domingo, 30 de setembro de 2007

O preço da democracia

Por um motivo qualquer este blogue tem se esquivado a comentar assuntos políticos, talvez porque uma certa política (a dos debates e discussão de ideias) se tornou quase inviável e invisível, mesmo na blogosfera. As últimas eleições directas no PSD são um sintoma disto mesmo. A política deixou quase de existir... Luís Filipe Menezes foi eleito líder do partido sem se conhecer uma ideia sobre a direita que representa. De qualquer modo, isso não será muito diferente do que se passa no maior partido português, no qual também não se vislumbra uma ideia sobre que esquerda defende. Tal como Sócrtates, que apregoa aos quatro cantos a esquerda moderna, também Menezes pode apelidar-se como o representante da direita ou, melhor, do centro-direita moderno. A modernidade é usada como uma espécie de cobertura ao vazio ideológico, que não significa rigorosamente nada. Contudo, apesar de tudo isto, uma coisa é certa: a democracia venceu no PSD, Menezes foi eleito pelo povo do partido e assim é que deve ser. Não percebo agora aqueles que criticam as directas face ao modelo espalhafatoso dos congressos. O povo do PSD votou em Menezes, como o de Lisboa votou outrora em Santana e o do país votou em Cavaco e em Sócrates. A vitória de Menezes é tão legítima e merecida como a de qualquer outro político. Achar que em certos sectores da política - como nos partidos - a democracia pode representar um trampolim para o populismo, é uma ideia perigosa. Tal como não é concebível uma democracia sem partidos, também não deverá ser concebível existirem partidos sem democracia interna.

A teimosia do dialeto caipira

Antes da descoberta do Brasil se falavam por aqui aproximadamente mil línguas diferentes, resultado da diversidade indígena existente na época. Depois do descobrimento, porém, foi estabelecido (de meados do século 16 ao 17) que a língua geral ou nheengatu [1] seria usada para facilitar a comunicação entre índios e brancos. Foi do nheengatu, com inclusão de palavras africanas, espanholas e portuguesas (devido à unificação das coroas portuguesa e espanhola, de 1580 a 1640) que nasce o dialeto caipira.

Com a passar do tempo, a língua geral torna-se a única forma de comunicação entre índios, mamelucos, brancos e negros. Mais tarde, são os jesuítas e os bandeirantes [2] que a espalharam por quase todo o território brasileiro, o que levou a Coroa Portuguesa legalizá-la, em 1689, tornando-a língua oficial. É justamente essa expansão que será o motivo principal da sua proibição, em 1758, quando Marquês de Pombal decretou o fim de qualquer outra forma de comunicação no Brasil que não fosse a língua portuguesa, pois o português é naquela altura apenas usado como língua do governo em situações administrativas e falada por um pequeno número de pessoas

Tarde demais, pois apesar de combatido no litoral e nas cidades próximas a ele, o dialeto caipira se alastra por quase todo interior paulista e outras regiões brasileiras, e viria a se constituir na expressão mais evidente do profundo processo de mudança que afetou a língua portuguesa do Brasil: "(...) A instrução e a educação, hoje muito mais difundidas e exigentes, vão combatendo com êxito o velho caipirismo, e nãonada tão comum como se verem rapazes e crianças cuja linguagem divirja profundamente da dos pais analfabetos", disse Amadeu Amaral (1920: 12-3).

Além desse fenômeno observado por Amaral, a discriminação urbana ao “caipirismo” foi inegavelmente uma grande arma contra o avanço do dialeto, mas não tão poderosa a ponto de destruir completamente a sua influência, que resiste até hoje em alguns lugares de São Paulo e Minas Gerais. Outra interferência marcante na língua coloquial falada no Brasil foi a dos imigrantes. Após a independência brasileira e posterior abolição da escravatura, a mão-de-obra escrava na lavoura foi substituída pela do imigrante, principalmente a italiana, que também deixou a sua marca em muitas regiões brasileiras.

Assim, o considerado “falar errado” de muitos brasileiros não é a rigor errado. Trata-se, porém, de uma outra língua, fruto de seu contexto histórico que desencadeou todo o processo de miscigenação, fenômeno que leva muitos filólogos estrangeiros a considerarem o Brasil um país bilíngue ou até plurilinguístico. Ou seja, apesar de supostamente soterrado, o dialeto caipira teima em fazer parte do dia-a-dia das pessoas de baixa escolaridade como herança de todo o processo histórico brasileiro.

PS: Entre as muitas diferenças do dialeto caipira e a língua portuguesa falada no Brasil, destaco aqui as mais corriqueiras e que sobrevivem até os dias de hoje. Como os índios tinham dificuldade em pronunciar determinadas palavras, principalmente as formadas por “lh” e as terminadas em “l” e “r” , cometiam os seguinteserros”: (lh) mulher = muié, colher = cuié, filho = fiio; (l) animal = animá, quintal = quintá; (r) – neste caso, consideram-se os verbos no infinitivocomer = comê, beber = bebê, dormir = dormi, falar = falá. as terminadas em om, em muitos casos o som muda para “ão”, como é o caso de bom = bão, som = são. Veja aqui estudo completo de Amadeu Amaral. E vai também uma pérola de Oswald de Andrade, retirada de seu livro de poesia Pau-Brasil (1925):

Relicário

No baile da Corte
Foi o Conde d'Eu quem disse
Pra Dona Benvinda
Que farinha de Suruí
Pinga de Parati
Fumo de Baependi
É comê bebê pitá e caí

............

[1] Língua que se originou de uma língua do tronco tupi falada no litoral brasileiro por vários povos indígenas. Ao contrário do que se imagina, ela não foi criada pelos jesuítas. Coube a eles somente regulá-la pela gramática da língua portuguesa.

[2] Homens (paulistas) que se introduziram no sertão do Brasil, movidos pelo desejo de encontrar jazidas de metais preciosos e outras riquezas. Foram responsáveis pela expansão do território brasileiro, conquistando terras que pertenciam a Espanha, como Goiás, Mato Grosso, grande parte de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina. Eram também responsáveis pela captura de índios que seriam vendidos como escravos aos colonizadores portugueses.

Nb: Na imagem, um caipira caracterizado.

Feiras do vinho, antes que venha o S. Martinho

É isso mesmo, as feiras do vinho aí estão de novo, para regalo dos apreciadores e alívio das bolsas. Duram 3-4 semanas, e as primeiras arrancaram na 2.ª feira passada.
Tal como nos anos anteriores, a do hipermercado Jumbo é a melhor, não só em termos de relação qualidade-preço como de diversidade da oferta. Segue-se a do El Corte Ingles, mas esta pela qualidade da oferta e por ter alguns bons vinhos em exclusivo. E também pela ideia, na inauguração, duma prova de vinhos, com acepipes: queijinhos da serra, presunto fatiado...
Como de costume, as regiões do Douro e Alentejo são as melhor representadas. Assim pede o público e a crítica. O Tinto da Talha Grande Escolha já cá canta, bem como outras preciosidades.
Por mim, compro democraticamente um pouco de cada, incluindo Trás-os-Montes, Dão, Beiras, Ribatejo, Estremadura, Bucelas e Palmela-Sado.
A Bairrada vai ficar para a próxima visita, aconselharam-me os Quinta de Baixo, de João Alberto Póvoa , tanto tinto como branco. Também dizem bem do tinto FP Ensaios 2005, de Filipa Pato. Vale ainda a pena o Casa Sarmento, que faz os gostosos vinhos adamantes, estes só disponíveis em loja própria (CC Colombo ou no CC Vasco da Gama).
Então, boas compras!
Nb: imagens de Joshua Benoliel e de António Passaporte (ambas do AFML).

sábado, 29 de setembro de 2007

Rescaldos

Pouco percebo de tácticas de futebol, contudo, julgo que o empate do Benfica com o Sporting nesta noite se deveu a falta de ousadia do treinador Camacho.
Explico-me melhor: a equipa estava bem escolhida, excepto Di Maria, que devia ter trocado com Cardoso. Este ia para avançado-centro e, assim, o Benfica mostrava de início maior poder atacante. Depois de golo marcado, podia então entrar Di Maria e jogar em contra-ataque, tem jogadores também para isso. Retorquir que Cardoso está em quebra é mal visto pois Di Maria não está melhor que aquele.
Ambos os treinadores pareceram estar em contenção, a jogar para não perder, esquecendo de apostar tudo na vitória. Sendo que, para o Benfica, o empate soube a derrota, pois estava atrás do Sporting, jogava em casa e precisava de não se distanciar ainda mais do topo.
A ver vamos se Camacho corrige este tipo de falhas. O Benfica é uma equipa de ataque, fica-lhe mal esta roupagem de contenção.

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Miguel Torga e o substrato común da fantasía literaria nos dous? lados da "Raia"




Creo que foi aló polo terceiro ano do ensino secundario no Instituto San Tomé de Freixeiro de Vigo (Galiza), no hoxe para min lonxanísimo curso académico de 1992/1993. Foi entón cando os alumnos/as da asignatura de Lingua Galega coñecemos ó Miguel Torga. O bendito “culpable” daquel descobrimento foi un profesor chamado Miguel Doiro, que se debatía entre unha decidida paixón pola literatura (que ás veces conseguía transmitirnos) e a certeza da desolación de ter que lidiar a diario cun grupo de alumnos e alumnas incapaces de pensar máis aló do que “quererían” facer na tarde – noite do sábado seguinte. Pois si, Miguel Doiro decidiu aquel ano que Bichos de Miguel Torga había ser un dos libros de lectura obrigatoria (as peores das lecturas posibles) dun trimestre. Se non lembro mal, el chegara a Torga a través dun amigo xornalista e escritor, nin máis nin menos que o Manuel Rivas, co que compartía por entón esforzados traballos nunha organización que pelexaba pola normalización lingüística do galego (todo un “paradoxo habitual” isto de ter que normalizar uhna lingua no seu propio territorio de orixe. ¡Cousas de Galiza e de galegos!).



Teño unha memoria moi difusa de Bichos, non sei ben, algo así como de relatos que remitían a fábulas e contos populares (supoño que trasmontanos). Tamén paréceme lembrar que o libro (en realidade unhas fotocopias) que manexabamos daquela, estaba ilustrado, isto non o sei con seguridade, polo propio autor. En todo caso, recordo que me gustara moito e que estimulara as miñas adormecidas conexións neuronais e, sobre todo, que os seus relatos tiñan para nós algo de “familiaridade” ou, cando menos, non nos resultaban alleos. Non volvín ler a Miguel Torga, mágoa, mais varios bos amigos lusos faláronme nos últimos tempos tanto da súa obra, en particular dos seus Contos da Montanha, como do seu activismo político como opositor ó Estado Novo.



Este verán volvínme atopar co poeta e narrador de Sao Martinho de Anta. Foi o día 22 de agosto nas páxinas da edición galega de EL PAÍS, nunha noticia redactada por Daniel Salgado na que se informaba sobre unha exposición colectiva de caricaturas na Casa da Xuventude de Ourense co galo de conmemorar o centenario do nacemento do médico Adolfo Correia Rocha (Miguel Torga no universo do negro sobre branco). O máis estimulante da nota eran os comentarios e reflexións de Manuel Rivas sobre Miguel Torga e sobre a escasa presenza do tan próximo (xeográfica e culturalmente falando) Sur de Galiza na obra do escritor trasmontano. Para Rivas, facendo unha brincadeira: “Torga non tiña que falar de Galiza (…) porque en realidade el era galego, galego da fronteira” ou (máis interesante): “Entre Torga e algúns escritores galegos, máis que influencias, hai unha materia matricial, un polen, común (…) esa mestura de sutileza e de dureza como a propia torga (xesta en galego), dos ‘Contos da Montanha’ ou dos ‘Novos Contos da Montanha’ actúa do mesmo xeito en ‘Dos Arquivos do Trasno’ de Rafael Dieste ou en ‘Os Biosbardos’ de Eduardo Blanco Amor”.

A cozinha

A cozinha é um espaço em perpétua mutação. Arruma-se e desarruma-se várias vezes por dia. E é tão fácil sujar uma cozinha: qualquer reles refeição enche o lava-loiça. O fogão fica sempre numa lástima. A toalha de mesa transforma-se todos os dias numa pintura abstracta cheia de cores diversas, composta pelas mais variadas texturas, sobretudo, do lado dos pequenotes. E o chão… o chão nem vale a pena falar. Sujar não só é fácil, como dá um certo prazer. Gosto de cozinhar, é uma tarefa que não me importo realizar todos os dias. A composição de um prato acaba por ser um acto de recriação, que aprecio. Às vezes exagero na imaginação e a coisa nem sempre corre bem. Mas é esse o desafio: fazer com que os ingredientes entrelacem entre si e formem um todo harmonioso, que saiba bem.
Já limpar a cozinha é uma chatice. Os restos amontoam-se no caixote do lixo e alguns despojos teimam em agarrar-se aos tachos e, também, aos pratos, aos copos, às travessas, aos talheres…. Metade da loiça não pode ir para a máquina. Por isso, às vezes, dá mais trabalho separá-la e passá-la por água do que lavá-la e esfregá-la todinha no lava-loiça. Mas o prior de tudo é limpar o fogão. Por mais que se limpe parece que a gordura nunca sai. Não há pachorra para o fogão. Que se lixe o fogão! Em certos dias nem olhamos para ele, fica para ali a um canto à sombra da chaminé. Na verdade, em certas alturas dá mesmo vontade de fechar a porta da cozinha, trancá-la a cadeado e nunca mais voltar.

Portugal é tão GRANDE

E a distância máxima é só de 17 kms...

*Imagem chegada por email.

Oliviero Toscani, quem mais...?


Oliviero Toscani, o fotógrafo italiano que ficou conhecido uso de imagens de choque na publicidade para a Benetton, lançou agora mais uma campanha, para outra marca de roupas. Desta vez o tema é a anorexia, o efeito é o mesmo de sempre.

P.S. - Por acaso vi uma reportagem sobre a produção desta imagem, e a mulher que é fotografada está perfeitamente consciente das implicações da campanha, e é consentânea. Para ela é uma parte do tratamento da anorexia, e uma forma de chamar a atenção para o problema, sem tabus.

Solidariedade com a população da Birmânia

Na primeira página dos principais jornais da manhã: a repressão policial (com disparos contra os manifestantes e espancamentos brutais) sobre milhares de civis que se manifestavam pacificamente em Rangum, apoiando a oposição dos monges budistas à ditadura militar, que se mantém no poder na Birmânia há cerca de 20 anos.
Não podemos dizer que não sabemos!

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

O Original

Depois de descobrir a excelente Sarah Jones, fiz uma pequena pesquisa sobre Gil Scott Heron (a quem Sarah Jones dedica a sua revolução). Não tenho palavras, encontrei isto:


"The revolution will not be televised" de e por Gil Scott Heron

You will not be able to stay home, brother. You will not be able to plug in, turn on and cop out. You will not be able to lose yourself on skag and skip, skip out for beer during commercials, because the revolution will not be televised.
The revolution will not be televised. The revolution will not be brought to you by Xerox, in 4 parts without commercial interruptions. The revolution will not show you pictures of Nixon blowing a bugle and leading a charge by John Mitchell, General Abrams and Spiro Agnew to eat hog maws confiscated from a Harlem sanctuary. The revolution will not be televised.
The revolution will not be brought to you by the Schaefer Award Theatre and will not star Natalie Woods and Steve McQueen or Bullwinkle and Julia. The revolution will not give your mouth sex appeal. The revolution will not get rid of the nubs. The revolution will not make you look five pounds thinner, because the revolution will not be televised, Brother.
There will be no pictures of you and Willie May pushing that shopping cart down the block on the dead run, or trying to slide that color television into a stolen ambulance. NBC will not be able predict the winner at 8:32 or report from 29 districts. The revolution will not be televised.
There will be no pictures of pigs shooting down brothers in the instant replay. There will be no pictures of pigs shooting down brothers in the instant replay. There will be no pictures of Whitney Young being run out of Harlem on a rail with a brand new process. There will be no slow motion or still life of Roy Wilkens strolling through Watts in a Red, Black and Green liberation jumpsuit that he had been saving. For just the proper occasion.
Green Acres, The Beverly Hillbillies, and Hooterville Junction will no longer be so damned relevant, and women will not care if Dick finally gets down with Jane on Search for Tomorrow because Black people will be in the street looking for a brighter day. The revolution will not be televised.
There will be no highlights on the eleven o'clock news and no pictures of hairy armed women liberationists and Jackie Onassis blowing her nose. The theme song will not be written by Jim Webb, Francis Scott Key, nor sung by Glen Campbell, Tom Jones, Johnny Cash, Englebert Humperdink, or the Rare Earth. The revolution will not be televised.
The revolution will not be right back after a message about a white tornado, white lightning, or white people. You will not have to worry about a dove in your bedroom, a tiger in your tank, or the giant in your toilet bowl. The revolution will not go better with Coke. The revolution will not fight the germs that may cause bad breath. The revolution will put you in the driver's seat.
The revolution will not be televised, will not be televised, will not be televised, will not be televised. The revolution will be no re-run brothers; The revolution will be live.

Peões, peonetes e santanetes

Está aí escrito do lado direito do écran: Identidades partilhadas.
Aqui somos todos peões mas também peonetes uma vez que o género é uma forma simbólica de acção pública: Hoje sou peão e peonete. Hoje não sou Santana, mas sou santanete!

Os emigrantes do vulcão

O vulcão dos Capelinhos, situado na Ponta dos Capelinhos, na ilha do Faial, Região Autónoma dos Açores, entrou em erupção faz hoje 50 anos e manteve-se em actividade até Outubro de 1958.
A erupção deixou milhares de pessoas sem casa. O senador norte-americano John F. Kennedy, do Estado de Massachusetts (que viria a ser Presidente dos EUA) e o senador John O. Pastore, de Rhode Island, mobilizaram-se em favor das vítimas e propuseram o Azorean Refugee Act. Kennedy encabeçou o movimento em Washington, conseguindo 2000 vistos entre 1958 e 1962 para chefes de famílias do Faial imigrarem para os Estados Unidos. Nos anos seguintes, muitos mais se lhes juntaram. O Prof. Onésimo Almeida (Brown Univ.) considera que "a erupção dos Capelinhos deu a conhecer a Kennedy como as leis de imigração eram discriminatórias para os europeus dos países de sul", motivando-o a mudar a legislação (vd. o artigo de Luís Filipe Dias aqui).
Orlando Ribeiro que, na sequência da erupção do vulcão, tinha sugerido a ida dos camponenses sinistrados para os colonatos recém-criados em Angola e Moçambique, refere que aqueles, após um ano no colonato do Limpopo, exigiram o repatriamento. Explica que no Faial existe “talvez a sociedade mais democrática do território português, onde as relações humanas são simples e cordiais, destituídas de qualquer forma de subserviência”, por isso os faialenses que foram para o Limpopo “não se adaptaram à disciplina reverente e ao baixo nível de vida a que estariam condenados” (A colonização de Angola e o seu fracasso, Lisboa, INCM, 1981, p. 187).
Nos EUA, pelo contrário, os naturais do Faial encontraram terreno mais propício à sua livre iniciativa e por lá prosperaram.
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Imagens retiradas
daqui (Orlando Ribeiro, 1958) e daqui.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Estreias

Amanhã, dia 27 de Setembro, estreia o filme FAY GRIM de Hal Hartley, ao mesmo tempo que a Midas Filmes começará a editar a sua "Colecção HAL HARTLEY" em DVD.
Para além da estreia do filme nos cinemas, serão lançados em DVD, também no final de Setembro, os filmes A INCRÍVEL VERDADE / The Unbelievable Truth (primeira longa-metragem de Hartley); TRUST- UMA QUESTÃO DE CONFIANÇA/ TRUST (o filme que revelou entre nós o realizador), e A RAPARIGA DE MONDAY/ The Girl From Monday , inédito em Portugal.
Estas edições contam com uma entrevista exclusiva com o realizador, gravada aquando da sua passagem por Lisboa (e feita por Jorge Mourinha e João Lisboa), making ofs, e duas curtas metragens (Theory of Achievement e Ambition), para além de imagens e biofilmografia.
Em Dezembro, a Midas dará continuação à edição do integral da obra do cineasta americano com a edição de 4 DVDs com os filmes HOMENS SIMPLES/ Simple Men, o filme que consagrou definitivamente Hal Hartley entre nós, FLIRT, um tríptico passado nas cidades de Nova Iorque, Berlim e Tóquio, HENRY FOOL, que recebeu em Cannes, em 1998, a Palma para Melhor Argumento, e, finalmente, um DVD com um conjunto de curtas e médias metragens de Hal Hartley.
(Texto da Midas Filmes -
http://www.midas-filmes.pt/)

terça-feira, 25 de setembro de 2007

O trigo e o joio

O saneamento financeiro da Câmara Municipal de Lisboa vai também passar por um corte de 30 % nas avenças e contratos individuais de trabalho dos mais de mil trabalhadores da CML em situação precária (conforme noticia o Público de hoje).
Estes trabalhadores entraram na CML por convite. Salvo raríssimas excepções, não se submeteram a concurso em pé de igualdade com outros candidatos. Não obstante, entre estes mais de mil trabalhadores há casos muito diferentes.
Há colaboradores a recibo verde há vários anos (oito, nove, dez anos!) que são altamente qualificados, competentes, dedicados, cumpridores, suprem necessidades efectivas dos serviços e honram a CML com o trabalho que desenvolvem em benefício da instituição, da cidade e dos munícipes. Muitos dos funcionários do quadro nem se equiparam a estes "recibos verdes".
Há colaboradores a recibo verde há alguns ou há vários anos que acumulam a sua prestação de serviços na CML com um emprego (nalguns casos, um emprego público!); donde, a sua produtividade, com sorte, ronda a de um part-time.
Há colaboradores a recibo verde há muitos e há poucos anos que não são altamente qualificados, nem especialmente competentes, dedicados ou cumpridores. Entraram a convite de alguém bem colocado. Foi apenas isso. Hoje reivindicam "direitos adquiridos" e contam que os seus "padrinhos" os protejam nesta hora má.
Importa que os critérios de selecção sejam as competências profissionais e as reais necessidades dos serviços. Importa que se consiga "separar o trigo do joio".
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Imagem: blogue Atuleirus.

Era assim há 95 anos atrás

Duma carta do médico Jorge para o seu amigo e político republicano João Chagas:
"Felizmente, dissiparam-se as nuvens, que toldavam uma alma clara e luminosa, e hoje posso gozar, com vagar e requinte, este lindo fim de Verão lisboeta, que é um puro encanto.
Uma temperatura de Arcádia, luz a jorros, invadindo tudo, tornando magníficas as coisas ínfimas, e, por cima de tudo, um céu rebrilhante e puríssimo, dum azul de faiança rica. Venha depressa para gozar, com o requinte dum bem-aventurado, os primores da Natureza Nacional.
O almoço já está assente. Quando você anunciar a sua chegada irei eu próprio apartar o peixe espada que se há-de frigir e comer nessa tarde de glória, de patrotismo satisfeito e de amizade. O jogo de rabanetes para a salada é cedido por um dos nossos mais acreditados criadores de hortaliça e o Colares é da afamada Casa do Cadaval
".
João Chagas
(Correspondência literária e política, Lx., Emp.ª Nacional de Publicidade, 1958, v.II, p.144)
v
Nb: na imagem, venda ambulante de peixe por varinas no Jardim Nuno Álvares (Santos-o-Velho), em 1912, foto de Joshua Benoliel (fonte: AFML).

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Transgênicos: só se for na mesa de debates

Mesmo com uma manifestação contra os Organismos Geneticamente Modificados (OGNs) da qual participaram cerca de 30 mulheres, entre elas algumas gestantes, e de protestos de dois de seus integrantes, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) aprovou, na última sexta-feira, a liberação comercial do milho transgênico produzido pela multinacional suíça Syngenta. Está é a terceira liberação de variedades geneticamente modificadas de milho em quatro meses. A decisão anunciada ainda deverá ser aprovada pelo Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), composto por 11 ministros, mas que com certeza será ratificada.

Apesar das diversas manifestações contra os transgênicos, a postura do governo tem sido a de empurrar com a barriga esta questão. Pior, vem agindo sorrateiramente ao libera (seja por Medida Provisória [1] ou por decisão do CTNBio) em doses homeopáticas o cultivo e a comercialização desses produtos, sem esperar, sequer, por um parecer conclusivo das Audiências Públicas, promovidas pela Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara Federal dos Deputados, onde a discussão foi iniciada e as contradições dos defensores dos OGMs são evidentes.

A produção dos OGMs não acabou com a fome no mundo, como previam as grandes corporações multinacionais de biotecnologia há 10 anos. que o argumento do “fim social” caiu por terra, o uso de sementes transgênicas tem sido agora defendido pelos interessados (leia-se empresas de biotecnologia) como alternativa para se atingir consideráveis aumentos de produtividade, redução de custos de produção e menores impactos ambientais (por um suposto menor uso de agrotóxicos). Argumentos que também não têm qualquer amparo estatístico ou científico confiável.

Segundo estudos realizados pelo Departamento de Engenharia Agrônoma da Universidade de Campinas (São Paulo), 77% dos transgênicos desenvolvidos atualmente contam com uma única característica: a de serem resistentes a herbicidas. Assim, se antes o produtor precisava ter cautela no uso do agrotóxico para eliminar o mato, agora ele pode pulverizar a sua lavoura sem qualquer critério, pois não corre o risco de atingir a cultura transgênica. Ou seja, os OGMs que se encontram hoje no mercado não foram desenvolvidos para serem mais produtivos, mas para resistirem a herbicidas e ao ataque de insetos, sem qualquer garantia de que o seu cultivo seja mais saudáveis ao meio ambiente.

Um outro mito que deve ser combatido é o argumento dos defensores dos OGMs de que essa atividade agrícola tem crescido no mundo inteiro. O que não é verdade, pois, além de sua produção estar restrita aos EUA, Argentina, Brasil e agora Índia - respectivamente em ordem de produção, muitos países estão impondo barreiras pesadas às importações de transgênicos, como é o caso do Japão, Uruguai e alguns membros da União Européia.

Seja como for, qualquer que seja o argumento não poderá determinar que o assunto é consenso e muito menos põe um ponto-final na discussão. Ao contrário. Mais do que nunca esse debate se faz obrigatório. Deve-se levar esta polêmica a toda a sociedade, mas com transparência cristalina e, acima de tudo, com ética e responsabilidade social. Pôr fim à polarização sectária que tem conduzido o assunto, como se somente a Engenharia Genética fosse capaz de discutir a questão com seriedade e propriedade, é a primeira barreira que tem de ser atacada por todos. A Ecologia e outras ciências correlatas têm sim que se sentarem à mesa de debates, pois qualquer decisão que não tenha como princípio uma abordagem sistêmica em termos de saúde pública e a defesa da biodiversidade não terá validade alguma.

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[1] Instrumento constitucional que permite ao presidente da República ditar normas, que passam a vigorar no ato de sua publicação até que o Congresso Nacional as aprove ou as desaprove. Como o governo tem a maioria, elas sempre são aprovadas.

Pó-pó

- Ó pai porque é que não compras um descapotável? - Anda há dias a fazer-me esta pergunta. Por mais que argumente que os descapotáveis são caros, que não temos dinheiro para isso, que é mais importante gastá-lo em livros, em CDs, em educação… bem, por esta altura já nem sei o que lhe digo.
- Ó pai, mas pode ser um descapotável Citröen, esses não são baratos?
- Um descapotável Citröen! Epá, esses também são caros…
- Mas porque é que os carros sem tecto são mais caros do que os que têm tecto!?
- E para que querias tu um descapotável?
- Já viste pai, podíamos abrir o tecto!

domingo, 23 de setembro de 2007

Era assim há 85 anos atrás

“A classe [dos operários sapateiros] comemorou ruidosamente a vitória alcançada [aumento salarial na Braga de 1922, após greve sectorial de 15 dias], e na festa o bom «verdasco» da terra também teve a sua parte.”
José Silva
(Memórias de um operário, Porto, s.n., 1971, p. 110)

Viagem real seguida de diálogo imaginário

Era muito tarde. Àquela hora seria difícil arranjar condução. Para nossa surpresa, não tivemos que ligar para a central nem percorrer toda a rua à procura do ponto de táxis. Não cheguei a fazer-lhe sinal. Ele estava ali, à saída da Fábrica de Braço de Prata, com a luz verde acesa. Livre?! Parecia à nossa espera. Limitámo-nos a entrar: eu à frente, os meus companheiros atrás. O taxista olhou-nos com um sorriso afável, pegou no livro e começou a ler-nos um texto poético de António Maria Lisboa. Garanto-vos que não foi surreal. Foi, isso sim, a melhor corrida de táxi de que tenho memória. É pena ter sido apenas uma "viagem imaginária", uma performance no âmbito do Festival do Táxi.
Fiquei com imensa vontade de ir ao Arquivo Fotográfico ver as três exposições que lá estão alusivas ao tema (“Imagens de Arquivo: o Táxi na Cidade”, “Taxistas de Lisboa”, de Luís Pavão, e “Lisboa vista pelos Taxistas”) e, depois, à Cinemateca, assistir a um filme do ciclo "Chama-me um táxi".
- Chamo-te um táxi?
- Sim, chama-me um táxi poético.
- Mas isso só existe no Festival!
- Então deixa estar. Nesse caso, eu vou de metro.

Um minuto de silêncio


Marcel Marceau (1923-2007)

Weeds em família

Já não me acontecia isto desde a surpreendente série Sete Palmos de Terra e da primeira temporada de 24, agora os serões de segunda são passados religiosamente à frente da RTP2. A seguir ao telejornal lá para as 22:30 passa-se Erva no canal público. Trata-se de uma série americana que já vai na 3ª temporada nos EUA, mas que só há coisa de uns dois meses começou em Portugal. O enredo anda à volta de uma ‘chefe’ de uma família de classe média que perdeu o marido recentemente e para sustentar os filhos não encontrou outra solução senão iniciar o seu negócio de venda e, posteriormente, plantação de ‘weeds’. Tudo se passa num bairro burguês tipicamente americano, no qual se confrontam diferentes valores e modos de vida. Os diálogos são fabulosos e surpreendem por serem ao mesmo tempo surreais e profundamente realistas, como demonstra esta cena entre tio e sobrinho a propósito de umas misteriosas meias que entupiram a canalização da casa. E tudo por causa de... 'a certain white cream'.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

O mais importante discurso de Matrin Luther King Jr. foi aquele que ele não chegou a fazer

A Cláudia já falou aqui e aqui do caso dos "The Jena Six", seis adolescentes negros americanos que estão a ser julgados por tentativa de homicídio, por terem agredido um colega branco causando apenas leves ferimentos. O primeiro dos seis jovens foi já condenando, mas a decisão foi revertida no recurso, e aguarda ser julgado novamente enquanto menor. As acusações de tentativa de homicídio mantêm-se, e continua detido. O processo continua, e está a gerar cada vez mais protestos - mais que justificados - da comunidade negra americana, e dos activistas pelos direitos civis. Um manifestação de mais de 10 000 pessoas teve ontem lugar em Jena. Na memória de todos está a luta pelos direitos civis dos anos 50 e 60. Na altura começou quando Rosa Parks se sentou num banco de autocarro reservado a brancos. O Jena six começa quando estudantes negros se sentam num banco de jardim reservado a brancos, no pátio da escola.

Isto faz-me lembrar uma entrevista de Ossie Davis que vi na PBS. Dizia Ossie Davis (cito de memória) que se fala do discurso de Martin Luther King Jr. 'I have a dream' como se esse tivesse sido o seu mais importante discurso, mas esquecem-se que o discurso mais importante teria sido aquele que King iria fazer em Washington, se não tivesse sido assassinado antes. Ou como diria Elizabeth Redding uma das manifestantes de Jena que havia participado na luta dos anos 60 , citada no Le Monde, "É terrível, porque não acabámos o nosso trabalho".

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

A gaffe autoritária

Na segunda-feira passada, os directores das escolas pré-primárias e primárias (maternelle e élémentaire) da região francesa do Haut-Rhin (Alsácia)receberam o seguinte email:

« Mesdames et Messieurs les directeurs, avez-vous connaissance de scolarisation d’élèves "sans papiers" dans votre établissement ? Dans l’affirmative, veuillez nous le faire savoir dans la journée par e-mail ou par téléphone au 03.89... En vous remerciant. »

[Senhoras e senhores directores, têm conhecimento da existência de alunos na vossa escola sem autorização de residência em França? Em caso afirmativo, façam o favor de nos contactar ao longo do dia por email ou por telefone, para o n° 03.89... Agradecendo...]

O email vinha assinado por um gabinete da inspecção da Academia que tutela o ensino público na região. Ao início da tarde, um segundo email vinha dizer que se tratava de um erro, que o primeiro email devia ser considerado como nunca tendo sido enviado e que não havia nenhuma ordem oficial no sentido veiculado pela mensagem. Face ao coro de protestos vindo das escolas nos dias seguintes, o Ministro da Educação veio lamentar o erro e convocou o inspector da Academia em questão.

Mais detalhes aqui.

Se a reacção de protesto foi tão pronta, não é só pela gravidade da gaffe. É por ela ser tão significativa. O incidente vem confirmar um receio terrível: houve um tempo em que a profissão de professor e a de polícia não se confundiam em França. Há indícios crescentes de que esse tempo está a acabar. Em março passado, com Sarkozy como ministro do Interior, houve as terríveis interpelações de clandestinos junto às escolas frequentadas pelos filhos.

Mas há também, com método mais suave e burocrático, instrumentos que revelam uma pulsão do governo para fichar a população infantil, usando para isso os funcionários públicos, no caso os directores das escolas. Por exemplo, desde setembro de 2005, entrou em aplicação um projecto de recenseamento de toda a população escolar entre os 3 e os 10 anos (chamado "base-élève") . Entre os dados que os directores das escolas devem transmitir ao ministério da educação sobre os seus alunos contam-se informações sobre a origem e a situação familiar (para além de informações sobre o nível e eventuais problemas escolares que ficarão registadas logo a partir dos três anos). Parte desta informação é de preenchimento facultativo, e ela circulará sem o nome dos alunos a partir de certo ponto — mas não até certo ponto... Não há, como parece evidente, nenhuma garantia concreta sobre o uso que lhe será dado nos vários pontos institucionais da sua circulação, desde as escolas até ao ministério.

Se é possível que um email com este conteúdo circule, é porque a mensagem está lá, em rascunho, nas instituições oficiais, pronta a que alguém carregue no send. Por engano ou não, pouco importa. Eis o caso triste de um email que, por mais que o inspector e o ministro carreguem na tecla delete, não se apaga.

Guia prático do passageiro da Vimeca

Ao Zéd

É tempo de voltar a circular entre casa e trabalho. Este ano, estão mais intensos os apelos para que utilizemos os transportes públicos, mas a decisão deve ser ponderada em cima de factos concretos ou da experiência adquirida. Por exemplo, se precisamos vencer o percurso entre Lisboa e um dos bairros de Oeiras mais próximos daquela cidade (Carnaxide, Queijas, Linda-a-Velha...), de um lado da balança, estará o automóvel particular, e do outro, teremos os autocarros da Vimeca que, está provado, poupam a cidade de uma considerável quantidade de CO2 no ar. Pode ser que as pessoas não se convençam apenas por ouvir dizer que a Vimeca proporciona viagens confortáveis, a bordo de autocarros que deslizam agradavelmente pela A5 e num ambiente que sempre oferece histórias e novidades. No entanto, as dúvidas podem ser desfeitas conferindo se o (hipotético) “Guia prático do passageiro da Vimeca” mantém as seguintes orientações ao passageiro frequente:
“ Em hora de ponta avalie, antecipadamente, a sua condição geriátrica (e a dos outros passageiros) antes de optar pelos assentos dianteiros. Se se considera ainda longe dela, saiba que a cedência de lugar aos mais velhos não está assinalada porque contamos com os olhares de censura dos demais passageiros para orientar a sua conduta de passageiro mais novo. É para nos poupar ao trabalho de fiscalização que serve a “fundamentada” interiorização das regras sociais e o controle social que os verdadeiros vimequeiros podem exercer uns sobre os outros.
- É provável que viaje ao lado de um passageiro que mal caiba no nosso espaço-padrão individual. Os nossos assentos foram concebidos para pessoas que estão “antenadas” com as novas tendências em termos de pesos e medidas;
- No entanto, se for mulher e não tiver dúvidas de que o vizinho é apenas um espaçoso mal-intencionado, mantenha-se firme no seu lugar, e como barreira entre os dois, use a bolsa, a pasta, os livros, o guarda-chuva, o casaco, o que tiver à mão. Deixe bem claro que já percebeu que ele está confundindo você, deliberadamente, com o braço da poltrona lá de casa. Felizmente que estes casos são raros, mas se acontecer com você, faça toda esta operação de forma a atrair a atenção dos outros passageiros. Pode estar certa que o danado, pelo menos receberá olhares de censura de muitos, aliás, de muitas, a maioria dos nossos utentes;
- Em alguns autocarros, reservamos um dos assentos a pessoas que ultrapassam as medidas, mas esperamos poder contar com os nossos passageiros mais fiéis para divulgar entre os demais que aqueles bancos são para o tamanho “um e meio” e não para duas pessoas. Por enquanto, não nos responsabilizamos pelas situações em que duas pessoas, depois de sentarem-se ali, apertadas lado a lado, evitam encarar-se, mas são obrigadas a trocar olhares constrangidos com quase todos os demais passageiros enquanto seguem viagem naquele banco que dá as costas ao motorista. Mesmo sem saber o que fazer às mãos, às bolsas ou outros objectos, a experiência tem demonstrado que poucas se atrevem a levantar-se quando percebem o seu engano. Em tempos do politicamente correcto, aconselha o nosso departamento de pesquisa e atendimento ao passageiro-cliente a não afixarmos nenhum aviso sobre as restrições ao uso daquele assento. Ainda não nos decidimos sobre a palavra que mais correctamente deverá designar as pessoas a quem está reservado.
- Se é sensível a cheiros, saiba que de manhã, as fragrâncias (colónias, águas-de-cheiro, perfumes) se misturam pois, é uma qualidade do nosso passageiro padrão matinal tomar banho antes do trabalho. Portanto, não se queixe, há coisas muito piores.
- Se insistir em abrir as janelas durante o Inverno ou quando chove, não nos responsabilizamos pelos olhares unânimes e furiosos que lhe forem dirigidos; cabe ao Estado a responsabilidade por explicar às pessoas que, tal como nos hospitais, também os autocarros devem ser ambientes mais frios, mas arejados e livres daqueles bichinhos que trocamos pelo ar e que nos contaminam a todos.
- Aproveite o aperto das viagens matinais para apreciar as modas e conferir se você está actualizado ou precisa dar aquela “baixa” no seu guarda-roupa. Á excepção dos estudantes (que não devem dizer-lhe muito em termos de style) viajará entre um grupo representativo da classe média urbana portuguesa que, maioritariamente, trabalha em escritórios de Lisboa.
- Ao final da tarde, já sabe que viajará com telemóveis a tocar e a ligar furiosamente. Em todas as nossas viagens, oferecemos aos nossos passageiros a vista agradável das bordas do Monsanto, mas procure não se distrair assim tanto a olhar pela janela porque o trânsito na A5 é lento; não nos responsabilizamos pelos sustos que poderá levar se divagar muito e julgar que há um papagaio ou sapo-passageiro quando ouvir um som mesmo à sua frente. Não podemos evitar uma ponta de orgulho; nossos passageiros serão, porventura, os mais criativos na escolha do toque personalizado do seu telemóvel.
Para melhor usufruir dos nossos bons serviços, aconselhamos que, na medida do possível, adapte os seus horários ao período de procura menos intensa pelos nossos autocarros, entre as 10 horas e as 16 horas, durante a semana. Neste caso, lembramos que sempre poderá trocar de lugar se:
- Encontrar-se “ensanduichado” entre dois jovens, que indiferentes um do outro, escutam no Mp3 um rock “pauleira” e um zouk estremecedor;
- Certificar-se que algum passageiro por perto considera que as botas de Inverno não precisam ser trocadas por outro calçado nas outras estações do ano;
- Não conseguir fingir desinteresse em acertar o país a que pertence aquela mãe tão loira que fala com a sua filhinha numa língua que, de certeza, é “do leste”;
- Verificar que não assimilou bem a mensagem da campanha “Todos diferentes, todos iguais”, e dá conta de si prestando uma atenção (incomodada) aos diálogos e às posturas da nossa clientela multicultural: ucranianos, romenos, brasileiros, Palopianos... Se for um dos nossos passageiros “da casa” sempre transportará um livro, um jornal ou uma revista para distraí-lo em ocasiões desconcertantes como esta.
Ou então, não troque de lugar por nenhuma destas razões e aproveite a viagem para treinar a sua sensibilidade em todas as oportunidades.”

Se você, passageiro em potencial, puder confirmar a actualidade destas orientações gerais do Guia Prático do Passageiro da Vimeca, aprecie a viagem. Melhor ainda se for num dos autocarros novinhos em folha, grandes, de linhas futuristas e assentos ecologicamente correctos (no material) que são o último grito a la União Europeia. Com a A5 livre, estará no Marquês de Pombal em 15 ou 20 minutos.
Ao chegar ao Parque Eduardo VII, se a senhora de saia comprida quiser ler-lhe a sorte diga-lhe que sorte mesmo é poder viajar de Vimeca.
Bien sur

Meninas 100%

Foi suado. Mas a seleção brasileira feminina continua com 100% de aproveitamento na Copa do Mundo da China. Nesta quinta-feira, as meninas do Brasil derrotaram a Dinamarca por 1 a 0, com um gol de Pretinha aos 45 minutos do segundo tempo, e garantiu a classificação para as quartas-de-final em primeiro lugar de seu grupo. Que venham agora as australianas! Olé.


ps. Vai aqui um recado para o Dunga, o bebê fashion com cara de chorão (ou vice-versa, tanto faz): dá uma olhadela nas meninas, rapaz. Acredito que a convocação de umas três delas daria mais criatividade à sua seleção sem imaginação e egocêntrica. Desde de já proponho a Marta para o lugar do Afonso. E fique atento que tem gente por estas bandas querendo repatriar Felipão, que não perde tempo dando murros em ponta de faca.


nb: Na foto, o sorriso contagiante de Pretinha. Salve, guria!

Início de época II

E continuam as novidades neste início de época bloguista do Peão.
Depois de sentirmos um “cheirinho” da sua pena, o Manolo Piriz entrou agora pra valer, de “mala e cuia”, e felizmente, já sem bengala. A partir das Terras de Vera Cruz, ou de onde ele estiver, certamente que seremos brindados com postadas de primeira linha, sempre inteligentes, interessantes, curiosas, irónicas, bem -humoradas e certeiras.
Mais um no dream-team, para provar que peão bom é peão que faz pontes enquanto caminha.
Clap,clap,clap e boas vindas ao Manolo.

80 anos de Odéon com uma viúva alegre?!

Já que estamos em maré cinematográfica, aproveito para falar dos lugares onde esta circula.
Não, não é do divã da casa, é mesmo da sala de cinema. Neste caso, do cinema Odéon, que faz 80 anos esta 6.ª feira. Para celebrar o aniversário, a Cinemateca Portuguesa e o Fórum Cidadania Lx organizaram para esse dia uma exibição do filme mudo «A viúva alegre», do cineasta alemão Erich von Stroheim, com início às 19h. O filme terá o apropriado acompanhamento ao piano.
Há quem diga que é o cinema mais bonito e carismático de Lisboa, com os seus fabulosos interiores (tecto em madeira do Brasil, frontão de palco Arte-Déco, lustre de néons, camarotes, etc.) e a fachada revestida a vidros coloridos, hoje estilhaçados (vd. FCL e ficha do IPPAR).
O Fórum Cidadania Lx preconiza a sua reabilitação pela CML e propõe este espaço para festivais como o Indie Lx. Quando tanto se fala na revitalização de Lisboa, era bom começarmos pelo mais simples.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Love hurts



Spot publicitário visionado no Queer Lisboa 11 - Festival de Cinema Gay e Lésbico de Lisboa

Bola na Tela do MIS

Já que ando meio futebolístico ultimamente (e por ironia do destino com o pé esquerdo todo arruinado), vai aqui uma dica aos "boleiros" de plantão. A partir de hoje (dia 18) e até 30 de setembro, o MIS-São Paulo (Museu de Imagem e Som) apresenta a mostra Bola na Tela, uma seleção de filmes (longas, curtas e documentários) que aborda o futebol tupiniquim de uma forma bem peculiar. Em vez de enfocar as histórias dos grandes craques e times, a mostra privilegia a realidade do jogador anônimo que sonha em se tornar um "Ronaldinho" ou um "Kaká na vida e a relação afetiva do torcedor com o seu teime do coração. É também uma boa oportunidade pra se conhecer um pouco da realidade brasileira através da bola. Maiores detalhes, aqui.



Tesourinho deprimente

E como é que, de repente, uma reportagem sobre Aquilino Ribeiro e Casa Grande de Romarigães se transforma num sério candidato a tesourinho deprimente?
Para quem não viu, hoje, depois do Jornal 2, ainda pode ver amanhã às 12.30h e em simultâneo na RTP1, Internacional e África. Na internet, infelizmente, só pode ser visto aqui.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

O eterno ouro-de-tolo

Futebol e política sempre mantiveram relações promíscuas, principalmente depois das Eliminatórias para a Copa de 70, quando a Ditadura Militar, ao som da canção brega e irritante de “Pra Frente, Brasil”, exigiu a saída do comunista João Saldanha do comando técnico da seleção para pôr no seu lugar o “patriota” Zagallo, homem de confiança do general Médici, o maior facínora do regime militar. De pra , políticos mal-intencionados e oportunistas têm se infiltrado na esfera futebolística com o único objetivo de garantir vantagens eleitorais. Sem qualquer proposta política e extremamente fisiológicos, eles se aproveitam de uma das maiores paixões do brasileiro para se elegerem e fazerem do Congresso Nacional um rendoso balcão de negociatas e falcatruas.

Assim como a política, o futebol brasileiro também está há um longo tempo carcomido pela malandragem e negócios obscuros. O exemplo maior dessa analogia é o recente escândalo que está abalando o Corinthians, clube detentor da segunda maior torcida do país – a primeira é do Flamengo. Durante meses, dirigentes, jogadores e integrantes da MSI [1] conspiraram, fizeram ameaças (algumas até de morte) a seus opositores e tramaram planos diabólicos para lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, evasão de divisas e desvio de dinheiro clube. Um esquema monstruoso que veio à tona graças às escutas telefônicas, realizadas pela PolíciaFederal com a autorização da Justiça brasileira.

Segundo o contrato firmado entre as parte, a MSI iria investir no clube por um período de dez anos (o capital inicial seria de 100 milhões de dólares), construir um estádio moderno e contratar grandes jogadores para fazer do time um number one, como dizia Kia Joorabchian, o laranja [2] do poderoso chefão Boris Berezovski, russo condenado em seu país mas que anda livremente na Inglaterra. No início, até que as coisas andavam bem com a contratação de jogadores de peso e a conquista do título brasileiro em 2005, uma isca que fisgou facilmente toda a “Nação Corintiana” .

Iludidos por promessas mirabolantes e eufóricos pela conquista do campeonato, torcedores corintianos fazem vistas grossas a todo esse jogo de interesses escusos, sem se darem conta que estavam sendo as maiores vítimas de uma trama camuflada e perigosa. E o previsível aconteceu. O time de “galáticos” foi desfeito, o dinheiro dos cofres do clube sumiu e, pior, a equipe está agora prestes a cair para a segunda divisão do Campeonato Brasileiro, pois o maior objetivo dessas velhas raposas (que esses simpáticos mamíferos me perdoem pela comparação) foi o de engordar as suas robustas contas bancárias. E assim como acontece na política, pagamos um preço muito alto quando nos iludimos com o ouro-de-tolo.

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[1] Em 2004, o Corinthians firmou uma parceria com a MSI (Midia Sports Investiment) para tentar superar uma longa crise. Foi aí então que entrou em cena o tal Kia Joorabchian (iraniano radicado em Londres), dizendo-se representante de um grupo de investidores internacional interessados em investir pesado no clube paulista e único gestor da MSI. Como se suspeitava, o avanço das investigações do Ministério Público Federal demonstrou que o magnata russo Boris Berezovski era o principal dono da MSI e Kia o seu laranja-mor.

[2] Gíria que denomina uma pessoa (nem sempre ingênua), cujo nome é utilizado por outro na prática de diversas formas de fraudes financeiras e comerciais.