sábado, 21 de abril de 2007

A short story about a country (from the point of view of a political psychologist)

«- O Governo pretende fazer X. Perante a défice de A que temos, X é uma meta ambiciosa, mas essencial, não achas?
- Oh, A...então e o problema B?
- Então, mas espera...A é absolutamente essencial, é um problema que toca mais de metade da população, os mais pobres que, senão atingirmos X, irão continuar de certeza pobres para o resto da vida. O problema B é um problema de menor dimensão, relativamente ao qual já algumas coisas estão a ser feitas, e que terá toda a probabilidade de ser resolvido nos próximos anos, com a expansão da economia no sentido da procura dessas pessoas. Verdadeiramente importante é atacar A. A esquerda devia valorizar isso, não?
- A verdadeira esquerda não se contenta com isso. Isso são migalhas. Quando vocês querem atingir a meta X, nós propomos X+1; quando vocês querem a meta Y, nos colocamos a meta Y+1. Isso sim, é ser exigente e crítico.
- E ser verdadeiramente de esquerda é isso? Cada vez que um governo de esquerda propõe uma coisa, dizeres que isto não chega, ou que o problema é outro?
- Sim, claro, nunca me deixo apanhar.
- Então mas tudo se resume a isso? A não te "deixares apanhar"? Portanto, se o país precisa de política X, e mesmo que, pessoalmente, até reconheças, tu vais acabar por dizer que isso ou não chega ou que esquece alguém, mesmo que para isso tenhas que criticar uma política absolutamente essencial, e mesmo que isso acabe por contribuir, eventualmente, para um insucesso relativo da política?
- Sim, é isso mesmo, porque eu não sou dos teus, eu não me defino politicamente como um dos teus.
- Dos "meus"?
- Sim, porque eu me identifico com os fracos e oprimidos, tu és um burguês que pactua e beneficia do modo como este mundo é.
- Ah, percebi: então tu, por te definires como próximo dos fracos e oprimidos, vais sempre recusar, ou achar por definição insuficiente, qualquer política que melhore objectivamente a sua condição, só porque é proposta por alguém que, segundo a tua concepção, não se "identifica" com eles e não os "representa" realmente, é isso? E isto, imagino, para preservares a tua identidade política: para não te deixares associar, ou direi mesmo, contaminar pelos "meus"...Não achas que isto é hipocrisia?
- Espera lá....o que é que é hipocrisia?
- Colocares a defesa da tua identidade política à frente da defesa dos fracos e oprimidos...Porque é isso que está em causa aqui: mesmo que reconheças que esta proposta seja imprescindível para eles, o teu apoio a ela violaria o teu princípio de apoiares algo que não é proposto por um dos "teus"...
- Eu só acho que essa medida dá-lhes pouco. Isso são migalhas. É preciso ser exigente e querer melhor para eles.
- Eu também quero. Mas devias saber que, quando o elevador sobe, antes de chegar ao 10º andar, tem de passar primeiro pelo 5.º, e antes de chegar ao 5.º tem mesmo de sair do rés-do-chão!
- Isso é só conversa, são desculpas para não fazer mais.
- Ah, claro. Tens alguma proposta a fazer, alguma política alternativa?
- Por exemplo, podíamos fazer K, que seria verdadeiramente de esquerda.
- Ah, portanto saltar directamente para o 10.º andar sem passar pelos andares de baixo! Tu achas que isso faz algum sentido, que isso é verdadeiramente possível?
- Só não implantas porque não queres, tu e os teus amigos capitalistas.
- Portanto tudo se resume a isso, a falta de vontade e de bondade, não é?
- Não só, mas também por incompetência.
- É espantoso como passas lições de correctude moral e julgamentos sobre a maior ou menor capacidade para concretizar coisas quando a tua identidade política se define precisamente por não sujar as mãos, por te distinguires sempre dos que, por obrigação, são, passe o pleonasmo, obrigados a fazê-lo.
- Não vejo onde esteja a incoerência.
- Aqui não existe nenhuma. Isto é totalmente previsível; estamos afinal de contas no domínio do incentivo à irresponsabilidade: como sabes que nunca terás obrigações para nada, podes propor ou prometer este mundo e o próximo. A única incoerência ficou "congelada" lá atrás, mas é bem real: é que colocas a defesa da tua identidade política à frente do bem-estar dos que dizes defender.
- Estás a desconversar.
- Não, não, estou mesmo no ponto-chave da conversa. Mas admito que uma vez colocada esta questão a nu, a conversa futura fique bem mais difícil.»

5 comments:

Miguel Madeira disse...

"Portanto, se o país precisa de política X, e mesmo que, pessoalmente, até reconheças, tu vais acabar por dizer que isso ou não chega ou que esquece alguém, mesmo que para isso tenhas que criticar uma política absolutamente essencial, e mesmo que isso acabe por contribuir, eventualmente, para um insucesso relativo da política?"

A questão é se dizer "X não basta, é preciso X+1" vai tornar mais difícil atingir X - até se pode argumentar ao contrário: que a existência de uma oposição a exigir "X+1" pode ser um incentivo ao governo para se esforçar no objectivo X, para "proteger o flanco esquerdo".

Claro, também é conveniente que os defensores do "X+1" evitem usar a mesma retórica que os defensores do "X-1" (como, efectivamente, por vezes acontece)

Renato Carmo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Renato Carmo disse...

Hugo, começo a não te entender. Afinal quem é que queres convencer? Pretendes convencer os dirigentes do BE a tranformar o seu partido radical e populista num partido de governo? Parece-me essa missão um tanto suicidária. É claro que será sempre mais fácil ser de esquerda na oposição, como, aliás, acontece na direita. A direita populista jamais poderá transformar-se num governo decente, e eles sabem disso, viu-se o que aconteceu com Portas e Santana.
É essa a tua missão: institucionalizar a esquerda populista?
Não percebo a tua surpresa relativamente à posição fácil e, em certa medida, hipócrita de uma esquerda que viveu e vive eternamente do protesto.
Mas também te digo, a diferença face a essa esquerda não pode ser só uma campanha. Porque nesse tabuleiro perderás sempre.

Oscar de Lis disse...

Concordo plenamente com o Miguel Madeira nas suas reflexões. É necessário que existam vários grupos políticos na oposição, em todas as tendências, de modo a lembrar a quem esteja no governo as suas próprias linhas teóricas. Como quer que seja, X+1 não tem necessariamente que ser populista. Aí radica a questão final: achar uma esquerda real, nem populista nem incapaz de trabalhar no terreno do prático.

Renato Carmo disse...

Concordo, e este blogue tenta de certa maneira contribuir para essa 'esquerda real', apesar das diferentes perspectivas internas. Infelizmente, não a encontro em nenhum dos actuais partidos, embora ache que em cada um existem pessoas e propostas responsáveis que poderiam contribuir para o desenvolvimento mais sustentável do país. Por exemplo, ao nível do desenvolvimento regional e agrícola, do ambiente, cidades,etc. Temas que tendem a ser descurados, mesmo aqui no peão, e que em meu entender são tão importantes como a questão da qualificação da população.