sábado, 14 de abril de 2007

Pergunta do dia

Haverá alguma economia política de esquerda que seja verdadeiramente progressista?

18 comments:

Hugo Mendes disse...

Toda a discussão a partir daqui será supérflua se não definires o que é "verdadeiramente progressista": pelo menos, os seus fins, meios, instrumentos e constrangimentos.

A. Cabral disse...

"Progresso" foi argumento para muita coisa, e como o Hugo aponta e' termo bem esvaziado.

Contornando o problema, eu diria que ha economias politicas para todos os fins. O problema e' se funcionam ou nao, e ha que convir que a possibilidade de experimentacao tem sido muito restrita.

Hugo Mendes disse...

De acordo, mas a questão aqui não é tanto (ou pelo menos não se resume a) saber o sentido do que é "progressista". O Renato podia ter utilizado outra expressão mais ou menos gasta ou vaga ou ambígua. Fosse ela qual fosse, se ele quer discutir 'X', ele tem de definir mais ou menos exactamente o que entende por 'X', senão corremos o risco, mesmo involuntariamente, não sairmos de uma conversa de surdos ("pois, mas não era bem isso que eu estava a defender...").
A 'coisa' aqui interessa bastante mais que a 'palavra'.

Renato Carmo disse...

O 'X' da questão pretende saber se actualmente há algum modelo de política económica que se possa dizer de esquerda. O que me parece é que tirando uma série de medidas avulso nos sectores mais tradicionais (tipo segurança social, educação, saúde...), não é possível depreender uma política macroeconómica que se possa considerar progressista, ou seja, cujo objectivo primordial da sua acção é a resolução do problema das desigualdes sociais e da exploração económica.

Samir Machel disse...

Porque é que nao é possível????

Quanto ao programa de uma sociedade melhor está em debate no obitoque.com no artigo sobre a política de direita do sócrates...

Abracos,

Samir

Samir Machel disse...

aqui:

http://obitoque.blogspot.com/2007/04/polticas-de-esquerda.html

Hugo Mendes disse...

Ai as "políticas de direita"...isso faz-me lembrar o discurso do costume de alguns desde 25 de Abril de 1974...ainda tínhamos acabado como a Albânia...

Quanto às coisas mais sérias: o conceito de "exploração", Renato, temos que saber o quer dizer com isso, porque já ninguem leva o sério (tirando a tribo marxista ortodoxa); o conceito original marxista está intelectualmente falido; a sua tentativa de revitalização pelo marxismo analitico, muito mais sofisticado, nos anos 80, foi abandonada poucos anos depois. Nao acho que seja muito util à esquerda invocar a 'exploração'; quem o quiser fazer, entao tem que defini-lo bem, esse ónus recai sobre quem o propõe (como tambem já disse há uns tempos, a direita gosta bastante do conceito de 'exploração': a do mercado pelo Estado via extracçao de impostos).

Quanto à redução das desigualdades enquanto objectivo (mais que nobre e legítimo), ele não se atinge de um dia para o outro, e não acho q seja muito util levar a cabo esta discussao no abstracto. Uma politica de esquerda é forçosamente diferente no Bangladesh, na Turquia, em Portugal e na Suécia, etc.
Mas um principio será comum a todos: a redistribuição e a redução das desigualdades tem que ser vista de forma DINÂMICA: não se consegue com uma medida mágica, mas depende do crescimento REAL da economia, e consequentemente dos salarios, impostos, pensoes, etc. Essa economia de crescimento sustentável pode demorar muito tempo a construir, e é por isso que não seja justo que vejas medidas que estao a ser tomadas nas áreas social, educativa, da saude, etc., como intervenções a vulso. Elas fazem parte de uma estratégia de fundo de modernização da economia do país e dos seus serviços. Serão sempre vistas como medidas a vulso se nao olharmos para a estratégia de fundo; elas fazem parte da uma politica de esquerda de "supply-side" de fundo, e não vale a pena entrarmos aqui em "populismo económico", como se fosse uma questao de começarmos a aumentar salários, pensões, etc não tendo dinheiro para pagar nada disto; no nosso caso, porque se desperdiçou muito tempo e dinheiro, entrarmos numa trajectória de crescimento que permita a níveis de redistribuição decente vai demorar mais tempo do que devia.

A. Cabral disse...

(O marxismo analitico de Elster e companhia tb nao foi assim grande espingarda!) O conceito de exploracao tem sido muito reformulado nos ultimos 30 anos e mantem vitalidade para explicar conflito e evolucao social. Mas desde a queda do muro, enojaram-se palavras como marxismo ou luta de classes, ate imperialismo estava para ser suplantado pela "globalizacao" - a guerra do Iraque tratou do seu regresso.

Se bem entendo o Hugo, a politica tem que se subordinar ao crescimento economico. Acho que fica ai o discriminante de uma politica de esquerda para o seculo XXI. Tera de ser a esquerda a afundar o mito de que crescimento e' um bem em si, ou um bem para todos, ou sinonimo de bem estar.

A economia e' uma idealizacao conveniente, nao e' a sua totalidade, nem e' o seu maestro.

Hugo Mendes disse...

"O marxismo analitico de Elster e companhia tb nao foi assim grande espingarda!)"

Ao contrário da maioria das pessoas nestas coisas, Elster e companhia sao intelectuais sérios e quando percebem que as coisas não têm consistencia intelectual e sao indefensáveis, abandonam-nas.

"Se bem entendo o Hugo, a politica tem que se subordinar ao crescimento economico...A economia e' uma idealizacao conveniente, nao e' a sua totalidade, nem e' o seu maestro. "

Uma das coisas que Elster e companhia achava sem sentido era esta linguagem reificada "politica", "economia", "totalidade"...Isto às tantas não quer dizer nada, são conceitos e expressoes ocas, evocadas ritualmente, sem pensarmos seriamente o que elas significam e como de facto as relações entre as questoes politicas e economicas estao interligadas até ao tutano, e que uma não pode viver sem a outra. E quando pensarmos seriamente nelas, vemos que a sua interdepencia é tao grande q qualquer discurso de que uma é "maestra" da outra ou outras coisas do género não tem qq aplicação empírica.

"O conceito de exploracao tem sido muito reformulado nos ultimos 30 anos e mantem vitalidade para explicar conflito e evolucao social. Mas desde a queda do muro, enojaram-se palavras como marxismo ou luta de classes".

Pois, mas ainda não sei o quer dizer "exploração" senão no sentido vago e populista para "pregar aos convertidos"...

"Terá de ser a esquerda a afundar o mito de que crescimento e' um bem em si, ou um bem para todos, ou sinonimo de bem estar."

O crescimento não é sinónimo de bem-estar ou progresso, de facto - mas é na maior parte das vezes uma condição necessária, desde que seja qualitativamente cuidado. O que conta de facto é que tipo de crescimento somos capazes de construir. O não-crescimento não é uma opção séria. É que sem sem "crescimento" não há aumento de salários nem pensoes nem nada do que costumamos associar a bem-estar...Isto parece-me bastante simples...E quanto à esquerda "afundar" coisas, olhe que ela já afundou muitos países e milhoes de pessoas...Parece-me que as pessoas têm a memória curta...

A. Cabral disse...

E' um mundo de montros e fantasmas, paises falhados, Albanias...

Se Elster e companhia acharam esses conceitos vazios era porque os queriam reduzir a uma fundacao individualista e racionalista e portanto negavam o rasto historico e sociologico. Nesta conversa, nao vamos fingir que nao nos entendemos, que nao ha um uso corrente destes conceitos que ainda que indeterminados sao suficientemente fixos para este curto dialogo. A tentativa de atribuir uma falta de rigor conceptual ao meu argumento nao cola.

Nao creio que o crescimento seja pre-requisito para o aumento de salarios. Primeiro porque nao o garante - crescimento nao e' sinonimo de bem-estar social sem combate politico. Depois porque no curto prazo e' restritivo querer manter incolume a distribuicao entre o capital e o trabalho. E' como se todos os ganhos feitos pelo capital fossem justos e justificados mas sempre que o trabalho se arroga de uma parte maior do bolo decorre a anarquia e a decrepitude economica.

Hugo Mendes disse...

"E' um mundo de montros e fantasmas, paises falhados, Albanias..."

Olhe que os fantasmas de uns foram ou são a realidade de muitos. Qee haja pelo menos a seriedade de assumir isso. E depois do exage sério da história, que se faça o exame de consciência. É que caso contrário não se aprende nada de nada.

"A tentativa de atribuir uma falta de rigor conceptual ao meu argumento nao cola."

Estou desde o inicio desta discussao a pedir uma definiçao valida do conceito de "exploração" - e já agora de "imperialismo" etc. - e só vejo fumo...O ideologicamente correcto não chega - ou melhor, chega para pregar aos convertidos. E eles quando eles são poucos, entao tornam-se numa seita, e o dogmatismo - e a incapacidade de examinar a historia, os conceitos, etc. - aumenta mais e mais...

"Nao creio que o crescimento seja pre-requisito para o aumento de salarios".

A alternativa é a inflação e a desvalorização dos salários artificialmente aumentados...

"Primeiro porque nao o garante - crescimento nao e' sinonimo de bem-estar social sem combate politico. "

Não, não o garante: mas o tal bem-estar não se conquista com "combate político" (isto quer dizer o quê extactamente?), mas com cooperação inteligente entre capital e trabalho, de forma a criar circulos virtuosos para ambos. Será que o trabalho não percebe que depende muito mais do capital que o inverso?...

"E' como se todos os ganhos feitos pelo capital fossem justos e justificados"

Não evoquei nenhum conceito de "justiça" aqui. Estou ainda no domínio das políticas eficazes de esquerda. Correr com o capital não é uma política eficaz, é um tiro no pé. E há varios conceitos de justiça, alias bastante mais trabalhados à direita do que à esquerda, que durante décadas ficou paralisada em termos de reflexão normativa e de filosofia política porque para o marxismo isso era uma coisa burguesa e que a "história" resolveria.

"sempre que o trabalho se arroga de uma parte maior do bolo decorre a anarquia e a decrepitude economica"

Pois é, é isso mesmo! É que a anarquia decorre de o trabalho não poder dispensar a cooperação do capital. Agora, retire, se quiser, as conclusões deste facto n vezes provado ao longo da história.

A. Cabral disse...

Bem! Temos que falar em monosilabos para esquivar acusacoes de ideologia ou de conceitos indefinidos?

Talvez assim te agrade:
se a e' o indice de productividade Pl/L devido ao trabalho,
e r o valor da remuneracao ao trabalho P-Pc/L,
sendo Pc a remuneracao do capital, e P o produto total,
entao exploracao Ex ocorre quando a/r e' maior que 1.

Este conceito de exploracao nao serve? E' que quero mesmo criar "um circulo virtuoso" contigo mas nao estou a conseguir...

E ja agora se houver tempo podes mostrar, a teu lazer, como e' que a distribuicao da riqueza gera inflacao? Visto que 8% de desempregado nao e' pleno emprego em lugar nenhum do mundo.

Hugo Mendes disse...

Não, não se trata de monosílabos, é precisamente o contrário! Eu não pedi uma definição técnica, mas em português, claro e límpido. Entre a definição vaga e a sua tradução matemática há alguma que possa ser discutida sem recurso a fórmulas? É que a tecnicidade esconde o essencial, que é o argumento normativo. O "Capital" também está cheio de fórmulas e o essencial da questão não está nelas, mas nos pressupostos normativos de Marx.

"E ja agora se houver tempo podes mostrar, a teu lazer, como e' que a distribuicao da riqueza gera inflacao?"

O aumento dos salários sem equivalente no aumento da productividade gera inflação.
A redistribuição, per si, não gera, mas isso significa que 1) redistribuis sem aumentar o bolo, o que nao agrada necessariamente às classes média e alta; 2) e que significa que se optas pela redistribuição estática em vez da dinâmica estás a tirar todo o incentivo mais produz e/ou quem tem as rédeas dos meios de produção. Depois se eles fizerem greve de investimento, não se venham queixar do caos, do desemprego e da miséria!

"Visto que 8% de desempregado nao e' pleno emprego em lugar nenhum do mundo."

Olha que esse é um argumento perigoso, porque entre os paises que têm taxas de desemprego mais baixas (4%, 5%) são os paises de economia mais liberal. Os outros com valores comparaveis são os de matriz social-democrata, que há muito que perceberam que a cooperação com o capital e a criaçao do tal circulo virtuoso é a única politica economica de esquerda possivel e existente. Os que têm valores mais elevados - falo dos paises do universo OCDE, porque dos ex-comunistas que não fizeram a transição é melhor nem falar... - são aqueles onde os mercados de trabalho são mais rígidos (Alemanha, França, Itália)

Samir Machel disse...

"redistribuis sem aumentar o bolo, o que nao agrada necessariamente às classes média e alta."

Enquanto lhe continuar a ser rentável esta ficará. Nao penses que foge ao primeiro susto. Há sempre uma margem razoável de negociacao.

Mais discussao em:
http://obitoque.blogspot.com/2007/04/polticas-de-esquerda.html

Hugo Mendes disse...

"Enquanto lhe continuar a ser rentável esta ficará. Nao penses que foge ao primeiro susto. Há sempre uma margem razoável de negociacao."

Mas que claro que há...até parece que não sou eu o primeiro nesta discussão a dizer que uma negociação/cooperação inteligente é a única estratégia viável para o sucesso relativo de uma estratégia levada a cabo pelo trabalho perante o capital?...

Samir Machel disse...

Se implementasses algumas das medidas descritas aqui:
http://obitoque.blogspot.com/2007/04/polticas-de-esquerda.html

aumentaríamos o lucro. No entanto, porque é que o capital nao introduz por sua própria iniciativa? Ganharia dinheiro com isso! A maioria dos nossos capitalistas sao puros parasitas, pouco interessados em producao ou produtividade.

Mais do que cooperacao, a maioria deles precisa de braco-de-ferro. Até para um desenvolvimento capitalista seria positivo "desaparecerem" os chupistas que nao introduzem melhorias no sistema.

Hugo Mendes disse...

Desculpa, mas a minha paciência para este tipo de conversa estereotipada tem limites. É que não estamos na década de 1930.

Samir Machel disse...

ainda estou a espera que me respondas...

http://obitoque.blogspot.com/2007/04/polticas-de-esquerda.html

E nao digas que é de 1930, pois hoje aplica-se muito disto. Pois, o problema é que nao é em Portugal...