terça-feira, 14 de outubro de 2008

Um Nobel para os vírus transmitidos sexualmente, e outro para as proteínas fluorescentes

Como todos os anos o princípio de Outubro é a época dos Nobel. Os Nobel da Medicina e da Química deste ano merecem um comentário especial. O prémio da Medicina e Fisiologia foi mesmo para descobertas mais relevantes para a Medicina, do que para a Fisiologia/Biologia (fenómeno cada vez mais raro). Harald zur Hausen ganhou metade do prémio por ter descoberto que o Câncro do Colo do Útero é causado por um vírus. A ideia de que um câncro poderia ser causado por vírus era, à época, completamente contra todos os dogmas. Hoje existem vacinas contra este tipo de câncro, um dos que mais afecta as mulheres. Um Nobel bem merecido portanto. A outra metade do prémio foi partilhada por Luc Montagnier e Françoise Barré-Sinoussi por terem descoberto o vírus causador SIDA. Para além de ter sido, obviamente, uma descoberta fundamental para a compreensão da SIDA é também o resultado de uma das mais azedas competições na história recente da Ciência. O americano Robert Gallo descobriu também, de forma independente de Montagnier (consoante as versões) o mesmo vírus. Para os detractores de Gallo era literalmente o mesmo vírus. Gallo foi acusado de o isolar a partir de uma amostra produzida por Montagnier (ou seja, uma espécie de roubo). A contenda só foi resolvida com a intervenção dos presidentes americano e francês à época, Regan e Mitterand. E o vírus foi então baptizado HIV (Montagnier e Gallo tinham dado cada um um nome diferente). A não a atribuição do Nobel a Robert Gallo diz bem da opinião do comité Nobel, e seguramente da maioria da comunidade científica, sobre quem realmente descobriu o vírus da SIDA.

Já o prémio Nobel da Química deste ano foi para uma descoberta de uma enorme importância para a Biologia. Não é a primeira vez que o Nobel da Química vai para descobertas na área da Biologia, e faz sentido porque há determinadas descobertas que tanto podem ser consideradas como Biologia ou Bioquímica. Neste caso foi a proteína verde fluorescente (GFP - Green Fluorescente Protein), que é uma ferramenta utilizada quotidianamente por milhares de investigadores em Biologia, mas o seu estudo e desenvolvimento é essencialmente Bioquímico. A GFP permite por exemplo ver ao microscópio como um determinado componente da célula se comporta, mantendo essa célula viva. Há outras utilizações, mas esta é de longe a mais frequente. A escolha dos três galardoados é bastante interessante, e pedagógica, pelas diferentes contribuições de cada um deles. Osamu Shimomura recebeu o prémio por ter sido o primeiro investigador a isolar a GFP. Reparou que a medusa Aequorea victoria era fluorescente em determinadas circunstâncias, e percebeu que identificar o componente fluorescente podia ser interessante. Roger Y. Tsien recebeu o prémio pelo seu trabalho sobre a compreensão da "mecânica" própria GFP, como é que esta proteína fluoresce. Esse trabalho permitiu desenvolver, por engenharia genética, outras variantes da GFP. Finalmente Martin Chalfie recebe o prémio por ter desenvolvido ferramentas com utilidade prática na investigação utilizando a GFP. Chalfie, trabalhando com o nemátode C. elegans, criou bichos que expressam GFP, em especial nos neurónios, porque é o seu tema de investigação (ver aqui). Foi graças a esses trabalhos que filmes como este aqui em baixo se tornaram possíveis. Pode ver-se (para quem tiver um computador que suporte o Quick Time) a primeira divisão celular do embrião de C. elegans. O filme começa com a fertilização, vê-se os cromossomas maternos e paternos juntarem-se, e formarem um só núcleo. Depois dá-se a divisão propriamente dita, em que os cromossomas são repartidos igualmente pelas duas novas células que se formam. Vê-se também o fuso que divide os cromossomas entre as células. Tanto os cromossomas como o fuso são visíveis graças à GFP. O vídeo foi realizado no laboratório de Iain Mattaj



P.S. - Não percebo muito de Economia, mas parece que o Nobel foi atribuído a um confesso neo-Keynesiano. Essa também tem graça.

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