Estamos a assistir a algo de muito especial na história mundial. Pela sua génese, pela sua extensão (do Magrebe ao Próximo Oriente), pela sua duração, pelo seu impacto plural, a um tempo político, social, económico, cultural. E, last but not the least, pelo avançar do laicismo, num quadro em que ainda se agitam os fantasmas do fundamentalismo islâmico, sem base alguma, como se pode colher da opinião dos arabistas.
Este é um impacto que não se fica só pela arábia mas que contagia actores sociais de paragens distantes, alguns bem inesperados, como a ocupação do parlamento de Wisconsin (EUA) pelos sindicatos.
A propósito da Líbia, as chancelarias ocidentais têm reagido com muita apreensão, por este ser o 4.º produtor africano de petróleo (a seguir à Nigéria, Angola e Argélia, salvo erro). O surto do preço dos combustíveis fósseis serve como prova* dos perigos dum prolongamento da violência líbia (p.e., caindo numa demorada guerra civil, o cenário mais temido). Mas as ditas chancelarias ocidentais também têm a sua quota-parte de culpa no cartório. Porque foram cúmplices destes regimes até ao máximo do grotesco, como nas recepções aos ditadores árabes, cheias de segurança, mordomias e silêncios, ou na excessiva proximidade aos mesmos (vd. caso Michèle Alliot-Marie). Deviam ter tido mais cuidado, ter instado a mais reformas políticas. Agora parece que é tarde, o que não veio pela porta da frente está o povo a arrancar a ferros, pela porta dos fundos.
Parece que é tarde mas não é; ainda podem tomar medidas: pressionar para o congelamento de contas desses figurões e a restituição dos fundos aos tesouros nacionais; estabelecer acordos conjuntos sobre recepção de imigrantes árabes; dar mais força à Turquia para servir de mediador nos conflitos; dar mais poder à ONU para promover reformas pró-democracia onde as ditaduras duram há tempo demais. E para aprofundar a democracia em todo o mundo. Pois só mais democracia trará mais esperança e segurança a todos.
*Embora seja estancada dentro de 2 semanas, por colocação de mais petróleo no mercado por parte da Arábia Saudita. Além disso, as convulsões podem ter efeitos diversos: no caso egípcio, a redução da laboração fabril e nos transportes possibilitou aumentar a sua quota de exportação de petróleo.
4 comments:
Daniel, estive fora e não acompanhei bem a coisa, mas vive-se de facto um momento histórico. Acabo de assistir a uma entrevista com o Coronel, uma coisa impensável e bastante extraordinária em que o homem diz que não pode abandonar o poder pois não tem um cargo oficial e acrescenta que todo o povo o ama. Deves ter visto aí, claro, coitadas destas pessoas que acabam com líderes destes, quase temos de nos sentir gratos pelos ineptos que a democracia nos vai rendendo e que vamos periodicamente reciclando! :-)
Nem mais, Paula, e não estás só nesse diagnóstico: os EUA dizem que Khadafi está "delirante" e perdeu a noção da realidade; o Kremlin sentencia que é um "homem politicamente morto" e já sem "lugar no mundo moderno civilizado" (http://www.publico.pt/Mundo/estados-unidos-dizem-que-khadafi-esta-delirante_1482669).
Mais só do que isto é difícil.
Mas a coisa está preocupante, ele pelos vistos não quer mesmo pertencer ao mundo civilizado, o país caminha tristemente para uma guerra civil. Mas achei interessante uma notícia que vinha hoje no Público, sobre Angola... Será que o espírito da revolução pode chegar até lá? http://www.publico.pt/Mundo/mpla-nervoso-com-protesto-contra-o-regime-angolano-convocado-pela-internet_1482879
Faz lembrar aquela música do Sam Cooke, "A Change Is Gonna Come".
É verdade, a situação pode resvalar para uma guerra civil. Khadafi continua com as suas sonsices e disse que não se pode demitir porque não é presidente de nada, apenas líder escolhido pelo povo!!
Os insurgentes afirmam estar a preparar o ataque a Tripoli, e que não têm pressa. A ver vamos.
Quanto a Angola, seria bom, mas, olha, nem a notícia consegui ler. Na Costa do Marfim é que a situação está muito má, pois o presidente derrotado em eleições também não quer sair do poleiro e parece querer o confronto militar.
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