quarta-feira, 18 de abril de 2007

Ainda sobre os dez milhões de Cristianos Ronaldo

Veja-se um infantário: uma sala, dez crianças, uma educadora e uma auxiliar. Tipicamente, a educadora tem pouco mais de 30 anos, habilitações académicas superiores e iniciou a sua carreira há menos de 10 anos. A auxiliar, por seu lado, não frequentou um curso superior, tem 50 anos e há quase 20 que todas as manhãs muda fraldas. Os críticos do programa "Novas Oportunidades" - da direita à esquerda - não reconhecem à segunda a ambição de ser como a primeira.

12 comments:

Luís Marvão disse...

A campanha não é criticada por razões de esquerda ou de direita, mas simplesmente por ser um hino à imbecilidade. Além disso, avilta as profissões “não qualificadas”, que deveriam antes ser dignificadas, porque são necessárias. Precisamos acima de tudo de pessoas com um bom desempenho no exercício das suas profissões, sejam jardineiros, operários, gestores ou médicos.
Aliás, basta ver o percurso de muita gente que por aí anda, para perceber o ridículo desta campanha, que nem caricatura da nossa realidade chega a ser.
Parece ser coisa de miúdos da órbita socialista a fazer jogos de recreio à custa dos dinheiros dos contribuintes.

Zèd disse...

"Além disso, avilta as profissões “não qualificadas”, que deveriam antes ser dignificadas, porque são necessárias."

Exacto, é necessàrio que os pobres mas honrados, mal-pagos e sem formação continuem assim para o bem-estar da comunidade e estabilidade social. Se isto não é um racicinio de direita é o quê?

"Precisamos acima de tudo de pessoas com um bom desempenho no exercício das suas profissões, sejam jardineiros, operários, gestores ou médicos."

Completamente de acordo, isto normalmente faz-se com formação, através de um sistema de ensino (não sei, digo eu...). O objectivo do Novas Oportunidades é esse mesmo (não sei, digo eu...). Mas é muito estranho, agora que finalmente o governo de Socrates tem uma iniciativa de esquerda cai-lhe a suposta esquerda em cima com argumentos de direita (não sei, digo eu...).

Luís Marvão disse...

"Exacto, é necessàrio que os pobres mas honrados..."

É o Zed, e não eu, quem faz eco do discurso dos salazarento "dos pobres mas honrados".
Aliás, não percebo bem porquê, pois não é aqui chamada à colação a honra, mas sim a dignidade de certas profissões. E diga-se que, em muitos países da Europa, as pessoas no exercício das tais profissões manuais ou pouco qualificadas até conseguem ter uma vida digna.

Hugo Mendes disse...

Luis, vamos ver se percebemos para quem se dirige a campanha: ela dirige-se, tipicamente, a um miudo/a de 15 anos que vai abandonar a escola no fim do segundo periodo (é quando as taxas de abandono sobem porque acham que com as notas que têm mais vale ir para o mercado de trabalho) e que acha, que, por muito que tente e estude e se esforce, não vai chegar a lado nenhum e esse esforço não vai fazer diferença nenhuma para o seu futuro. Ora, as estatísticas mostram que faz, e muito, particularmente nestes níveis de ensino, em que o retorno do investimento da educação é muito alto. É SÓ ISTO. A campanha não é para a malta qualificada não precisa que se lhes mostrem o que é importante mostrar aos miudos/as destas idades. Isto não é moralismo nenhum; é um facto. A campanha toca no que é preciso tocar: mostrar a estes jovens que estudar compensa.

A conversa que que isto é um ataque à dignidade (não vejo grande diferença aqui entre a 'dignidade' e a 'honra') é uma sobreinterpetação maldosa. E, já agora, e aqui concordo por inteiro com o Zèd, com o discurso salazarista do "pobre mas honrado".
Sobreibnterpretação paga-se com sobreinterpretação.

"E diga-se que, em muitos países da Europa, as pessoas no exercício das tais profissões manuais ou pouco qualificadas até conseguem ter uma vida digna"

Para generalizar um bocadinho: sabe porque? Não é porque as pessoas dizem bem delas nos blogues, na TV e nas convrsas de café. É porque são países mais ricos, e onde a população é mais qualificada. É isso que se pretende aqui, e a campanha é um pequeno meio para atingir esse fim.

A coisa mais interessante no meio disto tudo é que são dezenas de milhares as pessoas que entretanto já acorreram ao programa em meio dúzia de semanas. Isso interessa muitíssimo mais do que a opinião dos que estão, no discurso, muito preocupados com a dignidade das profissões não-qualificadas.

Zèd disse...

Caro Luis Marvão,
Eu sou obviamente a favor da dignificação das profissões manuais que são mal-pagas e em geral "mal-vistas", depreciadas socialmente. Mas dignificà-las não é com palavras, não é dizendo que o que elas fazem é importante e ao mesmo tempo mantê-las como estão (ou seja mal pagas). Tem que haver medidas concretas de valorização dessas profissões, e essa valorização tem que ser, no final das contas, material. Tentar melhor as qualificações de quem exerce essas profissões, de caminho cumprindo o serviço pùblico de educação, é um medida concreta que tem como objectivo essa valorização.

A esquerda não se pode contentar com essa situação de sub-qualificação que conduz a baixos rendimentos. Ofensa à dignidade dessas pessoas é manter esta situação, é permitir que elas continuem a ser mal-pagas. Lamento, mas na minha opinião defender que hà dignidade nesta injustiça social é recuperar o discurso do "pobre mas honrado". Reconheço contudo que à esquerda este discurso vem de um equivoco romântico, do entaltecer o trabalhador. Convém não esquecer que faz parte do ideal da esquerda lutar pelos direitos desses trabalhadores, e convém não esquecer que direitos são esses.

Luís Marvão disse...

Empreguei o termo dignidade para exprimir a ideia de que certas profissões não devem ser aviltadas em campanhas do Estado. O que é uma coisa distinta de saber se o calceteiro A é honrado ou não.
Mas o Hugo acredita que algum jovem dessa faixa etária vai levar a sério esta campanha? É que não faltam exemplos, por sinal bem mediáticos, para contrariar a tese

João Caetano disse...

Caro Luis Marvão,

Acredita mesmo que o exemplo de sucesso do Cristiano Ronaldo é replicável por 10 milhões?

Como não deve ser tonto, não acha que cabe ao Estado criar mecanismos que garantam a qualificação dos jovens numa perspectiva realista e sustentada?

João Caetano disse...

Hugo, o programa é também sobre a requalificação dos adultos.

CLeone disse...

O truque da ofensa é comum, sobretudo para quem nada tem a dizer além de «deixem estar». Não percebo é a argumentação a favor: como os resultados não são imediatos, como os factores do sucesso profissional não se restringem à qualificação, é uma opção política quere ter portugueses mais qualificados. isto serviria (fantasio...) para impor ao sistema escolar, superior incluido, verdadeira qualificação, e não diplomas redundantes e sem mérito científico. Uma opção política. Tão legítima como foi, há décadas, distribuir lite nas escolas, emora então também houvesse quem se queixasse do paternalismo, da insuficiência, da despesa... Hoje, quem quer ouvir falar em sopas de cavalo cansado? Política progressista é dar a todos oportunidades de melhorar a sua vida, sem que ninguém seja obrigado a isso. Quem for de Esquerda percebe, e os de Direita também. Quem não gosta, pois que proponha algo

MPR disse...

Eu não percebo a polémica. Há vergonha em ser arrumador num cinema? Não. É algo com que alguem sonhe? Não. A qualificação, seja universitária, seja técnica, seja o que for, é necessária? Sim. A campanha defende o quê? Que as pessoas se qualifiquem. É simples. Lá se é eficaz isso é outra conversa, mas a mensagem parece-me óbvia e desejável. Qualifiquem-se.

Hugo Mendes disse...

"Mas o Hugo acredita que algum jovem dessa faixa etária vai levar a sério esta campanha? É que não faltam exemplos, por sinal bem mediáticos, para contrariar a tese"

Caro Luis, eu temo que vá perder a aposta - fazemos as contas no fim. O que é verdadeiramente estranho é as pessoas em vez de dizerem: "esperemos que os muidos/as levem a sério a campanha para ficarem na escola" é estarem a torcer para que a campanha seja um insucesso. Isso sim, é dignidade de quem defende estas opinioes. Francamente...

Hugo Mendes disse...

"Hugo, o programa é também sobre a requalificação dos adultos. "

João, é verdade, lembras bem, o Novas Oportunidades dirige-se aos adultos e jovens, mas esta campanha da discórdia é particularmente dirigida sobre os jovens.