Este provérbio popular ilustra ainda, penosamente, uma prática frequente entre quem lida com a coisa pública por cá. O recente caso das casas municipais de Lisboa atribuídas de modo discriccionário é disso exemplo. Este segredo de polichinelo tem pelo menos 20 anos, mas só agora teve honras de manchete e acompanhamento em vários media. Mais vale tarde que nunca. Aparentemente, começou como arma de arremesso contra a recandidatura de Santana Lopes a Lisboa, mas depressa se espalhou generosamente por várias vereações, atingindo deste modo a vereadora Ana Sara Brito, por ter beneficiado pessoalmente por esta prática quando era vereadora no mandato de Abecasis (parece que foi sob essa presidência que tudo começou).Em post anterior, apoiara a decisão de se criar um regulamento para acabar com este esquema opaco e discriccionário, ignorando que a procissão ainda ia no adro. Aliás, a ex-vereadora Nogueira Pinto propusera isso mesmo em 2004 e foi ignorada!
Estão em causa c. de 4 mil fogos, que deveriam ter sido aproveitados para estancar a sangria populacional e a sua polarização crescente entre ricos e pobres (condomínios de luxo vs. bairros sociais) e para trazer mais receitas, mas que, ao invés, eram arrendados a amigos por valores irrisórios. As casas construídas pela EPUL obedeciam a regulamentos e visavam obter lucro (quanto a más gestões da empresa, isso é outra história), por isso, é ainda mais gritante esta dualidade de critérios.
Mas a elite por cá tem as costas quentes. Os jeitinhos ainda são recursos comuns e tolerados, e predomina uma concepção patrimonial da coisa pública numa parte significativa daqueles que passam pelo Estado, ou seja, o bem público é gerido de acordo com as vontades e humores de quem manda. É uma lógica de Ancien Régime, para nos relembrar como ainda são as nossas elites: conservadoras, monolíticas, contíguas e ávaras de privilégios.
Rui Tavares avançou aqui propostas interessantes (passíveis de compatibilizar com a proposta municipal, que privilegiará arrendamento para jovens e idosos), Fernanda Câncio aborda o caso no DN de hoje, de que respigo esta passagem certeira: "O que está em causa, e não será de mais repeti-lo, é o que de pior existe em qualquer administração pública - a opacidade, o favorecimento discriccionário, a assunção dos bens públicos como propriedade de «quem está» e o seu tráfico entre escolhidos".
Oxalá este caso seja sintoma de maior exigência democrática, de transparência, regulamentação e igualdade de oportunidades. E que, de caminho, se passe duma política remendista de habitação social para uma efectiva política social de habitação e de fruição da cidade, de ordenamento e planeamento urbanísticos para já, e não para daqui a 30 anos. É que é hoje e aqui que vivemos. Em 2040, não saberemos se ainda cá estamos. Deixem o amanhã e as megalomanias para os astrólogos.
PS: não percam o «Inimigo Público» de hoje e o seu dossiê "Casas camarárias já vinham com máquina de lavar cunhas". São 3 páginas de bom humor.
PS: não percam o «Inimigo Público» de hoje e o seu dossiê "Casas camarárias já vinham com máquina de lavar cunhas". São 3 páginas de bom humor.


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