior".

Eu falei dos docentes, e falei por causa da, em muitos casos, da ausencia de regras na sua contratação. É mentira? Achas que isso se deve manter à custa do erário público? Se achas que sim, então assume-o em vez de dizer que eu ando a legitimar isto e aquilo. Assume mais e fez menos processos de intenções.
Quanto ao fecho das instituições, o exemplo propositadamente exagerado que dei ia no sentido de explicar, em sentido genérico, que a oferta de serviços públicos dever ter em conta as características da população, do ponto de vista quantitativo ou qualitativo, que serve. Levando ao extremo que disse, se não houver doentes, não faz sentido haver hospitais. Os hospitais, como as escolas ou as universidades, estão lá para servir as populações, não para servir de bolsas de emprego aos seus profissionais. Às vezes parece que há uma certa confusão aqui. E não venham dizer que os interesses dos profissionais coincidem com os da população. Isso é mentira, e há um limiar a partir do qual o que os profissionais angariam em nada reverte para o melhor serviço das populações. E assim se invertem as prioridades.

"Eu leio as estatísticas de modo a conhecer a realidade e, com base nelas, pensar em alternativas para tentar inverter algumas tendências negativas."

Infelizmente, Renato, isto não se trata apenas de ler as estatísticas. Trata-se, antes de mais, de avaliar a eficácia de políticas. É isso que está em causa. Tu falas das estatísticas que todos conhecemos como se as políticas de desenvolvimento nos últimos anos tivessem sido eficazes. Se assim fosse, era só continuar a injectar mais dinheiro: para docentes e não só. Sempre mais dinheiro sem se saber como é usado. Portanto não me venhas com essa tu queres inverter a realidade e os outros andarem a legitimar isto e aquilo. É preciso saber como melhor inverter a realidade, com que instrumentos. Claro que todos estamos de acordo que os politécnicso "deverão" fazer isto e aquilo, criar nichos de exclência, etc.. Não há espinhas aqui. Isso é tão fácil, esse tipo de prescrição. O problema é COMO tu levas as instituições a fazer o que está delineado como política a nível central. É aqui que está o nó da questão. E para isso precisas de agir nas regras de funcionamento das instituições, para acabar com o regabofe financeiro reinante em muitas, e com o desnorte na sua política interna, por causa do acumular de objectivos contraditorios (no caso dos politécnicos: devemos ser mais como as universidades ou fazer mais acordos com a industria local de modo a estreitar as relações? quando não se sabe o que fazer do ponto de vista estratégico, o que acontece e´consumir mais recursos sem avançar convincentemente para nenhum dos lados. Cai-se num pântano, e ainda por cima um pântano caro).

É isso que as pessoas parece que não percebem quando se fala de transparencia orçamental. Acham que os despedimentos se devem a porque a malta no Governo é má, tem má vontade, não é porreira o suficiente. Pois é a lógica do contínuo nacional-porreirismo a que leva à degradação dos níveis de cumprimento institucuional de metas funcionais e financeiras. Depois temos os défices que temos, claro.

"Tu utilizas as estatísticas para conhecer a realidade e para legitimar a acção política do governo."

Ah, o problema então é este...

Hugo Mendes disse...

"Não me venhas com essa outra vez, e não confundas os meus argumentos com os de outros, só porque te dá mais jeito."

Foi um desabafo que se prende contigo e com mais ninguém, e apenas por causa disto apenas: é que parece que não podemos concordar, é preciso arranjar logo uma forma de discordar. É um bocado por ritual, parece-me. É uma impressão minha apenas, mas é assim: se eu concordo com o que dizes relativamente a uma política de desenvolvimento regional (como o fiz no meu primeiro comentário ao teu post), é preciso encontrar algo onde possa haver discórdia, mesmo que isso represente aí 5%, no máximo, do tema em discussão. Então derivámos para uma questão realmente lateral, o despedimento dos professores - que em vez de as pessoas tentarem perceber o seu porquê, acham que é arbitrário (como se muitas contratações de pessoas, em regime de total desrespeito orçamental das instituições, não fossem elas arbitrárias!), assim, sem justificação nenhuma, apenas porque a malta que manda não é malta fixe.

Portanto, às tantas, o acordo inicial, que parecia quase completo, transforma-se num desacordo, em que os 5% iniciais passam a assumir o peso inverso, fazendo o acordo desaparecer sob o exagero atribuido ao valor da questão que representava os 5% inicias. Foi isto que eu quis dizer, e só o disse porque acontece sistematicamente, demasiado sistematicamente para ser coincidência. Se isto acontecer entre dois partidos em vez de acontecer com duas pessoas - como eu acho que acontece -, não há alianças possíveis.

Renato Carmo disse...

Essa dos 5% é recíproca, não te armes em anjinho! Não tenho problema nenhum em concordar contigo. Aliás, já o fiz inúmeras vezes.

Relativamente ao assunto em causa, discordamos numa questão central. Eu entendo que a actual situação vivida nestas instituições durante estes últimos anos representa um verdadeiro desperdício de capital humano. Tu entendes que é um mal necessário. Acho que esta divergência ultrapassa largamente a cota dos 5%.
Tu utilizas a mesma perspectiva independentemente dos contextos sociais, regionais, etc. Eu entendo que as políticas deveriam ser diferenciadoras. Aliás, penso que é particularmetne neste aspecto que divergismos ritualmente. Nao sei se é por uma questão de estílo, mas o que é facto é que normalmente te referes ao país como este se tratasse de uma unidade. Acabo por estar sempre a incidir na necessidade aplicar medidas diferenciadoras, a diferentes velocidades...

Hugo Mendes disse...

Suponho que estás a propor uma espécie de descriminação positiva para o interior do país. Não discordo. Apenas digo que ela precisa de ser pensada de acordo com os fundos existentes, e que não é encher essas zonas de recursos humanos, por valiosos que sejam - não é isso que está em causa - que vai trazer desenvolvimento. Podes ter lá brilhantes recursos humanos em excesso e os desequilíbrios continuarem e aprofundarem-se se as regras das instituições não sofrerem mudanças, em particular uma definição clara da sua missão e da forma como o dinheiro é alocado. Eu que é que implicitamente acusado de "economicismo" (sempre o argumento dos "trocos") quano é essa perspectiva de basta meter lá pessoas e dinheiro que é verdadeiramente "economicista": mais do que a quantidade de recursos humanos e financeiros, o que interessa são as regras de gestão que subjazem ao seu funcionamento. É por não ter havido até agora nenhuma atenção à gestão de dinheiros públicos e à clarificação da missão e objectivo das instituições que as coisas chegaram a um ponto em que são caras como nunca foram e o falhanço de políticas é, em muitas vezes, clamoroso. É este panorama que tem de ser alterado para que o desenvolvimento seja efectivo e não insuflado articialmente pela transferencia de fundos e pessoas que um dia tem que chegar ao fim nos moldes em que funcionava anteriormente por nao ter tido os impactos positivos que era suposto.

Hugo Mendes disse...

Só mais um pormenor, que é repetido por vezes incessantemente: é que o Estado não tem obrigação de empregar todos os recursos humanos qualificados que existem....Ele emprega-os em função da alocação eficiente de recursos para o cumprimento de políticas acordadas. Se houver, num dado sector ou área, excesso de pessoas qualificações, não vale a pena vir com a suposição de que é exigência do Estado arranjar coisas para elas fazerem.

Renato Carmo disse...

Sim, mas antes de os despedir o Estado tem a obrigação de rendibilizar esse capital. Deitá-lo fora sem previamente avaliar a sua real necessidade é que não pode ser.

Hugo Mendes disse...

Mas tem a obrigação porquê? Já pagou (pagaram os contribuintes todos) a formação dele, em grande parte. Porque é que tem a obrigação? De onde vem ela? É isso que eu não percebo francamente.

Hugo Mendes disse...

Já reparaste na prioridade da tua argumentação? "By default", o Estado tem obrigação de empregar o capital humano qualificado; só quando avaliou não precisar desse capital, é que se pode desfazer dele (e mesmo assim...). Ora, eu acho que é precisamente o contrário: o Estado emprega aqueles que tem que empregar para cumprir os seus objectivos (que são de geometria variável), e são as pessoas que têm de justificar se são úteis ao Estado ou não. Os fins do Estado devem sobrepôr aos meios; quando são estes que mandam, e os fins perdem-se de vista, aumenta o financiamento irracional e cresce a dívida.
O Estado já pagou, em larga medida, a formação destas pessoas. Não pode continuar a garantir emprego ad eternum. Depois a direita, claro, argumenta que a esquerda, mesmo a mais qualificada, fica sempre à espera do Estado...

Renato Carmo disse...

A obrigação de não despedir às cegas só porque os alunos diminuiram naquele ano. A obrigação de pelos menos conceber um plano de viabilidade no qual se define quem deverá continuar na instituição. O problema é que, por um lado, dispensam-se pessoas para resolver os problemas orçamentais imediatos, mas ao fazê-lo gera-se, por outro lado, a necessidade de deter capital humano suficiente para poder reformular e inovar as instituições. Não faz sentido! Ao se perderem as pessoas, perde-se simultaneamente a capacidade de renovação.

Hugo Mendes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Hugo Mendes disse...

Desculpa, não sei pormenores nenhuns do caso que falas, nem acho que valha apena estar a discutir o caso Y ou Z - que conhecerás melhor que eu, mas estou a discutir coisas a um nível de generalidade e aplicabilidade bastante vasto - mas regras são regras. Podes discordar delas, é legítimo e já discutimos acima; mas as regras existem para ser respeitadas; o problema é que são quase sempre ignoradas, e quando são cumpridas é que cai o carmo e a trindade. Inverte-se precisamente o procedimento correcto: quando são violadas, ninguém diz nada; quando são cumpridas, é o fim do mundo. Masd pronto, estou habituado a que sempre que há despedimentos e cortes e fechos de alguma coisa pública as decisões são sempre, mas sempre, sempre por definção "cegas"....Essa há-de ser sempre o alibi para criticar qualquer decisão deste género. E tantas vezes é dito que nunca se sabe quando os que protestam têm ou não razão...É como a história do Pedro e do lobo.

"Não faz sentido! Ao se perderem as pessoas, perde-se simultaneamente a capacidade de renovação."

Faz todo o sentido se isso implicar a reforma das regras de funcionamento das instituições. E sabes porque é que às vezes - mais uma vez nao conheço o caso em causa, mas isso é irrelevante - tem que haver terapia de choque? Porque as regras são recorrentemente desrespeitadas e não há regulação central que funcione. As instituições ignoram a regulação central e vão sempre esticando a corda. E depois, um dia, alguém diz "Basta!"....Não me espanta que a renovação, nestes casos, infelizmente, só pode vingar se se suceder à purga (se posso colocar as coisas assim...).

Renato Carmo disse...

Mas qual purga?!? Falas como se todos tivessem os mesmos direitos. Basicamente o que tem acontecido, como sabes, é que ficam os instalados e saem os precários. Ficam os velhos e saem os novos. Assim é fácil haver purga! A purga normalmente serve para afastar os que questionam o status quo. E isto não é específico da minha história. É impressionante o teu nível de autismo sobre esta matéria(sem ofensa)! Ao agir dessa forma o Estado só está a legitimar a reprodução dos interesses daqueles que já são privilegiados. Este ciclo é que tem de ser quebrado. Há coragem política para o fazer?
Há uns tempos atrás uns especialistas da OCDE fizeram a proposta de que os docentes deixassem de ser funcionários públicos e fossem contratados ao abrigo de fundações. Não estou muito bem a ver o estatuto contratual, mas se esta medida fosse aplicada a TODOS os professores do ensino superior talvez fizesse algum sentido. Não sei... Mas uma coisa tenho como certa, nessa situação a purga seria, de facto, democrática!
O meu receio é que, como noutras ocasiões, ficaremos mais uma vez pelas meias tintas, o que normalmente tem uma consequência: a reprodução dos privilégios.
Por isso é que considero que a questão da valorização efectiva do merito é central, como referi noutro post.
Como vês, sobre este assunto, não tenho o posicionamento tradicionais da esquerda mais militante. Mas também não alinho com falsos moralismos em torno dos deveres do Estado e dos injustiçados contribuintes...

Hugo Mendes disse...

"Ficam os velhos e saem os novos. Assim é fácil haver purga! A purga normalmente serve para afastar os que questionam o status quo. E isto não é específico da minha história. É impressionante o teu nível de autismo sobre esta matéria(sem ofensa)! Ao agir dessa forma o Estado só está a legitimar a reprodução dos interesses daqueles que já são privilegiados."

Renato, não é autismo. Já te disse da outra vez, ninguém está mais farto do que eu de falar das assimetrias entre 'insiders' e 'outsiders' e o problema do 'welfare for the rich'. Quando o faço, ficam todos escandalizados e dizem que faço 'diatribes' contra os sindicatos - que obviamente defendem este tipo de privilégios...O que é espantoso é que as pessoas parecem só compreender o que está em causa quando as coisas lhes tocam a elas pessoalmente.

"Ao agir dessa forma o Estado só está a legitimar a reprodução dos interesses daqueles que já são privilegiados. Este ciclo é que tem de ser quebrado. Há coragem política para o fazer?"

Agora vejamos as coisas do outro lado: vamos começar a mandar a geração de 50 anos, a mais incapaz eventualmente, para lutar no mercado actual, para o desemprego, é isso. É para isto quer pedes coragem política? Obviamente, nenhum governo o vai fazer, quanto mais porque estas pessoas votam - e são dos mais sabem defender os seus direitos!
Eu não acho que haja saida fácil para este problema, mas o que tu achas que é autismo da minha parte é o reconhecimento que este é um problema bicudo sobre o qual não vale a pena fazer demagogia. Mas é bom que reconheças que a tua preocupação não tem nada de esquerda; é uma preocupação geracional, de defesa do interesse próprio, legítima como tal, mas não tem nada particularmente de esquerda.

"Mas também não alinho com falsos moralismos em torno dos deveres do Estado e dos injustiçados contribuintes..."

Estas mesmo a falar a sério com este tipo de conversa? Esta dos "falsos moralismos" não fica muito bem ao capital social e ao respeito pelos contribuintes. É por estas e por outras que um dia temos uma "tax revolt" dos tais "injustiçados constribuintes", tal o respeito que eles merecem, e dirão: "estamos a alimentar o Estado para este tipo de respostas?". Depois espantem-se com o neo-liberalismo.

Hugo Mendes disse...

Adenda: já agora, isto do peso do interesse próprio geracional na determinação das respostas políticas explica também porque é que a posição do BE na semana passada, com o cartaz, não tem, como argumentei, nada de particularmente de "esquerda". É a posição de defesa dos "outsiders" qualificados desta geração, tão só isso.

Hugo Mendes disse...

Adenda 2: para provar que a posição não tem nada de esquerda, lembro-me de um cartaz da JSD há uns meses que, pelas ruas, bradava contra a "geração recibos verdes". O problema é o mesmo porque a geração é a mesma, independentemente da sua filiação ou simpatia partidária.

Renato Carmo disse...

Pelo menos o Estado poderia garantir uma coisa: que os compadrios e os interesses corporativos não ganhassem sempre. Não é esta a ideia de Estado regulador?

É um problema geracional e, também por isso, é um problema social. O BE fez e faz oportunismo político à conta disso? É verdade! Mas não é por isso que deixa de ser um problema. O facto de muita gente estar descrente com os resultados profissionais do seu longo investimento em qualificação, é um sintoma a ter em conta. E mais uma vez chego à questão que lancei sobre a relação entre a qualificação e a efectiva concretização das expectativas alimentadas pelas campanhas.
A qualificação só por si não gera desenvolvimento. É preciso gerar as condições para que os recrusos humanos se possam implicar nesse mesmo desenvolvimento. Que passa invariavelmente por um ambiente de confiança que garanta às pessoas um valor básico: que o esforço e o mérito serão à partida recompensados! Isso requer uma mudança estrutural que não me parece estar ao alcance deste governo.

Hugo Mendes disse...

"Pelo menos o Estado poderia garantir uma coisa: que os compadrios e os interesses corporativos não ganhassem sempre. Não é esta a ideia de Estado regulador?"

É, de facto. Mas entre o projecto de ser regulador e a prática vai uma grande distância - o Estado pode ser facilmente capturado por dentro por interesses particulares.

"O BE fez e faz oportunismo político à conta disso? É verdade! Mas não é por isso que deixa de ser um problema."

Dentro das suas proporções, não deixa de ser problema. Mas não tem nada de esquerda, em concreto.

"E mais uma vez chego à questão que lancei sobre a relação entre a qualificação e a efectiva concretização das expectativas alimentadas pelas campanhas. "

Hà que saber gerir as expectativas - não seriam as erradas também desde o início? É preciso ver de onde vem a ideia de "licenciatura = emprego e imediato"; é que isso é um erro... - e dar confiança às pessoas em vez de fazer demagogia à conta disso. Mas isso cada um escolhe o caminho mais responsável.

"A qualificação só por si não gera desenvolvimento."

Bom, já não sei que dizer sobre isto...Talvez a diferença entre condição 'necessária' e condição 'suficiente' ajude a perceber...Qualificar é uma condição necesária, não é suficiente.

"Que passa invariavelmente por um ambiente de confiança"

Confiança, sim, claro - então que não se faça barulho quando o problema é sério e de difícil resolução. Para muitos jovens qualificados, arranjar o emprego significava, em certos casos literalmente, tirar o emprego aos pais (se tiverem formação na mesma área, por ex.) - como problema geracional que é. Repito a pergunta a que convenientemente não respondeste: quem é melhor mandar para o desemprego: os pais em fim de carreira e muitos sem hipótese de voltar a lutar a sério por um emprego num mercado competitivo, ou fazer os jovens esperar mais um pouco, dando-lhes alento e explicando o problema estrutural em causa? Há que fazer escolhas, Renato, e se vires o problema no seu todo, verás que aqui as coisas são bem complicadas.

"Isso requer uma mudança estrutural que não me parece estar ao alcance deste governo."

Menos gincana política, sff...Ninguém sabe (na Europa...) muito bem como resolver este problema; durante anos na Europa mandaram-se as pessoas mais velhas para a reforma antecipada; hoje, claro, estamos a pagar isso (ou seja, os jovens estão a pagar!), com os sistemas de pensões ainda mais caros por causa dessa "solução" que permitiu a entrada no mercado dde trabalho de alguns jovens, mas isso não é uma solução sustentável. Temos de facto um problema aqui, de cariz estrutural, e que não se resolve com reivindicações de timbre juvenil, como se a solução estivesse ao virar da esquina e se resumisse a uma falta de "vontade do Governo". Mas se queres acordos intermédios - sei lá, do género que permita saidas faseadas dos mais velhos e entrada dos mais novos -, talvez fosse mais útil começares a falar com os sindicatos, que são sempre muito mais irredutíveis (posso dizer 'sectários'?) nesta matéria. É que o Governo, como calculas, está interessado - dado que vai a votos... - em reduzir o desemprego e em reduzir o penso sobre as pensoes; já os sindicatos não têm o menor incentivo para estarem preocupados com isto; o menor mesmo. Mas eu duvido que algum dia as pessoas à esquerda venham a exigir alguma coisa de racional aos sindicatos. Isso choca com a sua sensibilidade romântica. Toca é protestar sempre e só com o Governo, independentemente da dificuldade do problema e, neste caso, da sua impossibilidade de o resolver sozinho (isto é, sem a colaboração inteligente dos sindicatos)! Claro, depois quando o Governo faz qualquer coisa no que toca às pensões, vão dizer que
estão a "destruir a segurança social". Tenham dó. Há um conceito que faz falta muita gente interiorizar (agora não estou a falar para ti pessoalmente), que é o de "double-bind", ou "duplo constrangimento". Infelizmente, as grandes reformas políticas colocam os governos - falo do universo OCDE - em situações muito complicadas de "double-bind". E na maior parte das vezes faz falta um público inteligente para saber os dilemas em causa para não protestar por tudo e por nada, como se houvesse soluções de varinha mágica.

Hugo Mendes disse...

Já agora, uma curiosidade: o facto de haver "privilegiados" não te faz rever a tua teoria da exploração? Ou é possível ser privilegiado e explorado ao emsmo tempo?

Renato Carmo disse...

Essa ficará para uma próxima conversa.
Um abraço!