sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Promessas leva-as o vento (II)

Este post é em resposta ao Hugo Mendes, que deixou um comentário ali em baixo no post do Daniel em relação à promessa não cumprida, por Sócrates, de referendar o novo tratado da União. O comentário do Hugo usa muitos dos argumentos de quem defende a posição de Sócrates, e por isso merece uma resposta.

É que esta é a teoria do "eu faço o que me apetece e os outros que se lixem"! Isto não é base para construção europeia nenhuma (aliás, para construção colectiva nenhuma, mesmo entre duas pessoas, quanto mais entre 27 países; so much for solidarity!).

Isto é uma visão no mínimo muito redutora do que deve ser a solidariedade entre estados membros, para não dizer levemente demagógica. A solidariedade não quer dizer que TODOS concordem sempre com TUDO aquilo que TODOS os outros dizem, isso seria ou a paralisia ou a ditadura dos mais fortes (o que na prática vai acontecendo). Há áreas em que tem que haver solideriedade - as decisões que emanam das instituições europeias e a que todos os estados membros estão formalmente vinculados - como há, ou deveria haver domínios que são da exclusiva responsabilidade de cada um, como são as políticas internas. Saber como é que cada país vai ratificar o tratado é do domínio interno. Há um país em que a Constituição obriga a fazer um referendo, há países em que o compromisso eleitoral foi o de NÃO fazer referendo (foi o caso de Sarkozy em França) e há países em que o compromisso eleitoral foi o de FAZER um referendo (Sócrates). Cada um está vinculado aos seus compromissos. Não percebo porque razão o referendo na Irlanda não "entala" ninguém, e o português "entala" toda a gente. Para o caso, ser a constituição ou um compromisso eleitoral que o obrigue não faz diferença. A decisão de um governo fazer um referendo não vincula os outros governos dos outros países. Se nos outros países a opinião pública exigir o referendo, então é porque ele deveria provavelmente ser feito. Mas por exemplo em França, independetemente do que aconteça em Portugal, Sarkozy tem toda a legitimidade para não fazer referendo nenhum. Com todas as incoerência que se lhe possam apontar, disse claramente durante a campanha que não faria referendo e ganhou as eleições.

Mais vale assumir que não queremos Europa, porque assim - sem solidariedade, cooperação e negociação - não vamos lá.
Novamente levemente demagógico. Isto não é o princípio do terceiro excluido. Porque que raio é que tem que ser esta Europa ou nada? Não há outras maneiras possíveis de ser contruir a União Europeia? Sei lá..., que tal uma construção europeia mais democrática, mais transparente e mais próxima dos cidadãos?

A Europa sempre avançou até aqui, e é o que é, sem recurso a referendos a nível nacional. Esta é a resposta à tua pergunta do 'longo prazo' e 'estabilidade': já lá vão 50 anos.
A Europa avançou até aqui, e é o que é, com recurso permanente a guerras e conflitos: e já lá vão 3000 anos. Claro que este argumento é absurdo (o meu) por uma simples razão: as coisas mudam, a Europa evoluiu. A construção europeia começou como uma organizão de meia-dúzia de países com objectivos meramente comerciais. Chamou-se durante muito tempo Comunidade ECONÓMICA Europeia. Hoje são 27 países e tem por objectivo uma união política, muito para além da economia (daí a necessidade de um tratado constitucuinal). E mais, talvez também a consciência política na Europa tenha evoluido, e os cidadão exijam ser cinsultados para matérias que não exigiam há 50 anos atrás, isso chega para fazer hoje um referendo que não teria sido feito noutra época.

Desculpa lá colocar as coisas assim, mas há argumentos que só mesmo a irresponsabilidade política consegue explicar.
Irresponsabilidade política na minha opinião é: 1) não manter os compromissos eleitorais assumidos, 2) construir a Europa no secretismo dos gabinetes e bastidores, nas costas dos cidadãos, a curto, médio e longo prazo vai gerar desconfiança e antipatia dos cidadão relativamente ao próprio projecto europeu, depois queixem-se que perdem referendos.
Eu acho muito bem que em política se use realismo e pragmatismo, conquanto se respeitem os princípios.

E não acredito que este seja o único tratado possível, que foram negociações complicadas e que era impossível outro compromisso. Este é simplesmente o tratado que os actuais governos europeus quiseram. Há outras maneiras mais democráticas de se fazer um tratado, por exemplo uma assembleia constituinte com conselheiros eleitos especificamente para redigir o tratado. Teria legitimidade democrática logo à partida. E faria um tratado simplificado baseado apenas no denominador comum, porque há uma série de princípios consensuais com base nos quais se pode chegar a um acordo, e aposto que passaria em qualquer referendo.

4 comments:

Renato Carmo disse...

Excelente post, estava a pensar escrever alguma coisa sobre o assunto mas poupaste-me o esforço: revejo-me completamente nas ideias que apresentas.

Anónimo disse...

Acredito que se Sócrates fizesse o referendo ao Tratado o sim ganhava.É claro que este tratado não é o único compromisso possível,mas tambem nada me diz que seja o último que se realiza.Penso que a questão do referendo não se realizar foi causada pela preocupação bem expressa pelo PR desde sempre e até á vespera do debate no Parlamento.É claro que muitos de nós gostavamos que houvesse um debate maior na sociedade portuguesa acerca dos Tratados e acerca da UE.Peço contudo desculpa de vos desiludir,não é por quebrar esta promessa que uma grande maioria dos portugueses vai pedir contas ao PM,já pela quebras de várias outras promessas ele não se vai safar tão bem

Zèd disse...

Ah, e esqueci-me de mencionar um pormenor no post: não é verdade que a Europa tenha chegado até aqui sem referendos. Ouve vários referendos, nomeadamente ao tratado de Maastrich, em vários países, como a Dinamarca que inclusivamente o recusou à primeira e apenas ractificou após um segundo referendo. Na altura o facto de alguns países dos (então) 15 terem feito referendos não "entalou" os outros.

Daniel Melo disse...

Também concordo inteiramente contigo, Zéd.
Quanto aos referendos, Portugal é capaz de ser um dos poucos países pré-última adesão que ainda não fez um único referendo quanto à CEE/UE.
Salvo erro, a Espanha foi o país que fez o último referendo, em 2006 ou 2007.