domingo, 14 de outubro de 2007

O que seria deste país sem as uvas


Oh!, quem me dera ser um camponês, como que uma emanação da paisagem que o meu olhar abraça daqui, e bem forte, bem novo, bem fulvo, recolhendo ao anoitecer dos matos com o meu feixe de lenha à cabeça, a carreta do vindimador chiando por algum côrrego pitoresco e um cordeiro que balisse adiante, na língua dos antigos deuses foragidos, a elegia violeta do morrer do Sol! E de roda de mim, por cima de mim, ouvindo tristes gotinhas de água a cair, com o seu 'ting-ling' de fonte amorável, coração dos musgos romanescos... Evoé, padre Baco!

Dentro de pouco chegarão as vindimas, festa de abundância nesses lugarejos pobres, em que os terrenos delgados não parecem felizes para qualquer outra cultura.

Enquanto o Meio-Dia e o Sul colhem e pisam a pés de homem os cachos rúbios e opados, no lagar onde o mosto ferve, como num mistério dionisíaco, ao norte, pelas encostas do Douro, sobranceiras ao rio, já se não oferece como outrora o espectáculo da verdura hilariando em vários tons esmeraldinos e os esquisitos recortes das parras, dando a ilusão de pequenas faianças de esmalte maravilhoso.

Fialho de Almeida, O País das Uvas.

Imagem: Fialho de Almeida visto por Vasco.

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