Faleceu a semana passada um dos maiores poetas cabo-verdianos de sempre, João Vário. De seu nome verdadeiro João Manuel Varela, nasceu na Cidade do Mindelo (S. Vicente) há 70 anos atrás, tendo estudado Medicina em Coimbra, Lisboa e Antuérpia, nesta última para se doutorar.
Radicou-se na Bélgica, onde desenvolveu uma bem sucedida carreira de investigador nas áreas da neuropatologia e neurobiologia, sendo sua a descoberta dum circuito cerebral ligado à formação do cancro (vd. síndrome de Varela). Após a jubilação, regressou ao seu Mindelo natal.
Embora com uma obra poética reconhecida por pares e críticos literários (José Luís Tavares diz mesmo que ele é o maior poeta cabo-verdiano de sempre), nunca teve muito eco, nem junto dos circuitos de reconhecimento simbólico nem junto do público.
A sua profícua produção está integrada nos seguintes livros:
Exemplos 1-9 (reunindo as obras Exemplo Geral, Exemplo Relativo, Exemplo Dúbio e Exemplo Próprio), O primeiro e o segundo livro de Notcha (com o seu outro pseudónimo Timóteo Tio Tiofe), Contos da Macaronésia e O estado impenitente da fragilidade.
Mais informação bio-bibliográfica e mais poemas do autor estão na memória de áfrica. Ficam aqui outros obituários: os de José Luís Tavares (que inclui um poema seu de homenagem), Alexandra Lucas Coelho, Rui Bebiano e José Francisco Viegas. Outro poema, «Canto Terceiro», de 1966, pode ser lido aqui. Imagem original daqui.
Aqui fica um excerto precioso do poema Canto Primeiro, do livro Exemplo coevo:
"E aqui tratamos de favores inclusivos e fados determinados.
Tal o poeta a língua deixa atravessada
no meio do caminho dos deuses
para que nela tropecem
e se fale de biografia. E de tal intensidade vivemos.
[...]
É um tempo de vastas corrupções e de grandes crises.
E as coisas aguardam a chegada da besta apocalíptica.
Era o limiar dessa guerra devastadora, segunda,
seu amargo prefácio, tal Guernica.
E nela jazíamos qual a semente
no seio da terra: como saber
se morrerá ou com que água
arrastará a imortalidade?"
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