sexta-feira, 12 de abril de 2013

Alternativa progressista: a política é também a arte de negociar (resumindo: entendam-se, porra!)

[...] O problema é que, ao contrário do que acontece à direita, governos pluripartidários à esquerda estão interditos.
O bloqueio à esquerda tem, em Portugal, razões históricas profundas: o PCP ter sido, durante a ditadura, hegemónico na oposição; a democracia ter nascido de um combate feroz entre as várias forças de esquerda; o PS ter-se implantado no País contra o PCP e em aliança com a direita; o adormecimento, por meio século, do nosso movimento sindical, muito dependente das lógicas partidárias; um movimento social-democrata (aqui representado pelo PS) que, ao contrário da maioria dos países europeus, não tem raízes no movimento operário e nos sindicatos; a debilidade da nossa sociedade civil. Tudo contribui para criar fronteiras estanques à esquerda. Na realidade, as grandes clivagens ideológicas foram, nos últimos 40 anos, feitas no interior da esquerda e não entre a esquerda e a direita [...].
Só que nos últimos 40 anos muita coisa mudou. E a verdade é que a direita, que tinha uma posição ideológica envergonhada, se tornou agressiva e ultraliberal. Ou seja, as condições exigem que a esquerda consiga trabalhar para os entendimentos que nunca considerou necessários.
Não escondo que não é apenas o passado que torna este entendimento difícil. Juntar a autosuficiência do PCP, a cultura de contrapoder do BE e a cultura de cedência do PS nunca seria fácil. Há, ainda assim, três denominadores comuns que neste momento poderiam garantir um governo de esquerda: o diagnóstico da crise [...], a convicção de que apenas uma política pública para o crescimento económico nos pode tirar deste sufoco e a certeza de que o equilíbrio das contas públicas não passa pela redução das funções sociais do Estado. Se estiverem de acordo nestas matérias, a grande fronteira política pode finalmente fazer-se, em Portugal, entre a esquerda e a direita.
Um governo de esquerda, fosse ele qual fosse, seria hoje um governo de emergência nacional. Com dois objectivos: libertar-nos da intervenção externa e retirar-nos da crise aguda sem pôr em causa a democracia e as funções sociais do Estado.

(continue a ler este post certeiro de Daniel Oliveira em
«Impasse: à esquerda, na caminha é que se está bem (IV)»;
para quem possa achar esta questão bizantina ou ainda precoce, sff leia isto)

4 comments:

Rogério G.V. Pereira disse...

Isto é, o Daniel expressou bem o ponto de partida para um governo patriótico e... de esquerda. Sem dúvida, certeiro: "o diagnóstico da crise [...], a convicção de que apenas uma política pública para o crescimento económico nos pode tirar deste sufoco e a certeza de que o equilíbrio das contas públicas não passa pela redução das funções sociais do Estado. Se estiverem de acordo nestas matérias, a grande fronteira política pode finalmente fazer-se, em Portugal, entre a esquerda e a direita."

Anónimo disse...

A unidade da esquerda é quase uma utopia, mas não há como escapar-lhe. Há que trabalhar para esse objetivo, mesmo conscientes de que as direções partidárias têm, por obrigação, provavelmente prioritária, que defender a sua organização e fortalecê-la no contexto partidário nacional.
Nenhum dos três partidos da esquerda considera que se vive já em «emergência nacional», como o Daniel Oliveira diz e penso que comprova. Por isso, há que esperar, com perseverança, que a percentagem de 56% de intenções de voto, que a sondagem do Expresso dá aos partidos de esquerda se concretize. O que implica uma atitude de compreensão, não de hostilidade, para com as três direções partidárias.
Este XIX Governo só cai se os que por ele são prejudicados lutarem pelo seu derrube - não é à espera de iniciativas presidenciais ou de dissensões dentro da coligação que se lá chegará.
Ab.

Daniel Melo disse...

Peço desculpa por só agora responder, mas só agora me foi possível voltar ao blogue. Obrigado pelos comentários, concordo com ambos em termos genéricos.
Contudo, acho que o frentismo de esquerda não pode ser um tabu, cuja concretização impeça o debate e confronto de estratégias.
Justamente, a compreensão da pluralidade de vias decididas a nível de cúpula não invalida que se possa considerar que é necessário aprofundar convergências e ritmos. Porque não falar em questões concretas: nas eleições autárquicas, não haverá convergência de esquerda. Mas porque não?!
Ademais, creio que há espaço para mais um partido, que possa representar aqueles que não se revêem em nenhum dos que existem, e são muitos. Justamente, o espaço deixado vazio pelo MDP/CDE e que o BE e o PCP-Verdes não estão a conseguir ocupar plenamente.

Daniel Melo disse...

Aproveito para ressalvar desde já que considero que um novo partido não iria afrontar os restantes: antes pelo contrário, irei servir de promotor de novas dinâmicos e obrigar os outros a acelerar a busca de consensos mínimos e de compromissos. De resto, procurando explorar o melhor das práticas da CDE e o MDP/CDE, pelo menos numa parte do respectivo tempo de existência e para certos sectores.