terça-feira, 13 de novembro de 2007

Por que te callas, Hugo Chávez?

Um assunto bastante recorrente nestes últimos dias é o bate-boca entre o rei da Espanha, Juan Carlos, e o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, durante a 17ª Cimeira Ibero-americana, encerrada sábado passado em Santiago, Chile. Não vou aqui me deter sobre a polêmica em questão, pois tudo foi dito (prós e contras) sobre o sonoropor que no te callas” do rei espanhol. Que Chávez se faz de fanfarrão e personifica a imagem do político latino falastrão também não é novidade pra ninguém. O que me intriga de fato é o que o “teórico” do “socialismo do século 21” (???) não diz.

Antes de se tornar o presidente da Venezuela pelo voto direto, em 1998 (se bem que a sua primeira tentativa foi através de um golpe frustrado, em 1992), Chávez era tenente-coronel reformado do Exército, patente que conquistou por ser um soldado disciplinado, dedicado e ordeiro, requisitos básicos pra quem quer avançar na carreira militar. E como militar de alta patente também sabe o que pode e que não pode dizer aos subordinados no campo de batalha para levantar-lhes o moral.

Durante a 4ª Cimeira das Américas, realizada em Mar del Plata, Argentina, em novembro de 2005, enquanto Chávez sepultava a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) com discursos inflamados e sob o slogan “Alca, Alca, al carajo", o seu ministro da Energia e o presidente da estatal PDVSA (Petróleos da Venezuela S/A) negociavam com empresários norte-americanos a compra de 80% da produção de petróleo venezuelano. Apesar de ter mandado a Alca para o caralho, lucrou naquela altura bilhares de dólares com o desespero dos diablitos yankees [1]. Em outras palavras: ele pode negociar com os EUA, mas os demais países da América Latina não.

Chávez é propositadamente um chefe de Estado ambíguo. Depois de acabar com a Alca, começou a defender em seus discursos-efervescentes o fortalecimento dos blocos econômicos da América Latina. Chegou até formalizar o pedido de inclusão de seu país no Mercosul, na véspera do início da 16ª Cimeira Ibero-americana, realizada ano passado, em Montevidéu, no Uruguai. Pedido que foi acolhido por todos os chefes de Estados dos países-membros (mas que precisaria ser ratificado pelos respectivos Parlamentos). No dia seguinte, enquanto dava tapinhas de bom amigo nas costas do “compañero” Lula, os seus ministros de Estado se reuniam na calada da noite (bem ao estiloquinta coluna”) com o espanhol Zapatero para negociar a aquisição pela Venezuela de 20 jatinhos. Detalhe: os aviões espanhóis são mais caros e bem inferiores tecnologicamente aos produzidos pela Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica). E nessa, o Brasil ficou a ver navios .

Outra coisa que não consigo compreender em Hugo Chávez é a rapidez e o silêncio com que ele vem se armando. Tudo começou com a compra de 100 mil fuzis de assalto Kalashnikov AK-103 e AK-104, de fabricação russa. A partir daí, Chávez tem recorrido ao mercado global bélico com um apetite voraz (mas sem muito falar). Acertou com a Espanha (do rei do cala-boca) a compra de oito navios de guerra e armas leves. Da China comprou radares móveis. O pacote bélico de Chávez inclui ainda helicópteros, submarinos, mísseis terraar. A aquisição mais valiosa foi feita em meados do ano passado, quando comprou 24 caças russos Sukhoi, os aviões mais poderosos que qualquer outro hoje existente na América do Sul. Segundo o último relatório (2006) do Instituto Internacional de Pesquisas sobre a Paz de Estocolmo (Sipri), a Venezuela foi pelo segundo ano consecutivo o país da América do Sul que mais aumentou o seu gasto militar: 20% em termos reais, ou seja, recursos que ultrapassam a casa dos US$ 4 bilhões. Chávez não se cansa de repetir que quer uma América do Sul unida e forte, mas faz tudo isoladamente e às escondidas das principais lideranças do continente. Pior, tumultua todas as reuniões pra que decisões políticas importantes e pertinentes não sejam tomadas. O que ele quer na verdade (mas não diz) é trazer pra si a hegemonia regional.

Como reflexo, alguns países da América do Sul falam em reforçar os recursos para a compra de armas. São os casos específicos do Brasil e do Chile. A presidenta chilena, a socialista Michelle Bachelet, fala em passar de 3% pra 5% do PIB o seu investimento militar Por outro lado, o governo brasileiro anunciou no mês passado medidas para aumentar o potencial bélico do país (como, por exemplo, dar sequência à construção do submarino nuclear pela Marinha). O presidente Lula passou também a considerar prioritária a retomada do programa FX de compra de 12 caças modernos para a Força Aérea. Além disso, ele estuda a alocação de cerca de US$ 2 bilhões para reforçar o potencial de fogo nacional. Como se , Hugo Chávez, em nome do seusocialismo do século 21” (???), está levando a América do Sul a uma corrida armamentista sem precedentes, quando mais de 50 milhões de pessoas teimam em se manterem vivas, sem, sequer, terem acesso à água potável para as suas necessidades mais básicas. Será que este dinheiro gasto com armas não resolveria muitos problemas sociais dos latinos-americanos? Que coño, hombre! Por que te callas quando sabes bem que quem não tem petróleo está trocando comida, educação e investimentos em infra-estrutura por chumbo nesta insana corrida bélica disparada por ti. As superpotências produtoras de armas agradecem. Principalmente el diablón Bush.
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[1] Com o acirramento da crise diplomática entre os dois países nestes dois últimos anos, as exportações de petróleo venezuelano ao mercado americano passaram agora para 45% do total vendido ao exterior. Isto porque Hugo Chávez está tentando de todas as maneiras uma aproximação com a China, pra onde está exportando cerca de 500 mil barris diários.

Nb. Na imagem, o símbolo do Memorial da América Latina de São Paulo projetado por Oscar Niemeyer

2 comments:

Zèd disse...

Boa Manolo! Não sabia desta corrida ao armamento pelo Chávez. Assim se vai construindo uma imagem mais nítida do personagem, que está longe de ser um bobo da corte.

Sappo disse...

É verdade, Zèd. De tolo ele não tem nada. Ao contrário, é bem inteligente e se tornou o principal articulador do realinhamento geopolítico da América do Sul. Enquanto o Brasil pensa que lidera a região, é Chávez quem dá as cartas e estabelece as regras do jogo.