domingo, 5 de abril de 2009

Obama e seu telhado de vidro

Para quem tem telhado de vidro é bom ter muita cutela antes de jogar pedras no telhado alheio. E este é ocaso de Obama. Creio que o presidente norte-americano tenha se precipitado ao declarar que a adesão de Ancara seria “um sinal importante” dado pela UE ao mundo muçulmano e “uma garantia de que Turquia continua firmemente ancorada na Europa”. Como também o levantamento do bloqueio contra Havana seria um importante sinal dado ao mundo e uma garantia de que a política externa norte-america deixou de ser anacrônica e hipócrita. Sou plenamente favorável à inclusão da Turquia na UE, como também defendo o fim do embargo irracional imposto à ilha da dinastia Castro pelos EUA. Aliás, o embargo dos Estados Unidos contra Cuba já é condenado pela maioria dos países membros da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas. Entretanto, continua a ser imposto, apesar das reiteradas Resoluções contrárias, pela vontade isolada e inflexível do governo norte-americano. Que moral tem Obama pra falar de inclusão ou exclusão?

11 comments:

Daniel Melo disse...

Bem visto, Manolo.
O drama é que os EUA vêem o embargo anti-Cuba como uma questão petrificada, irreversível. Há algo de obsessivo e irracional nesse domínio.
E, quanto à Turquia, é lamentável que um só país possa inviabilizar a adesão doutro país tão estratégico para a União Europeia e a paz entre religiões e blocos no mundo.

João disse...

E o que os turcos fizeram ao Chipre? Esquecemo-nos a bem da paz no mundo?
Acho Sarkozy um imbecil, mas desta vez concordo com ele.

Sappo disse...

Daniel, é como diz a velha máxima: em casa de ferreiro, espeto de pau. Há tempos que os EUA vêm pressionando a UE. Bush também deu as suas alfinetas nesse sentido. A Turquia além de ter um poder bélico respeitável seria o maior aliado dos norte-americanos na região. O namoro entre Europa e EUA será sempre de desconfiança mútua. Nunca haverá de fato um casamento. E a Turquia é o cônjuge perfeito para as pretensões geopolíticas norte-americanas, afinal faz fronteira com Iran, Iraque e Síria.

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João, não tenho dúvidas de que a disputa territorial envolvendo o Chipre e a Turquia será resolvida diplomaticamente, mesmo porque as duas partes já estão a negociar uma solução pacífica para o impasse, o que já permitiu uma maior flexibilidade de Angela Merkel, antes opositora visceral à adesão. Quanto a Sarkozy, não concordo um centímetro sequer com o que disse. Suas críticas a Obama foram primárias e inadequadas a um chefe de Estado da França, um dos países mais poderosos do mundo. Na verdade, ele procurou esconder a sua real intenção: a intolerância religiosa, o que é incompatível com uma Europa moderna e democrática. Caso os turcos atendam os requisitos fixados, não vejo qualquer impedimento à adesão.

João disse...

Caro Manolo,

Não me referia nem me vou referir às motivações de Sarkozy. Com essas, discordo com certeza.
Falo da vergonha que é aquilo que a Turquia fez no Chipre. Mesmo que Ancara reconheça o Chipre, que até já é membro da UE, como nação, tenho a certeza de que não se irá retirar da ilha que ocupou há mais de duas décadas e onde existe até hoje uma capital dividida.
Sendo assim, serei sempre contra a adesão da Turquia, não por uma questão religiosa, mas por uma questão de humanismo. E concordarei com todos os que tiverem esta opinião, independentemente das motivações. Digamos que prefiro o desumanismo Sarkozy ao desumanismo turco.

Sappo disse...

João, a situação do Chipre é bem complicada e tem de passar por negociações políticas exaustivas até que se contemple um acordo aceito pelas partes. Depois de alguns anos sem qualquer negociação, o processo de paz entre os dois países foi retomado, com a chegada ao poder de moderados. De um lado, o turco-cipriota Mehmet Talat, do outro, o presidente do Chipre, o comunista Cristophias. Apesar de um início positivo, o diálogo emperrou com algumas divergências. Os grego-cipriotas querem um país unificado, sem ser uma confederação de 2 Estados e exigem ainda a devolução de algumas propriedades. Já os turco-cipriotas querem uma federação com governos rotativos (plano proposto pela ONU e defendido por EUA e UE), pois, para eles, um país unificado acabaria controlado pelos gregos (majoritários). O que é lógico. E também entendem que será difícil devolver qualquer propriedade, pois novos donos estão em algumas delas há mais de 30 anos. Como se vê, os dois lados têm divergência, mas a abertura de negociação por si só já é um grande avanço e mostra boa vontade das partes. Por outro lado, a adesão à UE é um dos fatores que poderão levar ao relaxamento nas divergências A Turquia tem grande interesse de fazer parte da Europa unificada, condição que a levará com certeza a abrandar as suas exigências, mesmo porque a integração beneficiaria a todos.

jrd disse...

Com o devido respeito, penso que dizer que Cuba é o telhado de vidro de Obama será um pouco excessivo. Cuba é um dos (muitos) telhados de vidro dos USA. A ignomínia do bloqueio é tão antiga quanto o próprio bloqueio e Obama só é presidente há três meses.
Atrevo-me a pensar que o próprio Fidel terá previsto que uma nova página se poderia abrir e certamente que entende ser necessário dar algum tempo e espaço de manobra ao novo presidente.

http://bonstemposhein-jrd.blogspot.com/2008/11/retirada-estratgica.html

Relativamente à Turquia e independentemente de se apoiar a sua inclusão na EU deve-se ponderar bem nas consequências que daí adviriam com, por exemplo, a consequente “importação” da questão dos Curdos.

Sappo disse...

jrd, quando o gajo não quer fazer sexo até o pênis atrapalha. Guardadas as devidas proporções, a questão curda também deverá passar por solução negociada. Quanto à “importação” de conflitos nacionais, a UE já fez isso no passado ao admitir, por exemplo, a adesão da Irlanda vs IRA e a Espanha vs ETA. Aliás, o atual presidente da Turquia ( que me parece também um moderado) já abriu negociação com o governo regional curdo do norte do Iraque. Vamos aguardar no que resultará tais encontros. Eu particularmente estou bem otimista.

Quanto ao embargo à ilha cubana, Obama deixou bem claro a sua posição, seja nas primárias dos democratas, seja nas presidenciais. Não arredará pé enquanto Havana não mudar o atual governo. Ou seja, manterá a velha política norte-americana, que está a ser condenada tanto pela UE como por todos os países da América Latina. Por isso não vejo nenhum exagero em meu post.

jrd disse...

Nunca sobrestimei o Obama mas fiquei agradado com a sua eleição, não sou adepto do quanto pior melhor, por isso dou-lhe o benefício da dúvida.
Ele não está sozinho no governo e o Lobby anti-Cuba é fortíssimo, mesmo no partido democrata, havia que ganhar as eleições.
Vamos dar-lhe mais algum tempo. Aliás, só agora é que Fidel “falou” abertamente no fim do bloqueio.
Quando e se tiver tempo e paciência, passe pelo arquivo de Novembro do bth e poderá ver a minha leitura sobre Obama. Vale o que vale.
Salvo melhor opinião não se pode comparar a Irlanda do IRA e a Espanha da ETA com a Turquia. O problema Curdo é muito mais vasto e envolve muitos países da região.

João disse...

Metade de Chipre ainda está ocupado pelos turcos. Qualquer solução negociada, para os turcos aceitarem, passará por uma legitimação dessa ocupação. E isso não me agrada.

Ponto.

Não consigo pensar mais longe que isto, talvez por tacanhice ou falta de inteligência; nunca por ressabiamento.

Sappo disse...

jrd, quando comparei a questão curda com Espanha e Irlanda, referia-me à questão puramente política. O PKK (grupo nacionalista armado) se aproxima muito do ETA e do IRA nesse sentido, pois também tem um projeto nacionalista claro e viável. É inegável a desproporção entre eles. Não pelos seus objetivos e sim pelo distinto processo histórico, posição geográfica e realidade. Os curdos, que somam mais de 20 milhões (muitos deles refugiados de guerras e perseguições), formam hoje a maior etnia sem Estado. Assim, resolver definitivamente essa questão é tão importante quanto à criação do Estado palestino. Devido a sua complexidade, como bem você disse, será necessário o envolvimento não só da Turquia, mas também da UE, da ONU e dos países implicados diretamente.

Quanto a Obama, creio que temos mais convergências que divergências. E por fim, agradeço ao seu convite e logo mais dou uma caminhada até lá.

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Não, João. Uma solução negociada passa também pela retirada total das tropas turcas.

Correção: a ocupação militar da Turquia se dá em 37 por cento do território.

Detalhe: tudo isso só está a acontecer porque um golpe de direita, em 1974, derrubou um governo legitimamente eleito para entregar o Chipre aos domínios da Grécia, que naquela altura era governada por uma junta militar fascista.

João disse...

O tempo dirá quem de nós tem razão. Acho que as milhares de pessoas que de lá foram desalojadas e que agora vêem as cidades onde viviam transformadas em cidades-fantasma ou as suas propriedades a serem vendidas ao retalho em qualquer revista imobiliária inglesa, ou colonizadas por turcos, não ficarão muito contentes com a tal solução negociada. A colonização está tão consolidada que até as tropas podem retirar-se, que não deixará de ser legitimada.
Se a Indonésia tivesse feito o mesmo com a metade, peço que me aclare sobre a percentagem exacta, da ilha que controlava, eu também não tinha ficado contente. Essa vergonha manteve-se com apoio americano durante anos a bem de interesses maiores, pelo menos para eles, espero que desta vez não seja legitimada uma vergonha a bem da adesão da Turauia.