quarta-feira, 6 de março de 2013

Meia derrota

Por muita simpatia que me possa suscitar, este tipo de discurso de Boaventura Sousa Santos é meia derrota. Se queremos, à esquerda, uma sociedade decente (mais igualitária, mais justa), e diametralmente oposta à que nos é imposta actualmente, temos que saber responder à questão: "como é que vamos pagar por essa sociedade decente?". E a boa notícia é que respostas não faltam. Por que raio estar a pôr-se à margem do debate económico? Sim, este discurso "a vida está acima da dívida" é apenas a recusar o debate económico por razões morais e ideológicas, é enfiar a cabeça na areia tipo avestruz. Isto é um tiro no pé, porque se há coisa que esta crise mostra é que a política actual é, para além de injusta e iníqua, MÁ POLÍTICA ECONÓMICA. A produtividade baixa (recessão), a dívida aumenta (ao contrário dos objectivos anunciados), e o desemprego dispara. A esquerda tem que pôr o debate económico no centro do debate político. As políticas económicas que deviam ser da esquerda já nos tiraram de crises como esta (New Deal, Marshal Plan, etc...). Há bons economistas de esquerda com propostas para sair desta crise, Paul Krugman, Joe Stiglitz (os dois são Nobel), Yanis Varoufakis, etc... A esquerda devia recuperar essas propostas e pô-las no centro do debate em vez de divagar em diletantismos estéreis.

2 comments:

Rogério G.V. Pereira disse...

Alargaria a lista de economistas "à prata da casa", no resto, assino por baixo!

Daniel Melo disse...

Só agora consigo comentar este post oportuníssimo, Zèd! Também o subscrevo e era bom que escrevesses mais sobre isto.

Porém, acho que o conteúdo do artigo do BSS até tem alguns dados importantes e uma contra-proposta que deve ser discutida: «Cerca de 20% da receita fiscal vai para pagar juros [...]; pagamos em juros mais do que gastamos com a educação (108%) e 86% do que gastamos com a saúde; os juros representam 15% da despesa efetiva total do Estado; a política de austeridade aniquila os devedores até ao ponto de nada mais lhes poder tirar [...]; se propuséssemos uma renegociação da dívida e não pagássemos juros durante o período de negociação (moratória), o nosso orçamento estaria equilibrado e seria possível libertar recursos para investimento e criação de emprego».

Seja como for, a proposta que ele faz, a duma moratória, pode resultar numa renegociação mais vantajosa para os países da periferia (como se constata, a margem de manobra deste governo está bem esmagada pelo seguidismo cego que escolheu inicialmente, algo que nem um hipotético governo Seguro poderá apagar). E é a moratória uma hipótese que não significa necessariamente que quem a proponha (e há bons economistas a propô-la, como Jorge Bateira, João Ferreira de Almeida e um prof. da Univ. da Madeira de que agora não me recordo o nome) não queira discutir política económica, atenção!

Cada vez mais gente está a discutir o fim do euro, e quem começou esse debate é quem tem o poder, apoiantes de Merkel, de Cameron, direita italiana, etc., etc. A situação é muito complexa. Mas a moratória não é necessariamente uma opção pelo fim do euro. E, já agora, aproveito para reiterar que sou europeista e federalista, agora não sei se este euro, como está, continuará a ser solução para uma parte da Europa. Não sei se é viável uma solução de 2 euros distintos, com o dólar funciona.

Seja como for, concordo que é preciso ir mais longe e recentrar o debate na busca de alternativas. Em Portugal, vários movimentos sociais têm trazido contributos muito válidos nesse sentido, como o Congresso Democrático das Alternativas, o Manifesto pela Esquerda Livre, a Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Dívida.

Em Portugal, temos um problema já antigo, que é o défice de debate construtivo das políticas públicas: muita gente prefere centrar-se na discussão político-partidária ou ideológica, ou nos diagnósticos... São gente sobretudo de dentro dos partidos ou muito colada a um tipo de debate muito 'tacticista', espuma dos dias, ou muito ideológica, legado de PREC's passados. Politics vs. policies. Foi uma questão a que o Hugo Mendes se referiu amiúde por aqui, e com razão.