quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Tetro

Gostei de ver Tetro, de Francis Ford Coppola. Gostei de me reconciliar com ele, depois de me ter decepcionado e irritado a ver o seu penúltimo filme, Uma segunda juventude. Há três tipos de filmes: os poucos que me levam a fazer um esforço para os ver até ao fim; a maioria, que gosto de ver, mas não faço a menor intenção de rever; os raros que gosto de ver e de rever. Tetro encontra-se na terceira categoria. Quanto ao resto é um filme difícil ou impossível de classificar. Um filme de autor assinado por um homem que faz questão de se demarcar de alguns dos seus grandes filmes comerciais e reivindica a autoria de outros que são um fracasso total.
O próprio Francis Ford Coppola inventou uma espécie de genealogia de filmes escritos por si, feitos à margem dos grandes estúdios e com baixos orçamentos, dos quais Tetro seria o fruto mais recente. Alguns críticos foram na conversa. Fizeram mal. Em Tetro tanto se encontram ecos do intimismo poético de Rumble Fish como das cenas operáticas de Apocalypse Now ou o Padrinho III. Coppola compraz-se em fazer um filme paradoxal, com rápidas mudanças de tom, de ambientes, de referências. Umas vezes parece que estamos a ver descendentes de uma família filmada por John Ford, outras assistimos à errância de personagens que parecem saídas de Misfits de John Huston. As sequências de um belo preto e branco no presente são intercaladas com sequências a cores do passado. A história dá voltas e reviravoltas, entrando em terrenos pouco explorados por Coppola, como o do burlesco, antes de se precipitar no melodrama final.
As personagens masculinas centrais parecem ser portadoras de uma dupla identidade ou de uma incerteza acerca da sua identidade no interior de uma família: irmão ou pai, irmão ou filho? Esta incerteza estende-se à própria identidade nacional: norte-americano ou argentino? A história «no presente» acontece na Argentina, um ambiente adequado pois, segundo Coppola, «os argentinos são italianos que falam espanhol». O que é um ponto de vista significativo num «italiano que fala inglês». As personagens centrais femininas, ao contrário das masculinas, têm uma identidade definida de modo claro e radical: ou são âncoras das pessoas que as rodeiam ou destroços.
A escolha de Vicent Gallo para o papel principal encaixa nesta abordagem paradoxal da história. À partida o modelo para a personagem atormentada de «Tetro» seria Marlon Brando. Coppola vai buscar um actor que é precisamente o oposto, uma espécie de cúmulo do «underacting». Os outros actores vão bem, incluindo Carmen Maura, uma aparição inesperada no universo de Coppola.
Um filme com o lastro de uma obra cinematográfica longa, diversificada e com pontos muito altos e que ao mesmo tempo experimenta novos caminhos. Agora sim, acho que ganhámos alguma coisa em Coppola ter saído de Hollywood.

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