quinta-feira, 28 de abril de 2011

Francesinhas e outros chauvinismos gastronómicos

É verdade que tenho uma fraqueza por novidades gastronómicas e também é verdade que nutro um semi-secreto desejo por experimentar o Noma, restaurante dinamarquês, premiado como o melhor do mundo. Por isso, sempre que há notícias de um ou do outro tema lanço-me numa leitura interessada. Aconteceu no Público online (há um tempo já tinha saído outra versão na edição impressa) sobre o Noma, descrevendo a experiência que se há-de situar entre o gélido Mar do Norte e os bosques das sagas, até porque é política do cozinheiro os sabores locais, a sazonalidade e tudo fazer in loco. Parecia tudo bem, até chegar aos comentários da notícia. Foi com algum alarme que percebi o chauvinismo gastronómico. Depois da descrição de salivar, aos comentadores nada mais ocorria do que menosprezar a cozinha nórdica e puxar o lustro à cozinha portuguesa de uma maneira muito primitiva. Só podia elogiar tal restaurante e tradição culinária quem nunca tinha provado a comida nacional.
A comida portugesa é muito boa, todos sabemos, mas transformar isso num ponto de desmedido orgulho nacional, onde não podem caber outras gastronomias já me parece suspeito. E é claro que todos temos «tops» das cozinhas nacionais, em que enaltecemos certos países (no meu caso a Bélgica) e desprezamos outros (a Holanda), mas talvez não seja preciso fazer disso uma corrida nacionalista.

[Para os chauvinistas das praias vou só acrescentar que vi na Dinamarca das mais belas praias]

Dias depois, para acalmar os ânimos e repôr o bom orgulho português sai a notícia que a Francesinha esta no Top 10 das sandwiches do mundo.

[Ainda melhor quando pedida no Capa Negra II à chegada ao Porto. Mas isso, talvez seja só mito lisboeta]

Imagem - William Michael Harnett - For sunday's dinner. 1888.

4 comments:

Paula Tomé disse...

Tinha visto a notícia e sorri, começou logo a circular pelo Facebook... só comi uma vez e não me lembro bem da coisa, mas enfim, hei-de voltar a experimentar. O nacionalismo gastronómico e das praias etc, é um bocado a história do rio da minha aldeia, são coisas do coração. Realmente a comida, porque enfim temos dela memórias imemoriais, é uma questão sempre controversa. Noto que os imigrantes sentem sobretudo e durante mais tempo saudades da comida do país de onde vêm. Assim que uma pequena comunidade se instala, lá aparece a lojinha e o restaurante com os comes da terra. É um fenómeno engraçado que tornou Londres, por exemplo, uma cidade gastronomicamente fascinante. E concordo contigo, claro, acho sempre incrível que à primeira oportunidade as pessoas se esganem a debater o mérito da caldeirada versus outra coisa qualquer estrangeira... Por falar nisso, conheci uma mãe marroquina que fazia um bacalhau com passas e umas quantas coisas exóticas, uma coisa maravilhosa que nos uniu numa cumplicidade feliz. O mapa gastronómico tem claramente outras fronteiras e referências emocionais, um bocado como a biografia da Isabelle do Bottom.

Sofia Rodrigues disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Sofia Rodrigues disse...

Também para mim, a comida é feita para unir as pessoas na «cumplicidade feliz» de que falas, não para as dividir em arrufos patrióticos.

Maquiavel disse...

Nenhum desses chefes de cozinha chega aos calcanhares da minha avó, essa é que é essa.

Ide lá ao Noma, que eu me ficarei pelo Retiro da Irene...