quinta-feira, 30 de agosto de 2007

A marcha das tartarugas*

Em todo o mundo, há só 3 lugares que as tartarugas da espécie Caretta caretta escolhem para pôrem os ovos. Em Cabo Verde, algumas praias do arquipélago recebem esses doces animais que chegam rapidamente ao areal no embalo das ondas do mar. Iludem até o facto de, em geral, fazerem tudo «a passo de tartaruga».
A revista Visão desta semana [1] refere-se a um projecto-piloto de protecção das tartarugas que envolve investigadores da Universidade do Algarve e técnicos de Cabo Verde, em parceria. Uma das medidas mais visíveis para se evitar a matança das tartarugas inclui a presença de militares com metralhadoras(!) para vigiar as praias mais procuradas pelos animais. Solitários ou em duplas, estes militares procuram conter os caçadores furtivos que insistem em interromper a lenta actividade em terra. Esta medida pretende deter a matança e garantir que o investigador da Universidade do Algarve possa estudar e filmar todo o processo até ao momento em que as tartarugas regressam sã e salvas ao mar. A missão dos militares está rodeada de obstáculos, entre os quais destaca-se a frequente proximidade (por laços de parentesco, de amizade ou de vizinhança) que os liga aos potenciais caçadores.
É fácil de compreendermos o desconforto e o conflito de um vigilante da lei, preso entre as relações sociais actuais, o dever de militar, a satisfação de proteger as tartaruguinhas e as memórias de um tempo que o fazem conhecer tão bem todos os passos que são dados para se chegar às tartarugas e aos seus ovos.
Lemos no artigo que a sensibilização das comunidades piscatórias (e não só) para que se tornem os "vigilantes da natureza" fica para o próximo ano. É de se supor que quando começar a intervenção para a mudança comportamental teremos mais um elemento para eliminar do imaginário popular: as imagens já formadas em que tartarugas aparecem automaticamente associadas a militares com metralhadoras!
Os dois técnicos cabo-verdianos envolvidos na protecção das tartarugas adoptam atitudes corajosas e abnegadas, como a de percorrer o areal e dissimular os vestígios das desovas para impedir que os ovos sejam descobertos. Além disso, e como nos dá a conhecer o artigo, todos negam gostar de carne de tartaruga.
Por todos estes factos, e porque não temos dúvidas de que as comunidades são as únicas que podem garantir a protecção das tartarugas, a longo prazo, sugestões devem ser apresentadas. Adiantamos algumas:
- convencer os gulosos (podem preservar a verdadeira identidade) que a carne da tartaruga é assim tão saborosa porque contém um dos principais elementos responsáveis por uma doença mortal contemporânea;
- descobrir quem é o responsável pela escassez crescente do atum nas águas de Cabo Verde;
- convencer os homens (com terapia, se necessário) a abandonar a crença de que a ingestão daquela parte do corpo da tartaruga traz ganhos à performance no acto sexual.
Ou, talvez, optar pela seguinte alternativa: apressar a marcha das tartarugas de volta ao mar!
Nb: para mais informações vd. WWF.
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[1] vd. Fernando Peixoto, "A matança das tartarugas", Visão, n.º 755, 23/VIII/2007, p. 88.
*Iolanda Évora

2 comments:

Sappo disse...

Olha, Io.

CV está exagerando na dose. Creio que não precisaria de toda essa truculência pra proteger as indefesas tartarugas. Ações como essas são ineficazes na proteção ambiental, pois só um trabalho sério de conscientização com a comunidade local poderá resolver a questão de uma forma mais eficiente e permanente. O uso da força policial intimida, mas não soluciona o problemas em caráter definitivo. Torna-se inócua a médio e longo prazo.

Já sobre a escassez atum é fácil saber quem são os responsáveis. CV recebe uma bagatela (acho que por volta de 380 mil euros por ano) pra deixar que embarcações da UE explorem a pesca local. Como essa atividade é feita sem controles eficientes por parte das autoridades coboverdenas, não se sabe ao certo a quantidade de peixe que essas embarcações levam pra seus países de origem. Com certeza, estão levando bem mais do que declaram e do que poderiam, tornando-se predatórios.

Agora, me diz uma coisa: "aquela parte" da tartaruga com poderes mágicos é da fêmea ou do macho. Essa informação é bem relevante pros mais incautos.

Bem, como o Sol resolveu se apresentar por estas bandas e o trabalho me deu uma trégua, vou pegar as minhas tralhas e ir à pescaria dos meus preciosos cações (como são águas mais profundas, podemos até fisgar alguns atuns mais desavisados). Acho que ficaremos entre o litoral sul do Rio e norte de SP. A região além de belíssima é ótima pra pescaria marinha.

Tchau.

ps.: Ah, bom almoço pra ti e toda a peãosada.

Iolanda Évora disse...

O assunto continua actual. Suponho que a solução dos "homens de metralhadora nas praias" se deve à coincidência entre o início do projecto e a época de desova das tartarugas este ano. Era necessário tomar medidas radicais neste verão, acredito. Certamente que haverá planos para as soluções a médio e longo prazo.
Quanto ao atum desaparecido, há muito que culpa-se também os navios japoneses de serem responsáveis por uma pesca predatória. Comenta-se, no arquipélago, que utilizam redes automáticas que vão fundo no mar e trazem tudo o que encontram pelo caminho. Aguardando, ainda, por comprovação científica, tudo leva a crer que o problema é mesmo entre machos: homens e tartarugas. Já se viu quem sai a perder.