domingo, 16 de dezembro de 2007

Aguardente de medronho, esse néctar dos deuses

Foi há pouco tempo que comecei a apreciar esta preciosidade, quando, em férias pela costa vicentina, a boa aguardente da casa que concluía a refeição em restaurantes da zona era quase sempre de medronho.
Este néctar tem origem num arbusto ou pequena árvore mediterrânica, o medronheiro ou ervedeiro (Arbutus unedo). Esta é uma árvore que sempre foi aproveitada para outras finalidades: para curtir peles (com os taninos das suas folhas e casca); para lenha; para curar diarreias, desinterias e infecções urinárias (medicina popular); para fazer mel, etc. (vd. aqui).
A aguardente de medronho era já comum no Portugal medievo, mas é provável que recue à presença árabe na Ibéria.
Esta aguardente é feita do seguinte modo:
"O ciclo inicia-se com a apanha do fruto, entre os meses de Setembro e Dezembro, realizada pelo produtor e família, ao que se segue um período de fermentação e a posterior destilação em local próprio. Por fim, a aguardente pode ser logo vendida ou submeter-se a envelhecimento. A fruta é fermentada em tanques de madeira ou barro. A fermentação é natural e dura entre trinta a sessenta dias [há quem diga que o limiar deve ser 15 dias, mas depende da temperatura exterior]. Os tanques devem ser cobertos com frutos esmagados para evitar o contacto com o ar. Depois de fermentado o produto deve ser guardado durante sessenta dias e bem protegido do ar. Uma boa aguardente de medronho é transparente, com o cheiro e o gosto da fruta".
É produzida sobretudo no Algarve, mas também existe no Baixo Alentejo e na Beira Baixa.
No Algarve deve ter 50º de teor alcoólico, em geral deve ter entre 40-50º (vd. aqui).
Foi um produto com relevância económica para as populações da serra algarvia e vizinhas do Baixo Alentejo, mas entrou em crise a partir dos anos 70, com a desertificação e o reforço da legislação específica. Para tentar cercear a crise, surgiu em 1985 a Assoc. dos Produtores de Aguardente de Medronho do Barlavento Algarvio (APAGARBE), reunindo c. de 150 dos 500 produtores locais e que pugna pela valorização e reconhecimento oficiais deste produto (enquanto Denominação de Origem Protegida ou Indicação Geográfica Protegida). No âmbito dum projecto de inventariação das principais áreas de intervenção para a revitalização das produções artesanais do interior algarvio (projecto ARRISCA na Serra do Caldeirão, integrado no LEADER I), foi feita uma «investigação-acção sobre a aguardente de medronho» (1993-2000), estudo conjunto da Univ. do Algarve, Dir.º Regional de Agricultura e Associação In Loco. Seguindo estas pisadas surgiu recentemente o oportuno livro Aguardentes de frutos e licores do Algarve, de Ludovina Rodrigues Galego e Valentim Ribeiro de Almeida (Lx, Colibri, 2007), donde retirei informação para este parágrafo.
Outros espaços que permitem revitalizar este produto são as feiras, encontros e acções de sensibilização.
O 4.º Festival de Gastronomia Serrana de Tavira incluiu na sua ementa este néctar, pela mão de restaurantes serranos (vd. lista aqui). Ou seja, esta aguardente remata bem repastos com pratos como estes: galo guisado, ensopado de veado, lombinhos de porco com passas e mel, cozido à moda serrana e lebre com feijão branco. Mas não só! Até há quem diga que vai bem com bolos e doces de amêndoa e mel, típicos do Algarve.
Também Almodôvar acolheu há 2 semanas a 1.ª Feira do Cogumelo e do Medronho (24-25/XI), dois dos principais produtos da zona.
Por fim, vende-se em várias feiras, como a de Artesanato de Loulé e a Medieval de Silves.
No Verão de 2006 realizaram-se as Jornadas do Mel, Medronho e Medronheira, em Pampilhosa da Serra.
Segundo o jornal Barlavento, a Associação In Loco organizou recentemente uma apanha de medronho em São Bartolomeu de Messines (a 17/XI), "com vista a recriar a tradição que marca as serras do Algarve" e contribuir "para a preservação do património natural e sócio-cultural regional".
Do que retenho, as minhas preferências vão para as seguintes aguardentes:
>A farrobinha (produtor: Carlos Faísca; Querença- Loulé);
>Aguardente de Medronho Velha (produtor: Obras do Caratão; Serra da Estrela);
>Manuel de Sousa Martins (S. Bartolomeu de Messines, que produz tb. um excelente licor de poejo);
>Medronho (produtor: Lidório da C. Jesus, de Tavira; melhora com o tempo, o que é bom sinal!);
>Mourinha (produtor: Herdeiros de José Manuel Mealha Guerreiro; Barranco do Velho, Salir, Loulé, tel.28-9846183).
Foi ainda muito apreciada a Aguardente de Medronho de José Rodrigues Cavaco (Vale de Ôdres, Cahopo, Tavira, o,5l, 45º), com foto aqui.
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Marcas do Algarve que ainda não tive o prazer de provar:
>Castelo de Silves (0,7l: €30; produtor: Baga-Mel; Monchique);
>Guia (€16,8);
>Pizões (0,75l: €30; esgotado na origem [Indústrias Cristina - Portimão], destilação especial para reserva desde 1902; Monchique);
>Sanches & C.ª Lda. (c/caramelo e 2 marcas distintas, uma com rótulo amarelo, a outra preto);
>São Barnabé (0,7l: €18
ou €24; produtor: Leonardo Cabrita; Caldeirão);
>Valverde e Lino (de José Manuel Valverde, de quem dizem que fazia o melhor néctar).
Ainda de Monchique vd. inf. para Cimalhas, Taipas e Monte da Lameira aqui.
Marcas da Beira, da parte de cima (Serra da Estrela):
>Aguardente de Medronho Velha (0,5l: €17,62; produtor: Obras do Caratão);
>Aguardente de Medronho - Obras do Caratão (0,7l: €15,38; produtor: Obras do Caratão).
Marcas da Beira, da parte de baixo (Oleiros):
>Silvapa (0,5l: €15; produzida em Madeirã, concelho de Oleiros).
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A ASAE só fiscaliza a aguardente comercializada, poupando a para consumo próprio, o que é uma boa notícia. O licenciamento das destilarias passou para as câmaras municipais desde 2002 (CM; vd. decreto-lei 238/2000). Vários restaurantes alentejanos estão a deixar de servir aguardente de medronho (da casa) por receio da ASAE :(  Mas se fosse servida como oferta aos bons clientes, já deveria ser permitido, não é?
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PS: era bom que os produtores fizessem mais uso da Internet para divulgar os seus produtos em sites e/ou blogues seus (e/ou de associações como a APAGARBE), até para facilitar a respectiva comercialização e encomenda por interessados. É que as mercearias finas e outros intermediários inflaccionam muito os preços deste tipo de produtos. Foi muito difícil encontrar informação útil na Internet, e a que existe é maioritariamente inserida por intermediários, além de pobre.

16 comments:

Renato Carmo disse...

Belo post informativo sobre a aguardente de medronho. Provei algumas das que o Daniel refere. Mas as melhores que já bebi foram produzidas por velhotes da serra algarvia.
Aliás, no Agarve existe uma outra aguradente menos conhecida no exterior, mas mais comum entre os algarvios: a aguardente de figo. Talvez um dia escreva um post sobre esta bebida e sobre o figo seco.

Daniel Melo disse...

Obrigado, sôtor, deu algum trabalho mas a aguardente de medronho merece!
Boa proposta, essa dum post dedicado à aguardente de figo: cá ficamos à espera dele :)

vallera disse...

Que belo post, Daniel!

Daniel Melo disse...

Obrigado, vallera, foi dedicado a vozezes, e aos produtores que ainda teimam em manter viva esta preciosidade.
A propósito, brevemente tb. receberás uma prendoca laroca virtual, prepara-te ;)

Zèd disse...

Isto no Peão estamos sempre a aprender. O que me faz pensar que tenho que encontrar uma garrafa de medronho para levar comigo. E depois do Renato escrever sobre aguardente de figo hei-de escrever sobre Rhum antilhês (e talvez sobre Calvados). Estamos portanto a divergir para os alcoois pesados...

Daniel Melo disse...

A convergir, a convergir, para o plus ultra das bebidas espirituosas...

Sappo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Sappo disse...

Boa, Daniel.

O licor também é bem apreciável e um ótimo digestivo pra quem se dedica mais a comer do que a beber. Bem, e já que estamos em ritmo etílico-espirituoso, proponho-me colaborar com umas mal-traçadas-linhas sobre a cachaça tupiniquim. Tim-tim.

Daniel Melo disse...

Olá Manolo,

é bem-vinda a tua proposta sobre licores e cachaças, acho muito apropriada e ainda ninguém escrevera sobre essas bebidas aqui.
Ficamos, então, à espera do teu post, o próximo domingo está aí à porta... ;)

Ruy Blanes disse...

Apesar de não ser grande fã de licores, estou contigo nesta luta! Podes contar comigo para tudo o que seja promoção de conteúdos de origem alcoólica. Qualquer dia debruçar-me-ei uma vez mais, com a seriedade que me acostuma, a este assunto tão transversal.

Sappo disse...

Está bem, Daniel. ´

Domingo próximo, então, flautearemos um bocadito ao sabor da cachaça.

Anónimo disse...

olá!

A Aguardente de Medronho SILVPA não é do Algarve, mas sim da Beira Baixa. Já provei e é fantástica e bastante mais barata que as Algarvias...
www.silvapa.no.sapo.pt

Daniel Melo disse...

Caro anónimo, bem haja pela sua nota de correcção (e pelo link), já alterei no post.
Entretanto, resolvi fazer um novo post sobre as aguardentes de medronho (nunca será demais).
Para os interessados deixo aqui o link directo:
http://avezdopeao.blogspot.com/2008/05/novas-do-medronho.html.
Quando puder hei-de provar essa aguardente, fiquei com muita curiosidade...

Anónimo disse...

Só para deixar o novo sitio na internet da aguardente Silvapa. Obrigado!

Daniel Melo disse...

Já alterei o link. Obrigado pela informação e parabéns pelo novo site (só é pena não ter indicação de preços).

Albino Vieira, filhos, Lda disse...

Bom dia

Alambiques para o fabrico de aguardente de medronho, podem encontrar no web www.albinovieira.com