O encerramento da Biblioteca Nacional Portuguesa por um período de dez meses durante os quais os leitores são convidados a procurar alternativas nas outras bibliotecas do país tem provocado justas indignações, reacções parvas dos responsáveis da BN e a indiferença ou incompreensão do público em geral. Algumas das justas críticas podem ler-se, aqui, num texto de Rui Tavares, ou aqui, num texto de Fátima Bonifácio, Filomena Mónica e Paulo Silveira e Sousa. O cúmulo da reacção disparatada foi assinado por Isabel Pires de Lima, em texto publicado na secção das «cartas do leitor» do Público, a 27 de Julho, em resposta a um artigo de opinião assinado por Fátima Bonifácio e Maria Filomena Mónica. Isabel Pires de Lima tenta fazer passar uma tese absurda, que dispensa qualquer argumentação: os investigadores que protestam contra o encerramento da Biblioteca Nacional são meia-dúzia de notáveis que sentem os seus privilégios ameaçados. E por isso não tem vergonha em perder tempo e caracteres com picardias sobre a relação de intelectuais ligados ao PS com o Bloco de Esquerda e psicanalistas. É a atitude de quem não está nos cargos para servir o público, mas para defender uma imagem, a sua. Se as vozes que têm chegado ao espaço público são apenas de notáveis, é porque são essas as vozes que os meios de comunicação social filtram e amplificam. Está on-line uma petição contra o encerramento da Biblioteca Nacional que já tem 3952 assinaturas, como pode ver aqui.
Nunca é de mais reafirmar que ninguém está contra as obras de requalificação da Biblioteca Nacional. O que não se percebe é que elas impliquem um encerramento aos leitores durante dez meses. Como tem sido referido, a British Library, em Londres, ou a Bibliothèque Nationale de France, em Paris, que foram transferidas para edifícios novos, geriram a relação com os leitores fechando por partes ou por períodos muito curtos. O contra-exemplo da Biblioteca do Vaticano, que fechou por três ou quatro anos, é um caso típico de invocação da Igreja Católica em vão. Quem está em Roma pode consultar a Biblioteca Nazionale Centrale di Roma. A maior parte da bibliografia sobre o catolicismo não está concentrada na biblioteca do Vaticano, mas distribuída por bibliotecas de todo o mundo, incluindo as bem apetrechadas de algumas universidades católicas e de ordens religiosas.
Não são os investigadores consagrados, com carreira feita, que vão ser dramaticamente afectados pelo encerramento da Biblioteca Nacional, mas mestrandos, doutorandos e investigadores de projectos de investigação em curso. Ao nível de mestrados, que foram reduzidos para um ano, há dissertações que são pura e simplesmente inviabilizadas. Num período em que tanto se fala na necessidade de qualificar os portugueses, de investir em investigação e desenvolvimento e até surgem projectos de redução de feriados em nome da produtividade, não se percebe um processo que vai implicar adiamentos, interrupções ou, na hipótese mais benigna, tempo e custos acrescidos na actividade de investigação. Se quisermos abordar a questão com metáforas acerca de perturbações e tratamentos mentais não penso que bastem as imagens acerca de psicanalistas e actos falhados relacionados com percursos sinuosos. É mesmo questão de esquizofrenia e de autismo.
4 comments:
Um país revela-se não só pelo modo como 'trata', as suas praias, os seus deficientes e os seus animais, mas também os seus museus e as suas bibliotecas.
Digo eu que não sou notável.
De facto, é mais um exemplo de como a cultura é um parente pobre por cá.
Fizeste bem em referir a questão da investigação, pois quando se fala em ciência e em equipamentos de apoio, os apoios financeiros à pesquisa (da FCT e outros) omitem o papel das bibliotecas, arquivos e centros de documentação, prejudicando ainda mais as ciências sociais, pois estão mais dependentes dessse tipo de infra-estruturas e não usam laboratórios (item destacado nos apoios)...
Seja como for, o pior, de facto, foi a desconsideração pelos leitores; eu estive um largo período na BNP, no final e início deste ano, e não dei por nada destes planos, aliás os funcionários não sabiam disto.
E a justificação da subdirectora da BNP é ridícula: só agora foi divulgada a informação por ter que se aguardar o andamento das obras!! Isto é inqualifacável.
Mais uma achega, sobre as bibliotecas que tiveram obras e não fecharam: li num blogue que o mesmo ocorreu com a biblioteca da SOAS- School of Oriental and African Studies (Londres).
Seja como for, eu já me contentava com um breve encerramento, atempadamente divulgado. Está na cara que, num período de crise, não se quis dispender mais dinheiro, além desta ser a solução mais cómoda para os 'planificadores'.
biblioteca??
eu pensava que aquele edifício só funcionava como bilheteira de exploração do parque de estacionamento, que serve toda a área. Esse não há-de fechar.
E mais alguém protestou na sua abertura?! ah, pois, deixam passar e depois queixam-se do que vem.
Caro Jrd,
Subscrevo.
Caro Daniel,
A desconsideração pelos leitores chegou ao cúmulo de eu este ano ter tratado da renovação do cartão de leitor por um ano e de ninguém me ter avisado de que a BNP ia fechar. Já nem me lembro da data exacta, mas foi no 2.º trimestre deste ano. Se a lei permite que um encerramento deste tipo seja feito com menos de um ano de antecedência não devia permitir. Aliás, um encerramento «deste tipo» não devia ser permitido. Ponto.
Enviar um comentário