terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Concurso de tiros no pé II (ou a esquerda francesa num impasse)

Este post arrisca-se a ser mais um exercício de flagelação da esquerda francesa. Já que li o livro "L'impasse" de Lionel Jospin - dir-se-ia que não mais que fazer - aproveito para escrever um post. O título do livro não podia ser mais feliz, a esquerda francesa está de facto num impasse, e parece caminhar alegremente para o desastre, consciente disso (que é o pior). Parece-me que o estado actual da esquerda francesa é um excelente balão de ensaio a que toda a esquerda europeia devia prestar atenção. Perante uma direita forte que está confortavelmente no poder, o futuro da esquerda francesa depende da capacidade de se questionar e - principalmente - de se reconstruir.
O impasse da esquerda é entre o PSF e a extrema-esquerda. O PSF entretém-se com danças de cadeiras, discute-se pessoas e não política, nunca se refez do desastre eleitoral de 2002, e a sua existência tem-se limitado a adiar a renovação (das ideias, mais do que das pessoas). A extrema-esquerda, fragmentada, não quer o poder, ou vive demasiado desligada da realidade para ser uma alternativa real de poder. Estando a direita, com Sarkozy, no poder para os próximos cinco anos, com presidente e maioria, é uma boa altura para a esquerda entrar num debate profundo, com tempo.

Lionel Jospin constata isso mesmo e publica o seu livro passadas as eleições presidenciais e legistativas, visando contribuir para o debate no PSF e na esquerda. Lionel Jospin, revela-se afinal ele próprio parte do impasse que denuncia. Depois de ler esta crítica esperava o pior, ainda assim decidi-me a ler o livro. Não foi tão mau quanto eu pensava, tenho sentimentos ambíguos relativamente à posição de Jospin. Jospin tendo perdido miseravelmente as eleições de 2002, "deixando" Le Pen passar à segunda volta, quando tinha tudo para ganhar, não aparece muito bem colocado para dar lições. No entanto tem direito à sua opinião, que deve ser julgada por si mesma e não pelos resultados eleitorais passados do seu autor. Mas a primeira crítica que posso fazer ao livro não é Jospin ter perdido as eleições, mas de nunca assumir as suas responsabilidades nessa derrota, não aprendeu nada com ela. Diz várias vezes que assume as suas responsabilidades, mas quando se trata de concretizar o único que erro que reconhece é ter substimado a dispersão dos votos à esquerda (como se essa dispersão de votos não tivesse nada que ver com a sua incapacidade de os atrair para si), e de resto a culpa é de todos os outros, sobretudo à esquerda. Outro erro do livro é o tempo dedicado a analizar a derrota de Ségolène Royal, um capítulo - dois, vá - sobre o assunto compreende-se, mas sete (!) em onze, 77 páginas em 132, é um pouco demais. Sobretudo quando não há um mínimo de debate ideológico, apenas e só críticas à estratégia de campanha de Ségolène Royal (muito embora várias dessas críticas sejam bastante válidas). Das críticas de Jospin com que não concordo deixo algumas. Jospin critica Royal por levar o debate para fora do partido socialista, em particular para a internet (com o seu site "Désirs d'avenir"); Jospin não percebeu o que é a democracia participativa e tem do partido uma visão que não desdenharia aos mais ortodoxos militantes do PCP. Jospin insurge-se contra o termo "elefantes" para designar os elefantes do PSF, desqualificando-o como falta de respeito; Jospin foge a abordar o verdadeiro problema, os elefantes existem, são os chefes de clã de um PSF divido em facções em que a única coisa que importa é o ego. Jospin diz que os elefantes até ajudaram Ségolène na campanha, e que é ela quem é ingrata quando os acusa de não a apoiarem e de a sabotarem; não sei se aqui Jospin peca por cegueira ou por desonestidade. O principal argumento de Jospin é que as condições eram favoráveis para uma vitória da esquerda porque a esquerda vinha de resultados eleitorais positivos e a direita que estava no poder era impopular; Jospin faz por ignorar que as eleições regionais e europeias são a feijões, minimiza o resultado do referendo à constituição europeia que dividiu internamente o PSF, e faz tábua rasa do talento de Sarkozy (reconheça-se) que conseguiu aparecer como o unificador da direita ao mesmo tempo que se demarcou da governação de Chirac, embora fosse seu ministro. As condições não eram de todo favoráveis à esquerda.

Continua...

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