quarta-feira, 10 de setembro de 2008

A toponímia do nosso (pós-)colonialismo

África está muito presente na toponímia das cidades de Portugal. Mas não é uma África qualquer; é a África colonial portuguesa. Em Lisboa, o bairro das Colónias, aos Anjos, e os Olivais Sul, são exemplos disso. O primeiro é da década de 1930, época áurea da afirmação do Império e da mística imperial, e o segundo de meados dos anos 60, em plena guerra colonial. Neste último bairro os arruamentos receberam nomes de cidades e vilas das então colónias portuguesas.
Na acta da reunião da Comissão Municipal de Toponímia da CML, de 29 de Novembro de 1963, pode ler-se que o presidente da autarquia solicitara "o parecer da Comissão acerca da oportunidade de se homenagear Angola através da denominação dos nomes das suas cidades, na toponímia de Lisboa; quais os novos arruamentos a que esses nomes poderiam ser atribuídos e, bem assim, se nessa homenagem se poderiam compreender as cidades de outras províncias ultramarinas. A Comissão, tendo em vista que a zona dos Olivais-Norte tem sido reservada para homenagear os nomes de militares mortos ao serviço da Pátria, é de parecer que a zona dos Olivais-Sul é o melhor local para a atribuição dos nomes de cidades ultramarinas." (vd. Toponíma de Lisboa no site da CML).
No caminho para a Praia do Rei, costumo passar por dentro de um bairro de génese clandestina, na Charneca da Caparica (freguesia do concelho de Almada). Aí deparei-me com uma placa que me intrigou, não propriamente pelo topónimo "Rua Cidade da Beira", mas pela caracterização que vem em baixo: "Cidade e Porto da África oriental Portuguesa".
Quis saber quando tinha sido atribuído aquele topónimo. Da Câmara Municipal de Almada informaram-me que a deliberação camarária é de 21 de Janeiro de 1998, embora a designação já existisse informalmente, dada pelos moradores daquele local.
No final dos anos 90, a Câmara Municipal de Almada inscreveu numa placa "Cidade da Beira / Cidade e Porto da África oriental Portuguesa", quando passavam mais de duas décadas sobre a independência de Moçambique. Deliberadamente atribuiu àquela rua o nome de uma cidade que já não existia, a cidade colonial. É anacrónico e é também uma marca da nossa condição pós-colonial e da nossa relação com a história. À força de exaltarmos «o nosso passado glorioso», sempre associado à expansão marítima, aos descobrimentos e ao império colonial, esquecemos ou apagamos a história dos outros; uma história que não deixa de ser também nossa mas, infelizmente, continuamos a renegar.

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