terça-feira, 24 de abril de 2007

Qualificação e desenvolvimento

Respondendo ao desafio do Hugo, considero, aliás como já disse noutra ocasião, que o desemprego qualificado não pode ser analisado dissociado do deficit de qualificações existente em Portugal. Tirar um curso superior é importante para o próprio e para o aumento da taxa de licenciados do país. Mas, por si, o aumento do número de licenciados pode não ter o impacto esperado se não se equacionar o binómio formação-actividade profissional. Não quero com isto dizer que o objectivo primordial de conseguir um diploma seja o acesso ao mercado de trabalho. Mas, convenhamos, é um aspecto decisivo!
Por este motivo, e tendo por base a experiência que adquiri ao nível da formação no ensino superior e na formação profissional, entendo que todos os cursos deveriam obrigatoriamente ter uma componente de estágio profissionalizante em organizações portuguesas ou no estrangeiro, independentemente do aluno vir a escolher a via de investigação. É muito importante o contacto com a realidade profissional. Esta via seria um meio adequado de promover as ligações (que são imprescindíveis) entre as universidades e as empresas e outras instituições públicas. Deveria valorizar-se os melhores alunos de modo a possibilitar uma continuidade profissional na organização onde desenvolveram o estágio. E, neste âmbito, o Estado teria um papel central na definição dos protocolos com as empresas.
É importante que estas últimas em conjunto com as instituições de ensino se impliquem na garantia das oportunidades profissionais dos seus formandos. Neste sentido, convinha que se incentivasse a mobilização de sinergias fundamentalmente a nível regional. Durante os anos que leccionei no Instituto Politécnico de Beja, uma das coisas que mais me preocupava era o facto de a maior parte dos alunos não vislumbrar qualquer futuro na sua região. Nesta questão é particularmente relevante o papel das cidades universitárias. Em, grande medida, esse estatuto deveria advir não só do facto de estas deterem estabelecimentos de ensino superior, mas, principalmente, por conseguirem gerar nichos de excelência a partir do envolvimento com uma série de agentes locais (públicos e privados).
Volto a frisar mais uma vez: são necessárias políticas integradoras que articulem diferentes sectores (educação, investigação, formação profissional, empresas, instituições públicas, cidades, desenvolvimento regional, etc.), que impeçam com que a qualificação caia em saco roto.

14 comments:

Hugo Mendes disse...

Inteiramente de acordo quanto à estratégia geral. É para atingir este objectivo que é importante criar um sistema de formação e certificação eficaz e credível.

Deixo uma nota, porém: era importante que toda a esquerda se revisse e mobilizasse (n)este processo, porque é ele que pode dar respostas profissionais, a médio prazo, aos recém-licenciados.
Infelizmente, estou céptico que este rassemblement aconteça. Primeiro porque se um dia o que o Renato apresenta estiver de pé, a esquerda vai começar a dizer que o Governo "vendeu a universidade aos privados" e "subjugou a universidade enquanto espaço de aprendizagem a espaço de formação profissional", etc. etc. Segundo porque os votos à esquerda do PS, e em particular do BE, vivem em grande medida do descontentamento de uma faixa de jovens qualificados desempregados. Se eles um dia "desaparecerem", o BE ainda ficava reduzido a 3%; portanto ao BE importa capitalizar todo o descontentamento ligado com estas questões, e por isso duvido que queira REALMENTE contribuir para resover este problema - por exemplo apoiando medidas do género que o Renato menciona e que, no seu geral, fazem parte de uma estratégia em fase de aplicação, ou então já traçada nos seus contornos gerais.

Renato Carmo disse...

"no seu geral, fazem parte de uma estratégia em fase de aplicação, ou então já traçada nos seus contornos gerais".

A ver vamos. Já estive mais optimista! Por exemplo, a sangria que actualmente se vive nas universidades públicas não é um indicador nada positivo para a concretização dessa estratégia. E sei do que falo, já a senti algumas vezes na pele.

Hugo Mendes disse...

A que te referes quando falas de "sangria"?

Hugo Mendes disse...

Uma das coisas importantes, aliás já diagnosticada pela OCDE e que necessita de alguma mão-de-ferro por parte do Governo, é o evitar a duplicação de funções dos politécnicos e da universidade. Nos ultimos anos os politécnicos, em vez de cumprirem a sua função de maior ligação ao mercado de trabalho, qusieram progressivamente imitar as universidades. Isso pode ter sido bom para os seus professores mas não terá favorecido em nada os alunos, que terão visto os curriculos ficarem mais académicos quando o que eles precisam é aquilo a que fazes referencia no teu post, uma maior ligação às dinâmicas e necessidades do mercado de trabalho local.

Renato Carmo disse...

Bem, a começar pelos cortes orçamentais que têm levado ao despedimento sem critério de docentes que estão em situação mais precária - ou seja, os mais jovens que, em certa medida (mas não necessariamente), tendem a ser os mais dinâmicos e inovadores.
No meu caso concreto, já saí de uma instituição por não vislumbrar qualquer futuro profissional minímo, e também já me aconteceu não entrar noutra devido a falta de verba, apesar de ter ficado em 1º lugar. Não quero generalizar, mas situações semelhantes deverão contar-se às dezenas.
E neste sentido, há uma clara discrepância entre as intenções politicas e a realidade que as pessoas vivem no concreto.

Renato Carmo disse...

A questão não é ser mais ou menos académicao. O objectivo deverá ser o de integrar melhor o trabalho académico com a actividade profissional, sem que uma se sobreponha, ou abafe a outra. Não é um equilíbrio fácil de conseguir, e não deve ser específico dos politécnicos.

Hugo Mendes disse...

Não vamos fingir que as coisas estavam bem antes. Sabes tao bem quanto eu a impunidade que por vezes se vivia na contratação de docentes.

É logico que um dia isso acaba (porque tem que acabar), e acaba mal para quem tem normalmente menos estatuto. Mas se o Governo - qualquer que ele seja - esteve mal, não é em pôr ordem na casa, mas em permitir que se tivessem chegado a situações sem qualquer controle orçamental ou organizacional...É o que vale não saber regular a tempo e horas; depois, dói mais.

De qualquer forma, é bom não misturar o objectivo do teu post com esta questão da suposta "sangria" (e aqui nesta acho que temos ver a coisa caso a caso). É que não é por teres mais professores que tens melhores resultados na inserção dos alunos no mercado de trabalho.
O que é essencial é uma decente gestão dos recursos, humanos e financeiros. Não é por teres mais gente nas universidades que garantes melhores 'outputs' no que estamos a discutir.

Hugo Mendes disse...

"A questão não é ser mais ou menos académicao. O objectivo deverá ser o de integrar melhor o trabalho académico com a actividade profissional, sem que uma se sobreponha, ou abafe a outra. Não é um equilíbrio fácil de conseguir, e não deve ser específico dos politécnicos."

Por 'académico' quis dizer escolástico, sem qualquer relevancia para o futuro dos alunos.
E falei dos politécnicos porque, por lei, a sua função é essa, muito mais do que as universidades.

Renato Carmo disse...

"O que é essencial é uma decente gestão dos recursos, humanos e financeiros. Não é por teres mais gente nas universidades que garantes melhores 'outputs' no que estamos a discutir".

Pois não! Mas o objectivo deveria ser em ter os melhores docentes. Ou, pelo menos, permitir que estes tivessem a possibilidade de demonstrar que são os melhores para a instituição. Os casos que te falei deram-se em instituições localizadas no interior do país, que têm uma déficit enorme de gente qualificada e jovem. É um absurdo que se está a pagar caro e que continua a ser comum!

Hugo Mendes disse...

Estou farto de falar das assimetrias entre os "insiders" e os "outsiders"...De qualquer forma, as instituições de ensino superior já começaram a perder pessoas, e se a dinamica não for invertida - o que mostra ainda mais a importancia de um programa como o Novas Oportunidades - então as nossas universidades e politécnicos ainda vao ter menos necessidade de docentes...

Renato Carmo disse...

Se as universidades se esvaziam em demasia como é que poderão deter os recursos humanos necessários para incentivar o desenvolvimento local e regional? Afinal qual é a prioridade: poupar uns trocos no orçamento ou qualificar e desenvolver o país?

Hugo Mendes disse...

Acho que não compreendeste. Quando falei em universidades esvaziadas, não falei de professores; falei de alunos. Se não há alunos, para quê enchê-las de professores? É isso que dá desenvolvimento?
Portanto a questão não tem a ver com "poupar trocos" (embora convinha que as pessoas começassem a pensar que os trocos são muitos milhões que podem ser melhor gastos noutras coisas...) mas em saber como afectar recursos. Para mais, o problema aqui não está nas universidades em si, é como estancar a fuga dos estudantes em idade universitária do interior para o centro. Aqui é preciso algo mais do que simplesmente colocares lá as universidades a abarrotar de professores. Precisas de uma estratégia de desenvolvimento regional. Sei que vais dizer que as universidades e politécnicos espalhados pelo país fazem parte dela; mas elas já existem há não sei quanto tempo, e o fluxo na procura dos grandes centros urbanos não abrandou por causa disso.

Renato Carmo disse...

Meu caro, o que tem acontecido é que devido à fórmula de financiamento acaba por haver uma correspondência directa e preversa entre o esvaziamento de alunos e a saída de professores. É um cíclo vicioso que só terá um fim, e que já está de certa forma anunciado, o encerramento das instituições.
Em relação a esta história, há anos que assisto a uma dissonância terrível entre a retórica política da necessidade em qualificar e a degradação contínua dos cursos e instituições de ensino. Esta dissonância continua a dar-se neste governo.

Agora, tenho de ir buscar os putos. Até logo!

Hugo Mendes disse...

Portanto mantêm-se os politécnicos abertos mesmo que não haja alunos? (e dado que se vê que a sua existência não é suficiente para os manter nas cidades do interior)
É isso o desenvolvimento?
Perverso é o critério que as instituições não mudam, o que quer que aconteça aos seus públicos. Como se elas não os estivessem lá para os servir.

"há anos que assisto a uma dissonância terrível entre a retórica política da necessidade em qualificar e a degradação contínua dos cursos e instituições de ensino"

Isso é um julgamento demasiado generalizado. Não sei se essa degradação continua é real ou sequer global. Acontecerá nuns casos, noutros não. Isso apura-se com avaliações específicas, não com palpites.