sábado, 13 de setembro de 2008

Honrar os mortos: Garzón intercede pelas vítimas do franquismo

No dia 1 deste mês, a Espanha acordou diferente. Com uma iniciativa simples e justa, o super-juíz Baltasar Garzón virou uma página da história recente espanhola que teimava em não passar.
Aceitou as denúncias que 13 asociaciações cívicas espanholas para a recuperação da memória histórica haviam interposto em nome dos desaparecidos e fuzilados pelo franquismo, e solicitou junto de vários autoridades dados para confirmar da justeza daquelas denúncias e para elaborar um censo dos c.90 mil fuzilados, desaparecidos e enterrados em fossas comuns desde o golpe de Estado de 17/VII/1936. Deu assim sequência ao consigado na novel Lei da Memória Histórica, lei essa apoiada pela Amnistia Internacional.
Agora, essas associações estão a reunir toda a documentação possível para identificar e localizar esses desaparecidos, uma grande parte dos quais foram colocados em fossas comuns, sem direito a funeral nem a ritos de qualquer tipo. O testemunho dum dos seus dirigentes, Anxo Rodríguez (pres. da Asociación da Memoria Histórica de Ponteareas, Galiza), pode ser televisionado aqui.
A direita reagiu novamente mal, agitando que isso iria abrir feridas, mas as feridas, essas, estão abertas desde a Guerra Civil espanhola, para os familiares desses represaliados que nunca puderam fazer o luto condigno dos seus entes queridos, ao invés de muitos dos insurrectos franquistas que tiveram direito a placas comemorativas e a funeral. Nem que nunca viram reconhecido pelo Estado (e a sociedade) a injustiça desses horrores, o que cessará agora, com o regulamento do reconhecimento e reparação das vítimas da Guerra Civil e da posterior repressão franquista. Como muito bem disse o presidente Zapatero: "No puedo entender que eso sea abrir una herida, cuando se trata de cerrar una de las pocas que quedan".
Pior, a Igreja católica local negou a Garzón o acceso aos libros de defuntos das c. 23 mil paróquias do país, o que obrigou Zapatero a vir a terreiro denunciar a hipocrisia dos que assim insensivelmente recusavam um simples gesto de humanidade e compaixão: "No entiendo la hipocresía de aquellos que dicen que divide a un país que las personas mayores puedan saber donde están sus seres queridos. Como presidente y como patriota no puedo entender que se pueda negar el derecho a reconocer a sus seres familiares muertos en circunstancias trágicas".
Também o historiador Ángel Viñas escreveu um excelente artigo sobre o assunto, em que defende que a direita espanhola (a política e a judicial) enferma do medo do conhecimento histórico. E advoga que se deve abrir esse passado recente ao escrutínio público, por 3 razões principais: 1) por já existirem condições materiais precisas para poder abordar cientificamente, desapasionadamente, esse período; 2) evitar cair no ridículo como país, como Estado, como colectividade, como espanhóis, pois todas as sociedades devem fazer um exame público do passado; 3) dever de honrar os muertos. Como bem aponta Viñas: "El deseo de querer cerrar las puertas al conocimiento es pueril. No lo ha logrado ninguna sociedad".
A fechar, destaco o recente documentário sobre o campo de concentração franquista de Camposancos, na Galiza, que ficava defronte da portuguesa vila de Caminha. Chama-se Memorial de Camposancos, e é um impressivo marco sobre o que foi este horror tanto tempo defendido e, depois, silenciado. Na Galiza, a sua Junta autonómica tem já preparado esta lista dos desaparecidos na região, para a qual colaborou um dos ilustres Peões, o meu homónimo Lanero Táboas. Na imagem, fossa comum de vítimas da violência franquista em Burgos.
PS: Garzón é co-autor dum recente livro sobre a repressão argentina, apresentado por Ángel Viñas.

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