segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

‘Epá’, será que não há saída?


Este debate a propósito de um artigo do jornal Le Monde Diplomatique sobre o estado da Europa (pós-assinatura-do-tratado-de-Lisboa) foi, antes de mais, revelador sobre o estado da esquerda. Depois da interessante apresentação, mas excessivamente consensual, dos intervenientes ficámos todos com a ideia de que pouco espaço de manobra resta à esquerda. O tratado assinado na semana passada representa o último passo decisivo (irreversível?) para a instauração à escala continental de um mercado global. De forma muito sintética, uma das conclusões centrais do debate foi a seguinte: o tratado é, acima de tudo, um instrumento regulador (institui um espaço comum constituído por 27 países) que favorece e enquadra, no interior desse mesmo espaço, a desregulação financeira e económica. Ou, dito de outro modo, o tratado institui definitivamente um modelo de globalização neoliberal de matriz europeia. Os países estão condenados a entrar nesse jogo e pouco mais restará aos partidos e movimentos de esquerda senão lutar pelo referendo e votar contra. Mas, nada de ilusões, poucas (ou nenhumas) serão as consequências do referendo. Aliás, uma das expressões mais usadas no debate foi precisamente a de estarmos (a Europa, a esquerda, a democracia, as economias nacionais…) “condenados”. A esquerda está completamente maniatada, na medida em que ela própria (leia-a a social democracia) teve um papel decisivo na construção desta Europa. Os vários argumentos acabaram naturalmente por culminar numa espécie de inevitabilidade, quase como se tivéssemos alcançado o fim da História.

Num post anterior referi que a esquerda deveria preocupar-se em desnaturalizar a visão neoliberal. Na verdade, o pior que pode acontecer é enredarmos por um discurso que encontra como única saída a naturalização do poder neoliberal. É claro que não há alternativas fáceis, nem sei se será possível empreender por alguma alternativa concreta. No entanto, uma coisa parece-me essencial: a esquerda tem de dar margem para se subverter. Ou seja, não inviabilizar logo à partida um debate em torno de possibilidades, por mais ridículas e inviáveis que estas possam parecer à partida. É importante dar espaço a um certo caos criativo... Não afirmar logo à partida: “isso não é possível”. Por exemplo, não considerar logo como absurda (ou como uma impossibilidade) a mera hipótese de um movimento internacionalista entre as várias esquerdas europeias, que procure pontes de ligação em torno de propostas confluentes que transcendam as particularidades nacionais (e nacionalistas). Por exemplo, não pôr de parte a capacidade reivindicativa e agregadora das diferentes sociedades civis como um elemento a ter em conta na luta contra uma União Europeia que se constrói (impõe?) de cima para baixo. ‘Epá’, talvez haja uma saída…

9 comments:

Daniel Melo disse...

Concordo e, por isso, subscrevi a petição europeia para que haja referendo ao Tratado Constitucional nos vários Estados europeus.
Quem quiser pode consultar toda a informação sobre essa petição europeia aqui: http://x09.eu.

Hugo Mendes disse...

Não estive no debate de sexta-feira, mas quando se diz que "o tratado institui definitivamente um modelo de globalização neoliberal de matriz europeia", qual é a definição de neo-liberalismo que estamos a usar? É que a União Europeia usa uma série de mecanismos que violam imediatamente a mais simples definição de neo-liberalismo, a começar pela redistribuição de fundos geográfica/nacional (recordo apenas que o neo-liberalismo é contra toda e qualquer redistribuição) até toda a forma de cooperação institucional extra-mercados e de pactos sociais, de diálogo social, de negociação colectiva, passando por diferentes políticas de inovação, de densa regulação empresarial (achas que aquilo que aconteceu à Microsoft também é fruto de neo-liberalismo? já para não falar no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e no Tribunal Europeu de Justiça, que têm deliberado contra uma série de práticas discriminatórias levadas a cabo pelos Estados), e de investimento nas pessoas e nas suas competências (programas como o Erasmus, no passado, e os milhoes que virão nos próximos anos para a Aprendizagem ao Longo da Vida para permitir aos alunos, professores e trabalhadores para viajar pela Europa são exemplos sobejamente conhecidos de neo-liberalismo...). Para mais, a 'soft law' deixa as políticas sociais na esfera dos Estados-membros, que podem encontrar os melhores mecanismos de responder às suas necessidades singulares e às respectivas opiniões públicas, sem nenhum modelo único imposto de fora.
É que neo-liberalismo é diferente de monetarismo.
Para mais, a integração dos países de Leste na União Europeia vai gerar provavelmente uma subida dos gastos sociais e, a prazo, talvez mesmo um alinhamento por cima da Europa social. Basta ver o que aconteceu com a entrada de Portugal, Espanha e Grécia: foram a Suécia, Alemanha, et al. que se aproximaram dos nossos níveis de despesa social ou fomos nós que nos aproximámos dos deles? A resposta certa é, obviamente, a segunda. Alguém acha que uma harmonização fiscal ou de gastos sociais seria passível de ser decretada e imposta a uma série de países (aí já não é valorizada a soberania nacional, presumo)?

Nenhum leve defensor do neo-liberalismo se identificaria com uma série de mecanismos de intervenção e regulação (tirando o Banco Central Europeu, provavelmente) que existem na União Europeia. Também acho que o défice dos 3% é um tecto demasiado restritivo (ao mesmo tempo, disciplina as economias a médio prazo, tal como a política do euro forte, que não facilita nas exportações e obriga as empresas a fazer ganhos de produtividade. É discutível, mas percebe-se a lógica). Se o défice dos 3% é incompatível com um Estado social generoso, têm que me explicar como é que a Suécia e outros países nórdicos têm em vários anos sucessivos não um défice, mas um "positive surplus" orçamental. Espantoso, não? O Estado social mais generoso do mundo recolhe mais impostos dos que gasta, e isto altamente integrado numa economia globalizada: mais, muito mais do que Portugal. No mundo de uma certa esquerda e de boa parte da direita, este cenário devia pertencer ao domínio da ficção. Mas é realidade.

Esse desespero da esquerda é auto-infligido (ou para usar a tua expressão, é "auto-manietamento" - e quem falou de "fim da história" senão tu, ou os defensores desta perspectiva, pergunto eu), e só pode levar a tomadas de decisão de equivalente desespero. E, por consequência, a um alhear da discussão do muito que pode ser feito (e melhorado, claro) e está em discussão sobre o "modelo social europeu" no futuro próximo.
Por exemplo, reduzir drasticamente o dinheiro que enche os bolsos de meia-dúzia de agricultores ricos através da Política Agricola Comum e que consome metade (!) do orçamento da UE e canalizar esse dinheiro para a educação, saúde, inovação, pensões, etc. etc. Que tal? Não era muito, mas muito mais inteligente canalizar a energia da esquerda para uma mudança como esta, moral e economicamente altamente justificável? Não, claro que não: como sempre, é preferível estar do "contra" e colocarmo-nos fora do jogo contra a "desregulação económica e financeira". Se calhar, quando vier o dia em que alguém tenha coragem de desmantalar a PAC, vocês virão dizer que é mais uma medida "neo-liberal" de desregulação (e ainda bem que é!) e que se está a "nivelar por baixo". Enfim.

Quanto a um putativo referendo, imagino que em Portugal o 'sim' ganhasse por vantagem esmagadora.

Abraço,
Hugo

Não estive no debate de sexta-feira, mas quando se diz que "o tratado institui definitivamente um modelo de globalização neoliberal de matriz europeia", qual é a definição de neo-liberalismo que estamos a usar? É que a União Europeia usa uma série de mecanismos que violam imediatamente a mais simples definição de neo-liberalismo, a começar pela redistribuição de fundos geográfica/nacional (recordo apenas que o neo-liberalismo é contra toda e qualquer redistribuição) até toda a forma de cooperação institucional extra-mercados e de pactos sociais, de diálogo social, de negociação colectiva, passando por diferentes políticas de inovação, de densa regulação empresarial (achas que aquilo que aconteceu à Microsoft também é fruto de neo-liberalismo? já para não falar no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e no Tribunal Europeu de Justiça, que têm deliberado contra uma série de práticas discriminatórias levadas a cabo pelos Estados), e de investimento nas pessoas e nas suas competências (programas como o Erasmus, no passado, e os milhoes que virão nos próximos anos para a Aprendizagem ao Longo da Vida para permitir aos alunos, professores e trabalhadores para viajar pela Europa são exemplos sobejamente conhecidos de neo-liberalismo...). Para mais, a 'soft law' deixa as políticas sociais na esfera dos Estados-membros, que podem encontrar os melhores mecanismos de responder às suas necessidades singulares e às respectivas opiniões públicas, sem nenhum modelo único imposto de fora.
Neo-liberalismo é diferente de monetarismo.
Para mais, a integração dos países de Leste na União Europeia vai gerar provavelmente uma subida dos gastos sociais e, a prazo, talvez mesmo um alinhamento por cima da Europa social. Basta ver o que aconteceu com a entrada de Portugal, Espanha e Grécia: foram a Suécia, Alemanha, et al. que se aproximaram dos nossos níveis de despesa social ou fomos nós que nos aproximámos dos deles? A resposta certa é, obviamente, a segunda. Alguém acha que uma harmonização fiscal ou de gastos sociais seria passível de ser decretada e imposta a uma série de países (aí já não é valorizada a soberania nacional, presumo)?

Nenhum leve defensor do neo-liberalismo se identificaria com uma série de mecanismos de intervenção e regulação (tirando o Banco Central Europeu, provavelmente) que existem na União Europeia. Também acho que o défice dos 3% é um tecto demasiado restritivo (ao mesmo tempo, disciplina as economias a médio prazo, tal como a política do euro forte, que não facilita nas exportações e obriga as empresas a fazer ganhos de produtividade. É discutível, mas percebe-se a lógica). Se o défice dos 3% é incompatível com um Estado social generoso, têm que me explicar como é que a Suécia e outros países nórdicos têm em vários anos sucessivos não um défice, mas um "positive surplus" orçamental. Espantoso, não? O Estado social mais generoso do mundo recolhe mais impostos dos que gasta, e isto altamente integrado numa economia globalizada: mais, muito mais do que Portugal. No mundo de uma certa esquerda e de boa parte da direita, este cenário devia pertencer ao domínio da ficção. Mas é realidade.

Esse desespero da esquerda é auto-infligido (ou para usar a tua expressão, é "auto-manietamento" - e quem falou de "fim da história" senão tu, ou os defensores desta perspectiva, pergunto eu), e só pode levar a tomadas de decisão de equivalente desespero. E, por consequência, a um alhear da discussão do muito que pode ser feito (e melhorado, claro) e está em discussão sobre o "modelo social europeu" no futuro próximo.
Por exemplo, reduzir drasticamente o dinheiro que enche os bolsos de meia-dúzia de agricultores ricos através da Política Agricola Comum e que consome metade (!) do orçamento da UE e canalizar esse dinheiro para a educação, saúde, inovação, pensões, etc. etc. Que tal? Não era muito, mas muito mais inteligente canalizar a energia da esquerda para uma mudança como esta, moral e economicamente altamente justificável? Não, claro que não: como sempre, é preferível estar do "contra" e colocarmo-nos fora do jogo contra a "desregulação económica e financeira". Se calhar, quando vier o dia em que alguém tenha coragem de desmantalar a PAC, vocês virão dizer que é mais uma medida "neo-liberal" de desregulação (e ainda bem que é!) e que se está a "nivelar por baixo". Enfim.

Quanto a um putativo referendo, imagino que em Portugal o 'sim' ganhasse por vantagem esmagadora.

Abraço,
Hugo

Renato Carmo disse...

Hugo, concordo com algumas coisas que dizes e outras nem tanto. Mas, independentemente das discordâncias, penso que confluímos na ideia de que a esquerda não se pode pôr de fora e enveredar pelo mero discurso da inevitabilidade. A expressão "fim da história" foi usada por mim no final do debate para realçar um certo constrangimento face a uma perspectiva que se acomoda em realçar a irreversibilidade de um determinado modelo europeu que se impõe de cima para baixo.

Daniel Melo disse...

Dado o défice de debate sobre a integração europeia por cá reinante e as trocas e baldrocas dalguns partidos (que prometeram referendo e depois deram o dito por não-dito), parece-me que o mais certo seria uma vitória esmagadora da abstenção.
Por outro lado, se é assim tão segura a vitória do Sim, para quê dar o flanco e não cumprir o que se prometeu, isto é, fazer-se o referendo?
Em suma, entendo que, mais relevante do que se fazer prognósticos sobre o hipotético vencedor e seu percentual (de que serve?), seria saber se faz ou não sentido fazer-se um referendo.
O post não era sobre ideais-tipo e o meu comentário tão-pouco sobre quem ganharia ou perderia o referendo, ambos reportando-se ao défice de debate e de reflexão sobre caminhos alternativos, outras combinatórias, renovações, convergências na construção europeia. Daí eu ter aditado a referência ao referendo, que permitiria lançar o debate sobre questões importantes para a vida de todos, e fomentaria uma maior consciencialização e envolvimento políticos sobre a questão europeia, que devia ser entendida como de máxima relevância. Ou não?

Hugo Mendes disse...

"Por outro lado, se é assim tão segura a vitória do Sim, para quê dar o flanco e não cumprir o que se prometeu, isto é, fazer-se o referendo?"

Não me lembro de o PS ter prometido incondicionalmente o referendo a este Tratado. De qualquer forma, a resposta à tua pergunta parece-me simples: qualquer país que faça um referendo por "mera" escolha política (do género, cedência a pressoes de eleitorado) origina potencialmente uma bola-de-neve a nível europeu. Se o país A fez, porque não faz o pais B, C, etc. É isso que os Estados-membros querem evitar, com certeza. Uma decisão nacional aqui não é nunca só nacional.

"Daí eu ter aditado a referência ao referendo, que permitiria lançar o debate sobre questões importantes para a vida de todos, e fomentaria uma maior consciencialização e envolvimento políticos sobre a questão europeia, que devia ser entendida como de máxima relevância. Ou não?"

Não sei, acabaste de dizer que abstenção seria enorme; nesse caso, nesse cenário - que é o teu -, não consigo perceber que interesse é que as pessoas tenham pela Europa - ou se é sequer assim que se mede esse interesse e a importância da mesma.
A real relevância e a centralidade da Europa na vida das pessoas, parece-me, faz-se através do usufruto dos mecanismos e oportunidades que a UE traz aos seus cidadãos. É uma relevância prática, quotidiana, muito mais do que pode advir de um debate a que quase ninguém vai prestar atenção. Acho que a larga maioria dos portugueses é europeista convicta ou por afinidade, e votaria mesmo que não tivesse grande disponibilidade para ser esclarecida ou debater grande coisa em profundidade.

Renato Carmo disse...

Bem Hugo, afinal para que serve a democracia? Esse teu último argumento é verdadeiramente extraordinário. A cidadania europeia mede-se pela 'idiotia' vivida na rotina quotidiana. Nada mais interessa às pessoas... essa é a sua única convicção.
Enganei-me no comentário anterior, de facto, tu já encontras-te o Fim da História.

Hugo Mendes disse...

Renato, há robustez jurídica e politica suficiente (mesmo que não haja consenso absoluto) na posição de que os deputados - representantes nos parlamentos democraticamente eleitos pelos povos - podem ratificar o Tratado. Aliás, a Hungria fez isso ontem precisamente.
Ou isto não é democracia para ti? É que se não é, avisa, porque temos aqui um problema complicado do que é que tem ou não legitimidade democrática em sistemas de democracia representativa.

Por mim, se não houvesse o acordo entre países, eu dava tudo para que se fizesse o referendo: nem que fosse para calar algumas vozes. Mas imagina que o 'sim' ganhava por uma larga vantagem. Chegava para acabar esta discussao? Não, ia-se inventar outra coisa...O uso do referendo, sabes perfeitamente, está a ser instrumentalizado para ver se algum pais diz 'Não', como em 2005. É tudo menos sincero de grupos e posições e argumentos (e não estou a pessoalizar, como calculas, mas esta consideração mais geral tem que ser feita) de quem tenho a maior dúvida sobre a sua "cultura democrática". Até pelas posições históricas que tomaram e pelas reflexões sobre essa mesma história que parecem não ter feito. De repente, há quem apareça como os grandes "defensores da democracia" (como PCs e ex-PCs). Há coisas que acho, nessas metamorfoses, verdadeiramente extraordinárias. Desses, não me leves a mal, não recebo lições de democracia.

Para além do mais, o que disse do quotidiano - mas tu intepretaste como "idiota", não vou fazer comentários, nem sei se é revelador de outras coisas que tu pensas, mas se fosse eu dizê-lo diriam que era profundamente "elitista" estar a chamar "idiota" ao quotidiano do cidadão comum, quando eu estava precisamente a valorizá-lo...- foi para dizer apenas que a Europa é mais importante naquilo que traz às pessoas do que a importância atribuídas a discussões que elas, infelizmente podemos dizer, dominam pouco (aliás, o Daniel expressou essa ideia ele próprio: a abstenção seria provavelmente altissima). Isto não é um argumento contra a democracia; já disse, por mim fazia-se o referendo, não tenho uma posição de princípio absoutamente contra; é simplesmente para dizer que a Europa é muito mais do que referendos, como se estes não existissem então a Europa não valesse a pena. Para essas pessoas, o argumento do "fim da história" é uma "construção intelectual" não lhes diz nada. Por exemplo, para os milhões de Leste que acabaram de entrar, pela hipótese de se juntarem a um 'mercado único' que alguns tanto abominam, ela pode estar mesmo a começar.

abraço,
Hugo

Renato Carmo disse...

Hugo, considero-me um cidadão europeu comum e devo dizer-te que 90% do meu quotidiano não dá qualquer margem para pensar, para além dos tachos, banhos, vestir, comprar, levar, trazer, dormir... Se achas que este é o sustentáculo da UE então não há muito mais para dizer.
Penso que seria interessante que nos restantes 10% do tempo não idiota se debatesse qualquer coisa, o referendo podera muito bem ser um espaço para acordar alguma dessa letargia. O pior que pode acontecer à UE é o facto de esta se ir institucionalizando na mesma proporção em que as pessoas vão adormecendo...

Hugo Mendes disse...

"Se achas que este é o sustentáculo da UE então não há muito mais para dizer."

Há apenas a dizer que se as pessoas desvalorizam é porque não sabem o que as nossas infra-estruturas, materiais e legais, e que constituem parte do tecido quotidiano - nada idiota :), simplesmente humano - da vida das pessoas, por muito invisíveis que sejam, dependem em boa parte da UE. Pode-se desvalorizar; pessoalmente acho isso um erro, porque é precisamente essa ausência de consciência que ajuda as pessoas a acharem que a Europa é "fria" e está "longe dos cidadãos". Ela está mais próxima do que se pensa, e era bom que se tomasse mais consciencia disso. Dito isto, não tenho qualquer ilusão que a Europa parecerá sempre relativamente longínquia, fria e desinteressante a curto prazo e não acho que referendo nem nenhuma campanha de mobilização mude isso. É isso que justifica a ideia inicial: a Europa conta, com toda a probabilidade, mais invisivel e objectivamente na vida das pessoas do que qualquer discussão política sobre qualquer Tratado.

Quanto ao referendo enquanto instrumento de ratificação já disse o que penso e qual a atitude estratégica que me parece justificar a decisão da ratificação pelos parlamentos nacionais. A uma atitude instintiva, se quiseres, é de protecção do projecto europeu (eu sei que não é perfeito, mas a este nível negocial não há projectos perfeitos, as negociações e as cedências são inevitáveis), e não da sua exposição a populismos que já fizeram tremer a sua viabilidade. É um 'trade-off' que me parece justificado pagar, havendo, como há, a base jurídica para haver ratificação pelos parlamentos.
Se discordas desta atitude de precaução - e é legítimo fazê-lo -, que é também de responsabilidade histórica para impedir que o projecto fique pelo caminho, eu também discordo da atitude de oportunismo que sustenta a adesão de muitos ao referendo, apenas para terem mais uma oportunidade para se oporem pela milionésima vez ao projecto europeu, porque muitos desses são os mesmos que desde o início nunca se identificaram com ele e sempre o denegriram (a conversa de sermos os "vassalos dos grandes", etc. à la Jerónimo; está-se mesmo a ver que era a Alemanha e a França que deviam ser os vassalos dos países pequenos...; e estou mesmo a ver: se há referendo e ganha o 'Sim' com menos de 50% de participação, depois já virão dizer que é preciso outro, porque não se atingiu o nível de participação mínima, etc. :)).
Os referendos servem a maior parte das vezes para a classe política não ter que assumir a coragem das decisões, entregando-a ao eleitorado (vide o caso do aborto); neste caso, passa-se o inverso. A Europa precisa urgentemente que passemos esta fase para que as regras do jogo fiquem definitivamente adaptadas aos 27 países. Se queremos que um contra-poder aos EUA e aos projectos de globalização neo-liberal, é simples: precisamos de uma Europa que funcione.

abraço
Hugo