domingo, 4 de novembro de 2007

Ainda Eça de Queirós e Ramalho Ortigão

Já que estamos em maré de citar Eça, aqui vai outra, novamente de "O Mistério da Estrada de Sintra", o tal romance execrável escrito a meias por Eça de Queirós e Ramalho Ortigão. Desta vez é uma citação que verbaliza bem o móbil do crime que é ser-se de esquerda:

Interessava-me detidamente, e o único movimento que encontrava no meu coração - sinceramente o confesso - era o do ódio. Ódio àquela mulher, ódio inexplicável, monstruoso, como aquele que imagino ser o de um enjeitado à sociedade em que nasceu!
A distinção aristocrática, a elegância da raça daquela gentil criatura aviltava-me, enfurecia-me, revolvia no meu interior esse fermento de rebelião demagógica que todo o plebeu traz sempre escondido, como uma arma proibida, no fundo da sua alma.
Aquela mulher tinha, certamente, um espírito menos culto do que o meu, uma razão menos firme, uma vontade menos forte, um destino menos amplo. Para compensar estas depressões assistia-lhe uma superioridade repugnante, inadmissível: a que procede da casta. Um berço de luxo, uma constituição delicada, um leito de penas, a infância resguardada na sombra, entre estofos, sobre tapetes, ao som de um piano - isto basta, para que fique ridículo, miserável, desprezível ao pé dela um homem que se criou ao clarão do dia, à luz do Sol, tendo por tapetes a aspereza das montanhas, e por melodias o roncar das carvalheiras e o gemer dos pinhais!

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