quarta-feira, 2 de julho de 2008

Sarkozy vintage

O presidente francês Nicolas Sarkozy, continua em grande forma, não deixando os seus créditos por mãos alheias. A semana passada anunciou a sua reforma da televisão que determina que as estações públicas de televisão devem estar sobre o controlo do governo (i.e. ele próprio), medida que suscita críticas de todo o lado, incluindo do próprio campo de Sarkozy. Poucos dias depois vai a uma dessas cadeias públicas de televisão, a France 3, para uma entrevista. O Rue89 pôs on-line um vídeo dos 6 minutos que antecedem a entrada de Sarkozy no ar (sim, é suposto ser em 'off'). Para começar um técnico de som não responde ao cumprimento de Sarkozy - o que começa a tornar-se numa tradição francesa - Sarkozy passa da justificada indignação "Quando somos convidados temos o direito a que nos dêem os Bons Dias" à impaciência - revelando au passage o seu desprezo pelos funcionários públicos - "Isto não é o serviço público" (leia-se Sarkozy acha que no serviço público os funcionários são mal-educados) e continua "parece que estamos no meio dos manifestantes" (donde se depreende que manifestar também é falta de educação), e passa depois à ameaça mais ou menos velada "Isto vai mudar! Isto vai mudar!", parece que a ameaça é dirigida tanto ao técnico de som pouco educado como aos manifestantes. Mas isto foi só o aperitivo. Sarkozy tinha em estúdio dois jornalistas figurando entre os signatários de uma artigo de opinião muito crítico da reforma da televisão, um desses jornalistas, Gérard Leclerc, esteve dois anos na prateleira. Sarkozy achou de bom tom mencionar o assunto poucos minutos antes de entrar no ar, com o delicioso pormenor de tratar o jornalista por 'tu', primeiro uma irónica saudação "É um prazer ver o Sr. Gérard Leclerc por aqui" para logo de seguida lançar um seco "Tu, quanto tempo é que tiveste na prateleira?". Pergunta inocente só para fazer conversa de circunstância ou táctica de intimidação do jornalista? A vous de voir. Segue-se um desconfortável e longo silêncio. Mesmo antes de entrar no ar Sarkozy sugere ao director de informação da France 3, Paul Nahon que lhe sejam feitas perguntas sobre um tema da actualidade, o drama de Carcassone (um sargento do exército numa demonstração militar aberta ao público feriu 17 pessoas, e Sarkozy havia visitado os feridos nesse mesmo dia). Manifestamente dava-lhe jeito falar do assunto, e o director de informação aquiesceu sem grandes hesitações. O entrevistado pode dizer ao entrevistador como fazer o seu trabalho. Será que a intimidação funciona?


Curiosamente a coisa não fica por aqui. Agora é a France 3 (televisão pública, relembre-se, controlada pelo estado) quem ameaça o Rue89 (orgão de informação independente) com um processo judicial por divulgar as imagens que deviam ser em "off". Esta é nova, um orgão de informação que processa outro orgão de informação para tentar obter as suas fontes, e impedir a divulgação da notícia. Obviamente que a publicação do vídeo pelo Rue89 já foi bastante criticada, ao que o próprio Rue89 já respondeu (e, a meu ver, bem).

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