sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Negócios da China

Começaram os jogos olímpicos. Aqui chegados, já se percebeu que é verdade aquilo que muitos temiam e diziam: a concessão dos jogos à China foi um contrato leonino para dois, o Comité Olímpico e o regime chinês. Havia promessas de melhoria da situação dos direitos humanos, mas ninguém em lado nenhum com poder e vontade de levantar um dedo para exigir da China que os cumprisse. É por este tipo de omissões que ninguém acredita nas palavras que os políticos "do sistema" dizem. É moeda sem valor, a que ninguém dá crédito. Para que não me caia esta imoralidade para o lado do cinismo, o meu lado mais imoderado queria deixar aqui umas afirmações:

1. em relação à cerimónia de abertura, a única dirigente europeia que mostrou "cojones" foi a Merkel, ao deixar claro desde Março que não comparecia. O Sarkozinho foi o fanfarrão do costume — deixou pairar durante uns meses a possibilidade de não ir a Pequim e depois lá foi, cedendo em tudo. Pariu um ratinho.

2. o senhor Rogge, do Comité Olímpico Internacional, é tão vendido aos interesses que rodeiam os jogos que dá pena. A sua mensagem ética é clara: "atletas, estejam vocês à altura do espírito olímpico, porque nós...".

3. A ideologia que rodeia os jogos - "One world, one dream", harmonia entre os povos, etc - é um achado de propaganda para encher de aromas de harmonia o mundo exterior e esconder a desarmonia do mundo interior na sociedade chinesa.

(Mas será que funciona? Para isso é preciso esperar pelo fim dos jogos e perceber se a imagem da China no mundo vai sair realmente ilesa da contestação global)

4. É especialmente difícil ser jornalista desportivo e ter um mínimo de consciência moral nestas circunstâncias. Em geral os jornalistas desportivos são totalmente cegos em relação ao usos políticos do desporto, mas neste caso parece impossível conseguir escapar à questão. A não ser talvez usando a denegação, como fizeram hoje os jornalistas franceses do Eurosport. O que eles diziam hoje durante a cerimónia de abertura era mais ou menos isto: "agora chega de nos chatearem com questões de ética. Vamos aos jogos!". É um novo conceito de Trégua Olímpica. Em vez de ser, como na Antiguidade, um momento de interrupção de hostilidades entre sociedades guerreiras, passa a ser um momento de amnésia da má-consciência.

5. No 5 Dias, Paulo Pinto escreve sobre o etnocentrismo do olhar ocidental sobre a China e de como estes jogos são uma espécie de resposta da China a esse olhar.

(Seriam assim uma espécie de "vingança do chinês", um "negócio da China", expressões etnocêntricas da língua portuguesa que ganham aqui um novo sentido.)

6. Quando se está de fora, qual é a melhor forma de lutar contra o autoritarismo de um regime que tem uma parte do povo do seu lado? As questões éticas que a luta contra o uso político dos jogos olímpicos colocam são complicadas, como o prova a apropriação do argumento do relativismo cultural — "vocês não nos compreendem" — pelos media chineses.

(comecei imoderado e acabei intelectualizado — hábitos...)

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