sábado, 7 de agosto de 2010

O escritor fantasma


Em O escritor fantasma Polanksi mostra que aprendeu bem a lição de Hitchcock e também que aprendeu muito fora das salas de cinema. Num anúncio a um dos seus filmes, Hitchcock declarava: «Há filmes que são pedaços de vida, os meus filmes são fatias de bolo.» Os filmes dele continuam aí para vermos como é verdade. Mesmo quando conta histórias de espiões no contexto da Guerra Fria, a intriga política é sempre secundária nos filmes do mestre do suspense. Polanski, que não cresceu num colégio de jesuítas como Hitchcock mas no gheto de Varsóvia, serve-nos fatias de bolo com sabor a uma vida fisicamente ameaçada, ameaçada não só por causa da presença do mal na vida privada, mas da perversão do poder público, dos ventos da História que a qualquer momento se transformam em tempestade. Ou então, retomando a metáfora do bolo, «as fatias de bolo» servidas por Polanski teriam um efeito de aguçar os sentidos, levando o espectador letárgico, como se tomasse um café forte, a ver com mais nitidez as marcas e as potencialidades do mal na vida quotidiana e na vida política.

Filme sobre a aparência do poder e as suas sombras, O escritor fantasma coloca em confronto não tanto a luz e a sombra, como seria de esperar de um filme do mainstream norte-americano, mas dois tipos de sombra, antagónicos e facilmente confundíveis: a sombra dos sem poder (o «escritor fantasma») e a sombra voluntária dos realmente poderosos (os serviços secretos). Neste filme rigoroso, em que nada é deixado ao acaso ou improviso, são de destacar as interpretações de Ewan MacGregor, Pierce Brosnan e Olivia Williams. Esta última, no papel da mulher do primeiro-ministro Adam Lang, compõe uma personagem forte e inesperada no universo de um realizador que frequentemente colocou no centro das suas histórias adolescentes vulneráveis e jovens mulheres inseguras.

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