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quarta-feira, 11 de abril de 2007

Sobre a universidade, as "ideias", e os diplomas etc.

«Há qualquer coisa no ideal universitário que o torna difícil de explicar, apesar de ser tão simples. O ideal universitário são as ideias. Ideias sobre como são as coisas, sobre como funcionam, sobre como deveriam funcionar, ideias sobre ideias. Algumas dessas ideias são conhecimento, outra são comentário, outras criatividade, a maior parte delas um pouco disso tudo. Mas é difícil explicar aos alunos, ou até ao resto da sociedade, que dentro daquelas paredes (metafóricas: pode ser cá fora, na esplanada, no trabalho de campo, na visita de estudo) essas ideias devem ter precedência sobre tudo o resto. Se os alunos querem um diploma e os pais pagam por um bom emprego, não é fácil dizer-lhes que por agora a única coisa importante é o que escreveram alguns mortos de há mais de cem anos, ou como se comporta a partícula x, ou que interpretação dar à arte de y. Só depois de ganhar verdadeiro interesse ou paixão por tais coisas chega a altura de se poder começar a tratar de notas, de diplomas e de empregos (...)»

Estas são palavras do Rui Tavares, escritas num artigo do "Público" ontem. O Miguel Vale de Almeida transcreveu-as e adicionou: "Nunca esquecer isto quando se é bombardeado pelo actual ar do tempo em relação à universidade. Nem que se tenha que tapar os ouvidos, dizer a alta voz "lá-lá-lá-lá" e ouvir interiormente este mantra".

Esta é uma discussão muito importante nos tempos que correm. Idealmente, eu não discordo do Rui, mas porque entre as ideias e os contrangimentos da realidade vai sempre um fosso sempre excessivamente grande, discordo do implícito desprezo - que não deixa de ser o que está realmente dito nas entrelinhas - pelas notas, pelos diplomas e pelos empregos. É que, inversamente, parece não ser fácil para a grande maioria dos pais e dos alunos explicar aos professores universitários que, primeiro, está a perspectiva de terem um futuro onde o diploma que passaram anos a tirar conte efectivamente para a realização de um percurso profissional decente e minimamente adequado às suas expectativas. E, infelizmente, para a maioria estas não passam pelo conhecimento do que "escreveram alguns mortos de há mais de cem anos, ou como se comporta a partícula x, ou que interpretação dar à arte de y" - doa o que doer aos professores unversitários. Tapar os ouvidos, como aconselha Vale de Almeida, não resulta em absolutamente nada - a não ser a dar razão àqueles que acham que os professores universitários, self-professed autistas, "não vivem neste mundo".

Não que o desemprego de licenciados seja a catástrofe nacional que por vezes se pinta, ou que universidade seja a única responsável pelos potenciais desajustes entre o titre e o post. Não é, e não é disso que se trata. O problema é que o que o discurso do Rui tem aquele travo amargo da intemporalidade, como se o pudéssemos manter independentemente do contexto, e como se fosse indiferente estarmos no século XIII, no XVIII ou no XXI. Mas ter as "ideias" como a única ou a grande prioridade da universidade é esquecer que, entretanto, o mundo, e sobretudo a economia, mudou - e que a universidade ocupa, e vai ocupar cada vez mais, uma posição de formação de profissionais nas mais variadas áreas. O problema é confundir esta função crescente da universidade - o que para mim representa uma grande vantagem do nosso presente e futuro em relação ao passado - com a ideia de que esta vai ser a única função da universidade. Isto é falso, e é fácil ver porquê. Nunca, no futuro, teremos tanta gente a fazer investigação, tanta gente entregue o mais possível às "ideias" e ao conhecimento desinteressado. Simplesmente, isso não vai acontecer ao mesmo nível de ensino que no passado.
E se isto representa um déclassement relativo dos professores universitários, convém não esquecer o outro lado: o do upgrade cognitivo e social de uma larga fatia da população que dantes não passava do ensino primário ou secundário (que era, obviamente, and please don't sweep it under the carpet, o que permitia à universidade e os seus profissionais dedicarem-se às "ideias" e desprezar a função social e profissional dos diplomas: quando apenas ensinamos as elites, podemos dar-nos ao luxo de esquecer o mundo lá fora e de considerarmos a mera questão "para que é que 'isso' - a nota, o diploma, etc. - serve?" verdadeiramente secundária). E este upgrade é, parece-me, muito, mas muito mais importante que qualquer "corporativismo do universal" (para citar essa expressao particularmente feliz de Bourdieu: ou direi infeliz, dado que ele considerava-o um ideal merecedor de defesa a todo o custo).

Eu admito que não seja deliberado, mas este tipo de platonismos tem sempre o risco de resvalar para um elitismo, à esquerda, particularmente desnecessário e perverso.

sexta-feira, 2 de março de 2007

Carreira docente universitária à procura do Aladino



Muito se tem falado, aqui, e por toda a comunicação social de professores do Ensino Secundário. Pouco se tem falado de professores do Ensino Superior. Estive a ver no Estatuto da Carreira Docente Universitária (mais conhecido por ECDU) em vigor que quem assina um contrato como assistente convidado, o mesmo é de um ano, renovável por 3, e assim por diante, ou seja, de novo renovável por 3. Depois do Doutoramento, se ainda estiver em vigor a mesma legislação, é possível uma contratação, mas como Professor Auxiliar. Sabemos que isto é practicamente impossível. Os professores convidados, ou são "convidados" a sair e a esperar eternamente outro convite, ou a serem professores convidados toda a vida ( a 20, 30, 40, e, se for afortunado, a 50, 60, 70, 80, 90 ou 100%). Se, por acaso, algum professor do ensino superior tiver a sorte de ter uma lâmpada fundida, e ao colocar a nova, lhe aparecer o Aladino, então poderá, talvez, vir a ser contratado sem ser como convidado, isto é, dentro da carreira. Uma vez Professor Auxiliar, de acordo com a legislação em vigor, tem de ser avaliado mediante um Relatório que tem de fazer ao fim de cinco anos para ser votada a nomeação definitiva. Claro que o Relatório, acompanhado por 2 exemplares de cada peça curricular, tem de ser entregue cerca de 3 meses antes da data dos 5 anos. Tal significa que, após o doutoramento, os docentes universitários de carreira se têm de esfalfar a produzir currículo para, ao fim de 5 anos, conseguirem a nomeação definitiva. Entretanto, as pessoas são assoberbadas com tarefas de carácter administrativo e pedagógico e têm mesmo de produzir currículo para não perderem o emprego ao fim de 5 anos. Na impossibilidade de escrever um livro, escreve-se artigos e tenta-se publicá-los, sem ver um tostão (ou um cêntimo, nos tempos que correm). No caso de perderem o emprego, ficam até com um *bónus suplementar*: não têm direito ao subsídio de desemprego, o que é uma grande maçada, pois se se fundir outra lâmpada, como é que um professor do Ensino Superior vai conseguir ir até ao IKEA?
Imagem do filme da Disney Alladin.