sábado, 22 de agosto de 2009

Quando muito o melhor trompetista branco da história do Jazz (o que não é propriamente um elogio)

Anda para aí uma espécie de evocação do "Kind of Blue" por ocasião do seu 50° aniversário como se fosse um grande marco no Jazz; um grande desastre é o que foi. Se o "Kind of Blue" vendeu tantas cópias é provavelmente porque as elites intelectuais (de brancos) tinham há 50 anos, e provavelmente ainda hoje, mais poder de compra do que os negros que ouviam e tocavam Jazz - o verdadeiro Jazz - no clube/bar/restaurante da esquina mais próxima.
O Jazz foi desde a sua origem uma mistura mágica de ritmos e harmonias complexas às quais se acrescentava uma melodia como apenas mais um elemento de todo um ambiente musical. Uma perfeição que resultou do encontro da música dos escravos descendentes de África com as teorias e os instrumentos dos brancos vindos da Europa. Com da revolução do BeBop - Dizzy Gillespie, Charlie Parker, Thelenious Monk, etc... - a mistura rebentou e foi para a estratosfera, que como é sabido fica acima do Olimpo. Ele foi tempos estonteantes mais rápidos que o Lucky Luke, ele foi sequências de acordes mais complexas que a legislação francesa, ele foi uma relação acorde melodia que só uma alucinado Parker poderia conceber, ele foi mais o diabo a sete. E o HardBop ainda continuou o trabalho que o BeBop começou (Horace Silver, Dexter Gordon, etc...).
Depois vem Miles. Em toda a sua arrogância Miles Davis respondeu a uma senhora que lhe perguntou o que tinha feito de importante para merecer ser convidado a uma recepção dada pelo presidente Regan: "Eu mudei a música 4 ou 5 cinco vezes. E você o que fez de importante, para além de ser branca?". Por muita piada que tenha a resposta (que tem) a verdade é que o contributo de Davis para a música foi apenas um (and one too many): o Jazz Modal.
O Jazz Modal caracteriza-se por tempos lentos, um domínio da melodia sobre a harmonia, simplificação dos ritmos, sequências de acordes que nem dignas desse nome são (quando há só um acorde não é propriamente uma sequência...), e sobretudo - oh inclemência! - notas longas. A suprema ironia é que um "black cat" obcecado com o racismo como era Miles tenha dado como contributo a contaminação do Jazz com os elementos da música europeia (leia-se: "de brancos") que os seus predecessores tinham criteriosamente deixado de fora. Ou seja Miles Davis não fez do que um branqueamento do Jazz (o que é quase tão grave como o branqueamento de capitais).
É bastante revelador a história do início da carreira de Miles Davis, que ouvi um dia num programa de radio da NPR. Miles que começou na época do BeBop tocando nomeadamente com Charlie Parker, viu-se forçado a reconhecer que o lugar de mago e virtuoso do trompete estava já ocupado por Dizzy Gillespie (esse sim o mais genial trompetista da história do Jazz). Para poder encontrar o seu lugar ao sol, e no panteão do Jazz, Miles teve que inventar algo de novo, e o mais diferente possível de Gillespie e do BeBop, e assim nasceu o "cool" - em má hora. Miles Davis provocou danos irreversíveis na história do Jazz; com as honrosas excepções de músicos como John Coltrane ou Herbie Hancock, o panorama do Jazz pós-Davis é um deserto comparado com os anos do BeBop ou o HardBop, ou mesmo antes.
Mas nem tudo é mau, descobri recentemente que Miles Davis, e sobretudo "Kind of Blue", tem uma enorme utilidade prática: é excelente para pôr bébés as dormir (e adultos também).
Aproveito para desenterrar uns textos que escrevi sobre estas coisas há algum tempo, se acaso interessar a alguém. Um trompetista verdadeiramente genial: Dizzy Gillespie. Um álbum de Jazz verdadeiramente fabuloso: Dizzy's Big 4. E, claro, a composição que tem o mesmo nome que revolução: BeBop (com banda sonora e tudo). Para que conste: não gosto de música de brancos, a não ser talvez Chico Buarque (e tem dias).

4 comments:

joaoh disse...

Querias desancar no Kind of Blue e acabaste por reescrever a história do Jazz, de tal forma que ainda te oferecem um lugar cativo no Hot. Concluímos portanto que o Miles para além de racista, tocava mal e lixou o Jazz todo, mas desconfio que tu, do Miles, só ouviste até aos anos 40 e do resto do jazz, pouco mais. Se por outro lado, ainda divides a música (e o jazz) entre brancos e pretos, o melhor mesmo é inscreveres-te no PP.

Zèd disse...

"Concluímos portanto que o Miles para além de racista, tocava mal e lixou o Jazz todo,"
Não penso que Miles fosse racista.

"Se por outro lado, ainda divides a música (e o jazz) entre brancos e pretos,"
Brancos, Pretos e Mestiços - que é a música que prefiro (e onde se inclui o Jazz); não esquecendo que mestiço também tem branco.

JSA disse...

Zèd, posso não concordar, mas é um belo texto, escrito por quem sabe muito mais de jazz do que eu. É sempre um prazer ler-te, meu caro.

fabio" binho "nunes disse...

papo de racismo a essa altura....

que merda!!!!

música é art e art não se discute, se aprecia..., quem não gosta não olha....quem não gosta, não escuta é simples, não tem melhor e nem pior...críticos não servem absolutamente para nada a não ser encher o saco que quem não entende nada...

O Miles foi o cara que mais fez barulho com o Trompete, só isso já seria um dos maiores feitos do Jazz...ainda precisa mais????....acho que não