quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Promessas leva-as o vento

6 comments:

Hugo Mendes disse...
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Hugo Mendes disse...

Caro Daniel, sejamos honestos, há aqui um problema de lealdade: o Governo está entre uma promessa feita (passo neste momento a questão sobre o que versava a promessa, se era sobre o tratado Y ou o tratado Z) aos cidadãos portugueses e a viabilidade/estabilidade do projecto europeu. Não vale a pena varrer o problema para debaixo do tapete. Agora, dito isto, eu pergunto: será que os primeiros não são sensíveis a isso? Ou a vontade é mesmo arranjar problemas à União Europeia a qualquer custo, sabendo que um referendo em Portugal (logo um dos principais responsáveis pelo acordo obtido...) ia entalar vários líderes europeus (que é a minha humilde hipótese), e colocar em sérias dificuldades o projecto europeu, que dificilmente recuperaria de um embate provocado por mais retrocessos?
Todos sabemos que em Portugal ganhava o "sim" (concorreria talvez apenas com a abstenção); internamente, Sócrates teria toda a vantagem de ganhar este referendo (quando mais não fosse para calar umas quantas vozes). Para quê forçar uma coisa destas? Só posso concluir que as pessoas não parecem ter a noção do que está em jogo. É por isso que Sócrates evoca a muito Weberiana "ética da responsabilidade".
Eu acho que se impõe um bocadinho de responsabilidade internacional, por parte dos políticos - por alguma razão há um consenso por todos aqueles que sabem o que é (ou esperam um dia saber, como LFMenezes) exercer o poder (Sócrates, Cavaco); e mesmo por parte dos cidadãos, em particular dos melhor compreendem estes mecanismos complexos das negociações internacionais - e a forma como isso choca inevitavelmente com questões do foro da política interna. Isso é saber estar à altura dos desafios da política actual, parece-me.

Sobre esta questão, vale a pena ler isto, pela lucidez: http://badabingblog.org/nicholas-edward/matematica-simples/

abraço,
Hugo

Zèd disse...

Hugo,
Não concordo nada com esse argumento. Não há melhor garantia de viabilidade e estabilidade do projecto europeu do que uma constução europeia democrática e transparente. Além do mais o Sócrates não é responsável (ou não devia ser) pelos problemas internos dos outros. Os outros que assumam as suas responsabilidades, e façam de forma a que o tratado passe em referendos se as respectivas opiniões públicas entenderem que deve haver referendo. Não compro essa dos "entalados". Afinal os dirigentes europeus não aprenderam nada com o falhanço do Tratado Constitucional, em vez de alterarem o tratado de modo a que possa ser consesualmente aceite em referendos em cada país fazem um tratado igual e descartam-se de perguntar aos eleitores o que eles pensam. Cada vez mais a construção europeia se faz longe dos cidadãos, apesar dos cidadãos, com medo dos cidadãos, quase que diria contra os cidadãos. Achas que a longo prazo isto é uma garantia de viabilidade e estabilidade da construção europeia? A mim parece-me o suicídio.

Hugo Mendes disse...

"Os outros que assumam as suas responsabilidades"

Zèd, agora a sério, tu acreditas mesmo nisto? É que esta é a teoria do "eu faço o que me apetece e os outros que se lixem"! Isto não é base para construção europeia nenhuma (aliás, para construção colectiva nenhuma, mesmo entre duas pessoas, quanto mais entre 27 países; so much for solidarity!). Então mas fazia algum sentido negociar um tratado dificilimo para agora tomar essa atitude? Não me parece que as pessoas possam acreditar nisso. E essa dos "entalados", acredites ou não, também me parece óbvia (até vem em vários jornais, pelas mais diversas vozes...). Mas pronto.
Mais vale assumir que não queremos Europa, porque assim - sem solidariedade, cooperação e negociação - não vamos lá. Isto parece-me bastante elementar. Não há acção colectiva que sobreviva assim.

A Europa sempre avançou até aqui, e é o que é, sem recurso a referendos a nível nacional. Esta é a resposta à tua pergunta do 'longo prazo' e 'estabilidade': já lá vão 50 anos. Se o teu argumento dos referendos funcionasse desde o início, é provável que hoje não existisse nada. É um 'trade-off' que convém não esquecer entre eficácia negocial e alargamento nacional e democracia interna. Há que enfrentá-lo.
Mas não deixo de notar a atitude de muitos que não estão muito preocupados com que este Tratado caisse, fosse de que forma fosse. E depois diriam que Europa é "fraca", e está em "crise", não tem "rumo", etc. Pudera, com irresponsabilidade a este nível, não há projecto que se aguente, efectivamente.
Desculpa lá colocar as coisas assim, mas há argumentos que só mesmo a irresponsabilidade política consegue explicar.

abraço,
Hugo

Anónimo disse...

Não é por o vento levar esta promessa que Sócrates vai descer nas sondagens.Se tomarmos atenção as conversas do cidadão comum verificamos que isso de UE é um sitio de onde vem dinheiro e pouco mais.Já as outras que o tempo tem levado talvez fiquem um bocado mais caras ao primeiro ministro

Daniel Melo disse...

Depois do debate, eis as questões essenciais que persistem no ar, qual penugem rebelde:

1) o PS inscreveu no programa eleitoral que o indispensável reforço da legitimidade democrática na construção europeia passava por um referendo popular (vd. 1.ª citação no post).
Sabendo de antemão da prevalência duma certa dificuldade europeia em lidar com os resultados de certos referendos noutros países e a tradição de não consulta popular no país, mesmo assim o PS resolveu inscrever aquela promessa e sua argumentação legitimadora no respectivo programa eleitoral, e de modo bem claro e inequívoco. Fê-lo assim porquê? Por mero eleitoralismo? Por ter sido tomado por irresponsabilidade política? Para ver onde paravam as modas?

2) se era tão óbvia a ‘obrigação’ de acatar ao mais alto nível a não autorização de referendos nacionais sobre o Tratado de Lisboa, esboçado no Verão passado, então porque é que o nosso PM andou meio ano a enrolar a coisa?

3) não é verdade que foi o próprio PM que abriu um momento de indecisão pós-assinatura do Tratado (em politiquês, um “momento de reflexão”), dizendo que a decisão ainda não estava tomada?

4) não é verdade que foi ventilado para os media que o PM até queria cumprir a promessa mas que foram altas pressões de dirigentes doutros países que o ‘obrigaram’ a recuar?

5) por fim, se a vitória do sim no referendo seria tão segura, porquê evitá-lo? Porque noutros países podiam votar contra? E daí, não faz parte do jogo democrático? É ou não é verdade que, levando à letra tal argumentação, nunca mais se fariam referendos?