quarta-feira, 2 de maio de 2007

Um/a Senhor/a debate

O debate entre Ségolène Royal e Nicolas Sarkozy que acabou há pouco, foi antes demais (na minha humilde opinião) um debate político como há muito não via. Valeu bem a pena perder o Milão - Man U. De ambos os lados candidatos bem preparados para o debate, com a lição bem estudada. De um lado e de outro dois programas completamente diferentes. Discutiu-se muita política (e muita economia), apresentaram-se muitas propostas concretas. Discutiu-se por vezes de uma forma cordial, por vezes de forma bem veemente. De um lado e de outro como seria de esperar uma boa dose de demagogia. Mas também de um lado e de outro o posicionamento ideológico perfeitamente assumido de forma clara, sem dissimulações. Ficaram bem patentes as diferenças entre um e outro em quase tudo, e parece-me que dos dois lados consiguiram fazer passar a sua mensagem. E ambos foram muito convincentes no papel do político de acção, com um projecto, com a capacidade e a vontade de o pôr em prática (qualquer um deles será nesse aspecto bem diferente de Chirac). Sarkozy conseguiu ser um pouco mais claro, e com um discurso mais sintético, Royal apresentou-se mais bem preparada em dossier específicos como a educação e o ambiente. Desde o início Ségolène Royal passou ao ataque, por vezes forçou a entrada no debate de assuntos que lhe são favoráveis (como a investigação), o que nem sempre correu bem, daí talvez um discurso menos claro que Sarkozy por querer falar de muitas coisas. Nicolas Sarkozy defendeu-se sempre, ou quase sempre, bem nunca perdeu o sua calma (contrariamente a algumas expectativas).
Curiosamente, o momento que marcou o debate, provavelmente a imagem que vai ser repetida ad nauseum, é a de Ségolène Royal indignada (não sei se foi uma indignação premeditada, mas foi mais convincente do que Royal costuma ser). Ségolène Royal indignou-se com a utilização demagógica por parte de Sarkozy do direito à educação das crianças deficientes, quando foi o governo do qual Sarkozy faz parte que extinguiu um programa criado por Royal enquanto ministra precisamente para integrar as crianças deficientes na escola pública. Ségolène conseguiu, quanto a mim, dar a imagem de que se indignou por uma causa justa contra uma manipulação demagógica. Se é um só momento que decide um debate então esse momento pode ter sido favorável a Ségolène Royal. Mas seria lamantável reduzir um debate de elevado nível político a apenas esse momento.

2 comments:

Hugo Mendes disse...

Foi um belo debate, sim senhor, e a Ségolène portou-se bastante bem. Fiquei com a sensação que se perdeu um pouco nas questões fiscais e ficou estranhamente calada na questão da imigração, para além de tentar ser mais papista que o Papa nas relativas à segurança. Mas nestas coisas manda o que dizem os "focus groups" e a obrigação de piscar o olho ao eleitorado centrista...Ela lá saberá porque forçou nuns assuntos e ficou apática noutros.

Faltou dizer o que eu escrevera lá atras que ela devia dizr explicitamente; falou muito bem da necessidade instituir um dialogo social de qualidade, de envolver os parceiros sociais, de reconstruir os sindicatos com mais gente mobilizada, etc. Mas faltou dizer que isso seria a chave de um processo de reforma, e que Sarkozy, por não ser capaz nem estar interessado em construir estas parcerias, não será capaz de levar a cabo as suas mudanças, porque as ruas de Paris e das outras cidades vão encher-se de milhares de pessoas outra vez. Ségolène podia ter dito que só com a sua abordagem dialógica e democrática as reformas seriam legítimas/legitimadas e consensuais, o que colaria bem com a acusação de que com Sarkozy as mudanças seriam "brutais". Podia ter dito, mas não disse assim, com todas as letras, de forma a marcar a diferença entre as duas candidaturas. Acho que foi isto que lhe faltou para ter sido uma performance muito boa.
Terá compensado com a sua indignação no episódio das crianças deficientes, que, genuína ou não, foi um momento de genialidade política - mas o Sarkozy tem culpa enorme, porque um presente como aquele não se oferece assim...Talvez estivesse irritado com a forma como a Ségolène o esmagou nas questões da educação. É o que vale já ter sido ministra.

Zèd disse...

De facto a Ségolène Royal deveria ter insistido mais nesse ponto, mas quando Sarkozy a interpelou sobre qual era concretamente a sua posição sobre as 35 horas semanais Royal respondeu que não era a sua concepção do poder ter respostas para tudo sem consultar ninguém. Ficou relativamente claro nesse ponto que ela será uma presidente capaz de dialogar com os parceiros sociais, e Sarkozy não. Aliás ficou bem claro nas manifs do 1° de Maio, que se transformou numa jornada anti-Sarkozy. Talvez por estratégia Royal não quis insitir mais nisso, se calhar fez mal.

Outro tema do debate em que gostei particularmente das propostas de Ségolène foi na reforma das instituições. Pertende alterar as regras de nomeção para o Senado, introduzir a proporcionalidade nas legislativas, e mais uma série de alterações às regras de funcionamento do parlamento e governo. Comprometeu-se ainda a fazer um referendo sobre essas alterações. Nesse capitulo Sarkozy quer deixar tudo como está.

Estranhei foi Ségolène não ter reagido à ideia de Sarkozy de uma escola em que os alunos se levantam quando o professor entra na sala (sim, foi uma das propostas de Sarkozy em matéria de educação). Mas como em educação Ségolène já dominou o debate, não foi preciso mais...