sexta-feira, 4 de setembro de 2009

O censor toca sempre duas vezes

Foi a principal notícia do nocitiário português de ontem: o telejornal de maior audiência do país, o Jornal Nacional da TVI, foi suprimido pela respectiva administração, dominada pela espanhola Prisa. Em consequência, demitiu-se a sua responsável e apresentadora, a subdirectora de informação Manuela Moura Guedes, bem como a restante direcção de informação, chefias de redacção e pivots dos telejornais. Moura Guedes alertou então para o facto de assim ficarem sem conhecimento público 5 novas reportagens sobre o caso Freeport, caso em que foi envolvido o premiê.

Há quem queira ver nisto uma opção administrativa pela qualidade, e a felicite. O ponto, contudo, não é esse. Independentemente da polémica que o conteúdo e estilo desse telejornal suscitavam (e não me posso pronunciar muito, pois só vi partes dele, nunca tendo visionado um inteiro, ao contrário de muitos dos seus detractores, que não descolavam do ecrã à 6.ª à noite) e da falta ou não de qualidade que daí adviria, esta decisão abrupta é inaceitável por representar uma administração a interferir nos conteúdos informativos à revelia da linha editorial e da direcção de informação e pelo facto do serviço televisivo ser uma concessão pública, obrigado a respeitar um conjunto de regras. E, claro, sem esquecer o contexto da coisa.

E o contexto é o que se sabe: críticas directas e sucessivas feitas pelo governo actual, a começar pelo premiê em pleno congresso partidário (já em Fevereiro). Sócrates diz que nada fez para isto suceder, mas a formulação é imprecisa: directamente, acredita-se; agora indirectamente, toda a pressão pública que foi feita significa um incontornável condicionamento político da orientação empresarial e informativa. Num país como Portugal, onde política e negócios se confundem amiúde e o governo tem o poder de condicionar as estratégias empresariais, este nexo é ainda mais premente. E é previsível que os incómodos oficiais sejam tidos muito em conta pelos empresários apostados em manterem-se nas boas graças do poder do dia, ou, simplesmente, em não sofrerem retaliações (como hoje salienta Manuel Carvalho no editorial do Público).

Este é o ponto. E ele é tão evidente que são raros os que apoiaram publicamente a decisão (excepções: o ex-editor Paulo Simão, bastante crítico, e o ex-administrador  Miguel Pais do Amaral). Foram várias as instituições ligadas ao sector a contestar a decisão, em nome da liberdade de informação e da independência dos órgãos de informação: a Entidade Reguladora da Comunicação (ERC) e o Sindicato dos Jornalistas, mesmo que antes tivessem criticado a orientação desse mesmo telejornal.

O condicionamento político dos agentes económicos não é de agora, infelizmente este é apenas mais um afloramento. Basta recordar que o comentador político Marcelo Rebelo de Sousa também fora 'saneado' do mesmo canal há 5 anos atrás, desta feita por pressões dum governo de direita liderado por Pedro Santana Lopes (e sobre isso relembre-se o que disseram muitos socialistas e apoiantes na altura).

Sócrates e a sua entourage não têm razões para lamento auto-vitimador: simplesmente, o feitiço virou-se contra o feiticeiro.

Adenda: os jornais divulgaram justificações desencontradas para tal decisão, incluindo a necessidade duma remodelação para reduzir despesas (isto numa estação líder de audiências, note-se); mas o certo é que ninguém até agora assumiu as responsabilidades, e já passaram 2 dias (vd. esta notícia actualizada). Para uma cronologia dos factos, vd. a versão impressa do Público de dia 4.

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