sexta-feira, 18 de junho de 2010

José Saramago (1922-2010)

No dia da morte de um grande escritor, começo por sublinhar a grandeza literária da obra que deixou. Saramago renovou a antiga arte de contar histórias e, sendo dotado de uma imaginação prodigiosa, não a usou para fugir a este mundo, mas para denunciar a estreiteza do real e a possibilidade de outros mundos.
O prémio Nobel da literatura português foi um artesão de si mesmo que teceu com teimosia e impaciência a sua vida e os seus livros. A par da militância política, descortinamos na sua vida, como reza a letra de Casablanca, «a velha história da luta pelo amor e pela glória». Depois de vencer ambas, não renunciou à outra, a do ideal comunista, continuando a criticar e a acusar. Em minha opinião, como D. Quixote, confundiu por vezes moinhos com gigantes. Também por isso o vejo como um digno sucessor do gesto altivo do célebre cavaleiro, das razões de Sancho Pança e do ofício de Cervantes.

3 comments:

jrd disse...

Apenas o melhor poste que hoje li (e já foram muitos) sobre um Homem com "H" grande, Saramago.

Daniel Melo disse...

Que síntese simples e elegante!! Está lá tudo! Chapeau!
Inspirado e bem escrito, parabéns, João Miguel!

Ainda bem que hoje cheguei tarde a casa, poupámo-nos a um in memoriam desenxabido e, em troca, ganhámos outro bem bom...

Dylan disse...

José Saramago não era menos português por não pôr a bandeira à janela na véspera de um evento desportivo. Acima de tudo, a sua essência era ibérica. Convém dizer que só saiu de Portugal devido à ostracização de Sousa Lara, comprovada agora com o episódio político revisionista da não presença de Cavaco Silva no seu funeral. "Viagem a Portugal" é reflexo de amor e do encantamento que sentia pelo país, pela sua beleza e cultura, pela classe trabalhadora, espelhada na sua identidade, mesmo que isso significasse ir contra a ideologia do seu partido, contra a maioria religiosa, contra o politicamente correcto. Para o seu espírito inconformado, a morte é pouco relevante. Como diria Saramago, "o fim duma viagem é apenas o começo de outra".