terça-feira, 10 de julho de 2007

Um contrato para a segurança

Este debate com o Hugo sobre a flexi-segurança demonstrou em certo sentido que existem dois tempos distintos para a aplicação de cada uma das partes que compõem esta nova palavra. No que concerne à segurança o tempo é longo. Por exemplo, podemos enumerar uma série de medidas avulso: uma rede de pré-escolar generalizada com horários compatíveis com a vida moderna, a reforma para a democratização no acesso à justiça, o aumento da escolaridade obrigatória até ao 12º ano, a existência de um plano de actividades extracurriculares de qualidade que ocupe os alunos do básico e secundário até às 18 ou 19 horas, uma rede pública de lares e de centros-dia que se coadune com as necessidades actuais.
Estas e outras medidas estão ainda a anos-luz da realidade vivida neste presente concreto. Contudo, quando se aborda a questão da desregulamentação da contratação laboral e da flexibilização do despedimento esse futuro já nos parece mais imediato. É-nos apresentado como algo eminentemente presente. Mais, dizem-nos que dessa desregulação depende o incremento das políticas de segurança. Ou seja, para aumentar a protecção social é necessário elevar o nível da produtividade e tal só se consegue por intermédio da flexibilização do mercado de trabalho. Uma flexi-segurança a dois tempos: será essa a especificidade portuguesa? Para as populações nórdicas a segurança não era uma promessa a longo prazo mas uma concretização no imediato.
Não tenho uma visão conservadora de que tudo deve ficar na mesma. Acho que a mobilidade profissional e até residencial não é um mal em si. Pelo contrário, entendo que a cristalização nos mesmos lugares (físicos e sociais) não propicia a inovação.
Portugal precisa, por isso, de um contrato social, na sua clássica acepção. Não se trata de um mero contrato assinado no parlamento ou nos corredores da concertação. Precisa de um contrato público e participado. Que defina objectivos e metas a atingir tanto pelo Estado, como pelas empresas e cidadãos. Um contrato que não pereça ao fim da legislatura e que seja monitorizado por uma entidade independente dos governos (com condições financeiras para o fazer). Não vejo outra forma de sedimentar a confiança.

7 comments:

Hugo Mendes disse...

Bom post. De qualquer forma, quando escreves:

"Uma flexi-segurança a dois tempos: será essa a especificidade portuguesa? Para as populações nórdicas a segurança não era uma promessa a longo prazo mas uma concretização no imediato."

Gostava que provasses esta afirmação com dados históricos, empíricos. Porque o que é corrente é o contrário: dado que estas reformas resultam de situações de crise, ou seja, quando o cobertor financeiro é curto, é muitas vezes impossível proceder a essa troca em tempo real.
Aliás, isto vai precisamente de encontro ao que dizes relativamente ao contrato público entre parceiros sociais. Aqui não há que inventar a roda, dado que os pactos sociais são o ABC de uma política social eficiente e eficaz. O contrato social - e a confiança que o sustenta e que o gera - é necessário precisamente porque não é possível por todas as cartas na mesa ao mesmo tempo. E para isso é preciso compromissos credíveis de ambas as partes: "Eu aceito que tu faças A agora, desde que tu te comprometas a aceitar fazer B mais tarde". Estamos perante um problema clássico de acção colectiva - ninguém quer avançar sozinho sob pena de ser traído pelo outro parceiro. Por isso precisamos de que todos os parceiros sociais - Governo, patronato e sindicatos - alinhem as suas estratégias no projecto comum.
Aqui estamos basicamente de acordo; gostava era de ser mais optimista relativamente ao compromisso do lado sindical - porque, já agora, é isto que nos diferencia e muito da Dinamarca et al.: a responsabilidade política dos sindicatos e as suas relações com os outros parceiros sociais, assentes numa confiança que não abunda pelos nossos lados.

abraço
Hugo

Zèd disse...

Não me parece que se possa pedir toda a flexibilidade agora e toda a segurança mais tarde, de facto não hà cidadão que confie. O que o estado pode fazer é avançar jà com algumas das politicas de segurança, as que podem ter um efeito mais imediato, e onde os ciddadão provavelmente mais precisam de segurança que é no emprego, ou melhor desemprego. Se se avançar com politicas de reforço do subsidio de desemprego, rendimento minimo, crédito à criação de pequenas empresas, os cidadão vão temer menos a flexibilidade.
Bem sei que isso custa dinheiro, mas é preciso establecer prioridades, e é preciso investimento. E jà agora que não sejam sempre os mesmos a ser prejudicados pelo argumento do "não hà dinheiro".

Renato Carmo disse...

Hugo, no post refiro-me aos países nórdicos, e aqui é de excluir a Finlândia, onde a construção do Estado providência foi sendo consolidada ao longo de um período considerável. Apesar de alguma crise conjuntural a flexisegurança surge num ambiente de confiança nos serviços públicos que já vem de trás e nesse sentido as políticas de segurança não representavam uma mera promessa.

«gostava era de ser mais optimista relativamente ao compromisso do lado sindical - porque, já agora, é isto que nos diferencia e muito da Dinamarca et al.: a responsabilidade política dos sindicatos e as suas relações com os outros parceiros sociais, assentes numa confiança que não abunda pelos nossos lados».

Para além disso o que também nos diferencia da Dinamarca é a responsabilização política dos nossos políticos. É impressionante que nunca te refiras a esta questão. Em Portugal os governos não estão habituados a cumprir os compromissos. Muitas vezes as políticas levadas a cabo num mesmo sector mudam com a mera mudança de ministro. O ónus não está só do lado dos sindicatos.

Zèd, estou completamente de acordo com o teu comentário.

Um abraço, camaradas :))

Hugo Mendes disse...

Renato, duas coisas:
1) o que mencionas no caso dos países nordicos esquece que eles não vivem em clima de confiança desde os longínquos tempos dos vikings. Essa confiança estrutural foi criada, e activamente criada por parceiros inteligentes. Só para dar um exemplo, a Suécia era um dos países com mais dias de trabalho perdidos em greves nos anos 20, fruto de relações laborais altamente antagonistas. Nos anos 30, com a subida dos social-democratas ao poder e responsabilização sindical, foi possível obter acordo que mudaram radicalmente as instituições do mercado de trabalho. Portanto, a confiança cria-se, ou começa-se a criar, através da inteligência de todos os actores sociais. Não estamos completamente presos do passado. A primeira (mas, claro, não a única) condição é QUERER mudar as coisas. Se os países nórdicos conseguiram fazer essa as transições recentes não com base em promessas, foi porque as tais promessas, realizadas num clima de conflito agudo, já tinham sido realizadas e funcionado décadas antes (se quiseres posso dar exemplos de declarações dos dirigentes sindicais e políticos nórdicos de como funcionam exactamente estas promessas). Portanto o mecanismo-chave é o mesmo. E repito: a condição é querer mudar. Estamos num contexto em que um actor-chave, o Governo, quer mudar. Tenho dúvidas que o movimento sindical português queira. Já tinha dado este exemplo aqui: http://avezdopeao.blogspot.com/2007/03/eu-devia-ter-era-ter-apostado.html
E isto é um sério problema.

2) Sem discordar do que referes relativamente às promessas políticas, resta dizer que os políticos, para concretizar as medidas, precisam da colaboração dos parceiros sociais. Isto, infelizmente, também nunca é dito. Quando as promessas ficam por cumprir, a primeira conclusão é que "eles" são incompetentes ou uns sacanas. Infelizmente, convinha generalizar-se a ideia de que o Estado, ou o Governo, sozinho não pode quase nada, se mais ninguém estiver interessado em mudar nada. Isto não é desculpabilização, é a assunção da complexidade do mundo e da dificuldade de governar sociedades complexas (quem quiser ver isto como uma mera desculpabilização, paciência, acredita quem quer). Podia estar aqui toda a tarde a dar exemplos.
De qualquer modo, como são os políticos que vão a votos - e não os sindicatos ou qualquer outro parceiro social -, a avaliação das falhas recai apenas sobre eles, e nunca sobre aqueles que também têm poder, mas nunca lhes é imputada responsabilidade.
O ónus está dos dois (ou mais) lados, e capacidade estratégica exige-se aos dois (ou mais).

Zéd, as medidas que mencionas já existem ou estão em curso.

Renato Carmo disse...

Ok, mas nos países nórdicos e, no fundo, estamos a falar sobretudo da Dinamarca, o modelo de flexisegurança só foi concebido nestes últimos anos. E volto a repetir a flexibilidade só foi acordada com os vários parceiros porque, em certa medida, a segurança já estava garantida.
Em Portugal a segurança está longe de estar garantida. Por isso, se gera naturalmente um clima de desconfiança relativamente à flexibilidade. A estratégia natural e óbvia é a de resistência.
Cabe ao governo demonstrar o contrário. Desculpa, mas não podes pôr ao mesmo nível a responsabilidade dos governantes da dos sindicalistas ou até dos empresários.
E a melhor forma de se gerar um clima de confiança é avançar com algumas medidas estruturais de protecção social. Por exemplo, avançar desde já com políticas de apoio à maternidade e paternidade: aumentar para 6 meses a dispensa ao trabalho. Contratar médicos (nem que venham do estrangeiro) em número suficiente para que cada família possa ter direito ao seu médico de família. Apresentar um programa concreto de construção de uma rede de infantários públicos e de lares e centro-dias abetos até às 19 horas. Contratar pessoas especializadas para a animação dos tempos livres nas escolas até às 19 horas, etc.
São estes os sinais que os cidadãos precisam para sentir confiança. Não é nada de extraordinário... mas em Portugal seria algo extraordinário.
Estará o governo com vontade para dar esse sinal?

Hugo Mendes disse...

Renato, não discordo de nenhuma medida em particular, mas como sabes é preciso margem de manobra financeira para por essas coisas a andar e, já agora, cooperação sindical/profissional.

A escola a tempo inteiro até às 17 horas já foi difícil..vai agora exigir alargamento de horário até às 19 horas, vai...Vê a resposta que levas da FENPFROF :)).

Contratar médicos do estrangeiro: venham eles? O que vai dizer a Ordem dos Médicos? E o previsível boicote dos restantes médicos? É que os médicos não funcionam num regime propriamente fordista nem submetidos a regras de videovigilância...:)

Dispensa ao trabalho: de acordo. Agora: quem paga? Os empregadores? O Estado? As pessoas? Dividimos os custos? Como? O que fazer se o Estado não tem dinheiro e ninguém está disposto a dividir os custos? Etc. etc.

Estas são as coisas difíceis. E é por isso que a responsabilidade dos parceiros sociais é central. Avança-se pouco impondo as coisas à força, de forma centralizada; uma vez por outra dá, pode funcionar, mas uma estratégia política apenas fundada nesta lógica é muito complicada.

"Em Portugal a segurança está longe de estar garantida. Por isso, se gera naturalmente um clima de desconfiança relativamente à flexibilidade. A estratégia natural e óbvia é a de resistência."

Uma coisa é a reacção das pessoas. Outra coisa é a reacção dos parceiros sociais, que devem ter uma responsabilidade institucional que as pessoas, individualizadas e sem poder de ajudar na concretização das políticas, não têm nem têm que ter. E no caso dos parceiros sociais, a resistência é "natural", sim, mas é por outros motivos que não a da "insegurança"...:), relativos à agenda corporativa dos grupos profissionais, ou à agenda política dos sindicatos, por exemplo. É por isso que é tão difícil mudar o que quer que seja, ou pelo menos fazer mudanças de fundo.
Não estou à espera que as pessoas compreendam isto, vão sempre desconfiar do Governo, etc., mas pronto. Convém não esquecer que o Governo é sancionado nas urnas se as coisas não forem feitas, e os parceiros sociais não; e por isso tem um interesse e um incentivo muito superior a todos os outros grupos, enquanto os grupos podem estar-se a marimbar para o país ou para o interesse geral: basta defender a sua coutada. É esta assimetria que torna as coisas muito complicadas, mas também devia lembras às pessoas que, por razoes de sanção popular, é ao Governo que interessa "dar os sinais" e "dar confiança" e tudo o resto. Os outros podem simplesmente arrastar os pés, e prolongar a eterna desconfiança que impede os pactos para o desenvolvimento.

Zèd disse...

Hugo,
"as medidas que mencionas já existem ou estão em curso."
Eu sei, por isso falei em reforço. Outra coisa que se calhar também jà existe é uma legislação que obrigue a compensações fincanceiras em caso de despedimento, mas avançando-se para uma maior flexibilização tem que se assegurar que essas compensações sejam substanciais, para dar alguma segurança. Volto a insistir nesta tecla, com a flexibilidade a insegurança mais imediata é o desemprego. Outra coisa que talvez jà exista mas seguramente vai ter que ser reforçada se aumentarem os despedimentos são programas de crédito e incentivos à criação de pequenas empresas especialmente dirigiadas a desempregados (uma espécie de microcrédito).

Concordo com o Renato que não podemos pôr os parceiros sociais e o governo no mesmo patamar. O governo tem o poder executivo, com a AR tem o poder legislativo, e tem ainda a legitimidade democràtica. Tem mais poderes e mais responsabilidades que os parceiros sociais.

"Avança-se pouco impondo as coisas à força", not so sure about that :-)
Por vezes não se impondo as coisas não se avança nada. Eu concordo inteiramente contigo nas criticas que fazes aos parceiros sociais, patronato e sindicatos (e ordens), e é por isso mesmo que acho que o governo em certas questões tem mesmo que avançar em força. Se estamos à espera de tentar convencer os parceiros sociais, ou as corporações, a serem razoaveis, bem podemos esperar. Aliàs hà décadas que se tenta avançar com paninhos quentes e consensos e o resultado é a paralesia. O governo tem "apenas" que fazer um bom trabalho de informação e explicar aos cidadão porque é que os consensos não são possiveis, e porque é que é necessàrio avançar sem consensos.O exemplos que foram dados da FenProf e da Ordem dos Médicos são dois exemplos de medidas que o governo podia avançar sem consensos.