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quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Concurso de tiros no pé III (ou a esquerda francesa num impasse)

Continuando o post anterior... Lionel Jospin, no seu "L'Impasse" também faz várias críticas bastante válidas, e equitativamente distriuídas. À direcção PSF critica não ter escolhido a sua candidata mais cedo. Efectivamente a escolha dos militantes foi provavelmente determinada mais pelas sondagens do que pelo debate interno. Se a escolha tivesse sido feita um ano antes, ou mais, os militantes não se teriam baseado em sondagens a uma tão longa distância das eleições, teria ficado mais espaço para o (verdadeiro) debate, e - acrescento eu - teria ficado mais tempo para a candidata preparar um projecto eleitoral sólido. A François Hollande critica não ter sido ele própio nem candidato, nem líder do PSF. Aquele que foi o secretário geral do PSF durante 10 anos deveria ser o líder e candidato natural do partido. François Hollande presidente é uma ideia que ninguém, nem o próprio, leva a sério. Constata-se afinal que Hollande foi conseguindo manter-se na sua posição com a estratégia da rolha: limitou-se a manter-se à tona, distribuindo cadeiras pelos elefantes para conseguir um equilíbrio de forças no PSF que agrade a todos. Criou uma situação que não serve a ninguém (acho que esta última frase é mais a minha opinião que a do Jospin). E finalmente a crítica mais certeira a Ségolène Royal é a de não ter apetência para o debate político. Apesar de ter um projecto político, o pacto presidencial, Royal foi tentando fazer campanha com soundbytes que na realidade não querem dizer nada. A "ordem justa" ou a "fórmula todos ganham" (formule gagnant-gagnant, no original) são sloogans que qualquer um à direita ou à esquerda poderia adoptar. Alguém proporia uma "ordem injusta"?, ou uma "fórmula uns-ganham-outros-perdem"? Sarkozy pelo contrário atira-nos com "trabalhar mais para ganhar mais", que encerra em si mesmo todo um projecto político, neo-liberal de direita obviamente. Sarkozy não tem sloogans, muito menos soundbytes, tem o que falta a Ségolène Royal: retórica. Sarkozy fez o que muitos à esquerda não fazem (embora alguns conseguiam até ganhar eleições), simplesmente tinha um projecto político, e defendeu-o com argumentos. Se a esquerda não entrar nesse terreno, dificilmente ganhará eleições.

Jospin dedica ainda algumas linhas a Sarkozy, certeiras, mas nada de novo. Igualmente para a esquerda da esquerda, denuncia - e bem - uma esquerda que não quer o poder, que se contenta com estar na oposição e não ter que governar para não ter que por à prova aquilo que defende (os Verdes, ou a LCR de Olivier Besancenot), ou uma esquerda que vive cristalizada no passado e que nunca será alternativa de poder (o Partido Comunista, ou a Lute Ouvrière). Mais uma vez certeiro, mais uma vez nada de novo.

Lamentavelmente, é preciso chegar ao último capítulo para Jospin entrar no debate ideológico, e naturalmente muito ao de leve. Pisca o olho à Social-Democracia, ao mesmo tempo que diz que em França dificilmente seria possível. E eu bem gostaria de saber qual é afinal a diferença entre socialismo e social-democracia. Fala também de uma aliança alargada à esquerda, e novamente mais do que razões ideológicas a sua motivação é simplesmente estratégica, e os seus argumentos são mais de ordem histórica. Evoca a sua própria experiência de primeiro-ministro e sobretudo o exemplo de Mitterand, e é verdade que desde o pós-guerra a esquerda francesa só conseguiu estar no poder com base em alianças. E nunca, ao longo de todo o livro Jospin faz propostas políticas concretas (embora por vezes se dedique ao auto-elogio do seu tempo de primeiro-ministro). Medidas que seriam pertinentes em economia, desenvolvimento, educação, solidariedade social, segurança, etc...: nada, zero, nunca são abordados. Aquilo que seria afinal realmente importante debater acaba por ser secundário ou simplesmente deixado de fora. Jospin acaba por dar razão aos que o criticam o livro por ser um mero ataque a Ségolène Royal. Discute pessoas, discute forma, mas conteúdo nem por isso.

Ségolène Royal por seu lado, conseguiu estar bem pior do que Jopin. A sua reacção ao livro de Jospin foi posar em Jeanne D'Arc, citar o Cristo na cruz e acusar os seus detractores de uma misoginia comparável ao racismo (ver aqui e aqui). Se Jospin se dedica a discutir a parte que menos interessa da questão política, Royal na política nem toca, torna a o debate numa não-discussão. Não responde sequer às críticas que lhe são feitas, que - concorde-se ou não com elas - são legítimas de de ordem política. Diga-se que nunca em momento algum Jopin critica a sua condição de mulher, pelo contrário, diz até que seria bom para a França uma presidente, nada no seu livro revela misoginia (a não ser que se lhe mova um processo de intenções baseado em algo que ele não diz). Royal acaba por dar razão a Jospin quando diz que ela não gosta do debate político. E a verdade é que o contributo de Ségolène Royal para o debate da esquerda depois das eleições foi nulo. Ainda não se lhe ouviu uma ideia, uma reflexão, um projecto político, nada. Por outro lado aparece na capa de revistas cor-de-rosa com frases do género (cito de cor) "Não tenho o direito de me deixar abater", mesmo a puxar a lagrimazinha. E lança agora um livro com o sugestivo título "Ma plus belle histoire, c'est vous" (A minha mais bela história, sois vós), mais uma vez a puxar ao sentimento. Hélas, estamos a falar de política, e em política um livro "mais bela história" no título é no mínimo bizarre. Consta que ataca tudo e todos, até os centros de sondagens, culpados da sua derrota. Esse livro não vou ler. A simpatia que tinha por Ségolène Royal foi-se toda... E estam(os) num impasse, para que lado se deve a esquerda francesa voltar?

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Concurso de tiros no pé II (ou a esquerda francesa num impasse)

Este post arrisca-se a ser mais um exercício de flagelação da esquerda francesa. Já que li o livro "L'impasse" de Lionel Jospin - dir-se-ia que não mais que fazer - aproveito para escrever um post. O título do livro não podia ser mais feliz, a esquerda francesa está de facto num impasse, e parece caminhar alegremente para o desastre, consciente disso (que é o pior). Parece-me que o estado actual da esquerda francesa é um excelente balão de ensaio a que toda a esquerda europeia devia prestar atenção. Perante uma direita forte que está confortavelmente no poder, o futuro da esquerda francesa depende da capacidade de se questionar e - principalmente - de se reconstruir.
O impasse da esquerda é entre o PSF e a extrema-esquerda. O PSF entretém-se com danças de cadeiras, discute-se pessoas e não política, nunca se refez do desastre eleitoral de 2002, e a sua existência tem-se limitado a adiar a renovação (das ideias, mais do que das pessoas). A extrema-esquerda, fragmentada, não quer o poder, ou vive demasiado desligada da realidade para ser uma alternativa real de poder. Estando a direita, com Sarkozy, no poder para os próximos cinco anos, com presidente e maioria, é uma boa altura para a esquerda entrar num debate profundo, com tempo.

Lionel Jospin constata isso mesmo e publica o seu livro passadas as eleições presidenciais e legistativas, visando contribuir para o debate no PSF e na esquerda. Lionel Jospin, revela-se afinal ele próprio parte do impasse que denuncia. Depois de ler esta crítica esperava o pior, ainda assim decidi-me a ler o livro. Não foi tão mau quanto eu pensava, tenho sentimentos ambíguos relativamente à posição de Jospin. Jospin tendo perdido miseravelmente as eleições de 2002, "deixando" Le Pen passar à segunda volta, quando tinha tudo para ganhar, não aparece muito bem colocado para dar lições. No entanto tem direito à sua opinião, que deve ser julgada por si mesma e não pelos resultados eleitorais passados do seu autor. Mas a primeira crítica que posso fazer ao livro não é Jospin ter perdido as eleições, mas de nunca assumir as suas responsabilidades nessa derrota, não aprendeu nada com ela. Diz várias vezes que assume as suas responsabilidades, mas quando se trata de concretizar o único que erro que reconhece é ter substimado a dispersão dos votos à esquerda (como se essa dispersão de votos não tivesse nada que ver com a sua incapacidade de os atrair para si), e de resto a culpa é de todos os outros, sobretudo à esquerda. Outro erro do livro é o tempo dedicado a analizar a derrota de Ségolène Royal, um capítulo - dois, vá - sobre o assunto compreende-se, mas sete (!) em onze, 77 páginas em 132, é um pouco demais. Sobretudo quando não há um mínimo de debate ideológico, apenas e só críticas à estratégia de campanha de Ségolène Royal (muito embora várias dessas críticas sejam bastante válidas). Das críticas de Jospin com que não concordo deixo algumas. Jospin critica Royal por levar o debate para fora do partido socialista, em particular para a internet (com o seu site "Désirs d'avenir"); Jospin não percebeu o que é a democracia participativa e tem do partido uma visão que não desdenharia aos mais ortodoxos militantes do PCP. Jospin insurge-se contra o termo "elefantes" para designar os elefantes do PSF, desqualificando-o como falta de respeito; Jospin foge a abordar o verdadeiro problema, os elefantes existem, são os chefes de clã de um PSF divido em facções em que a única coisa que importa é o ego. Jospin diz que os elefantes até ajudaram Ségolène na campanha, e que é ela quem é ingrata quando os acusa de não a apoiarem e de a sabotarem; não sei se aqui Jospin peca por cegueira ou por desonestidade. O principal argumento de Jospin é que as condições eram favoráveis para uma vitória da esquerda porque a esquerda vinha de resultados eleitorais positivos e a direita que estava no poder era impopular; Jospin faz por ignorar que as eleições regionais e europeias são a feijões, minimiza o resultado do referendo à constituição europeia que dividiu internamente o PSF, e faz tábua rasa do talento de Sarkozy (reconheça-se) que conseguiu aparecer como o unificador da direita ao mesmo tempo que se demarcou da governação de Chirac, embora fosse seu ministro. As condições não eram de todo favoráveis à esquerda.

Continua...