Durante as eleições de 1969, as primeiras do marcelismo, o padre Felicidade Alves não pôde participar tanto quanto queria devido ao processo canónico que estava a decorrer, após ter sido removido de pároco de Belém, em 1968, por causa das posições que tomou contra a guerra colonial. Em 1970 foi excomungado pelo cardeal Cerejeira. Aderiu ao PCP. Reconciliou-se com a Igreja Católica em 1998, por ocasião do seu casamento celebrado pelo actual cardeal-patriarca. Escreveu uma carta a apoiar a Comissão Democrática Eleitoral (CDE), que foi publicada no boletim na CDE de Lisboa, em Outubro de 1969. Eis alguns excertos:
«(…) para já, o manifesto da nossa “irmã” – a CEUD – deu-me uma alegria imensa. O que ali se diz ficará como monumento duma viragem política: poder-se atacar sem rodeios o mito nacional-patrioteiro de que “aquilo é nosso e sempre o será” (como se um povo pudesse ser proprietário de outros povos!) é um gesto histórico. Eu seria mais radical, mais explícito em certos pontos: mas é imenso o passo que se deu. (…)
Penso que não se deve deixar passar nem um dia nem uma ocasião para denunciar ao público – e obrigar as pessoas honestas que deram o seu nome às listas da UN a reconhecerem se sim ou não – as criminosas arbitrariedades e as esmagadoras cilindragens operadas pelas duas patas destruidoras de que dispõe a situação prevalecente: A Censura e a Pide. (…)
A nossa luta não termina no dia 26 de Outubro. Ou melhor: é então que a nossa luta mais se impõe e se deve intensificar. Como? Ver-se-á. Mas o ideal, a utopia (no sentido nobre da palavra) é a construção duma sociedade em que reine a Liberdade, a Igualdade, a Fraternidade; em que não haja classes ou pessoas privilegiadas (….)
Finalmente, há uma esfera de problemas que vós não tratareis, mas que para mim são fundamentais. Refiro-me ao incestuoso conúbio entre as coisas políticas e as coisas sacrais, entre as hierarquias eclesiásticas e as autoridades políticas, entre as estruturas de pensamento clerical e as estruturas de pensamento opressivo e repressivo. É um vasto mundo de infiltrações recíprocas, extremamente insidiosas, que urge desmascarar. O regime concordatário, em que vivemos, amordaça mais a Igreja do que o Estado: mas sobretudo é nefasto para os cidadãos e para os crentes. Mais do que o regime jurídico, são as situações de facto, em que a igreja católica dá cobertura moral à Situação e às suas prepotências, e a Governação oferece o seu braço secular armado aos interesses (aliás equívocos) da religião dominante. Vós não entrareis nessa problemática e fazeis bem. Deixai – a nós – cidadãos como vós, além disso discípulos convictos do profeta Jesus de Nazaré. E, nesse sentido, em breve serão difundidos alguns textos [e foram, nos Cadernos do GEDOC, publicação semi-clandestina que se tornou clandestina e acabou quando os seus organizadores foram presos pela PIDE] em que serão focados temas nevrálgicos, como o casamento concordatário e as suas injustiças; o serviço antievangélico e degradante dos capelães militares, as ambiguidades do ensino da religião e moral nas escolas; a abusiva intromissão do Governo na nomeação dos bispos; o regime das missões católicas, etc.»
«(…) para já, o manifesto da nossa “irmã” – a CEUD – deu-me uma alegria imensa. O que ali se diz ficará como monumento duma viragem política: poder-se atacar sem rodeios o mito nacional-patrioteiro de que “aquilo é nosso e sempre o será” (como se um povo pudesse ser proprietário de outros povos!) é um gesto histórico. Eu seria mais radical, mais explícito em certos pontos: mas é imenso o passo que se deu. (…)
Penso que não se deve deixar passar nem um dia nem uma ocasião para denunciar ao público – e obrigar as pessoas honestas que deram o seu nome às listas da UN a reconhecerem se sim ou não – as criminosas arbitrariedades e as esmagadoras cilindragens operadas pelas duas patas destruidoras de que dispõe a situação prevalecente: A Censura e a Pide. (…)
A nossa luta não termina no dia 26 de Outubro. Ou melhor: é então que a nossa luta mais se impõe e se deve intensificar. Como? Ver-se-á. Mas o ideal, a utopia (no sentido nobre da palavra) é a construção duma sociedade em que reine a Liberdade, a Igualdade, a Fraternidade; em que não haja classes ou pessoas privilegiadas (….)
Finalmente, há uma esfera de problemas que vós não tratareis, mas que para mim são fundamentais. Refiro-me ao incestuoso conúbio entre as coisas políticas e as coisas sacrais, entre as hierarquias eclesiásticas e as autoridades políticas, entre as estruturas de pensamento clerical e as estruturas de pensamento opressivo e repressivo. É um vasto mundo de infiltrações recíprocas, extremamente insidiosas, que urge desmascarar. O regime concordatário, em que vivemos, amordaça mais a Igreja do que o Estado: mas sobretudo é nefasto para os cidadãos e para os crentes. Mais do que o regime jurídico, são as situações de facto, em que a igreja católica dá cobertura moral à Situação e às suas prepotências, e a Governação oferece o seu braço secular armado aos interesses (aliás equívocos) da religião dominante. Vós não entrareis nessa problemática e fazeis bem. Deixai – a nós – cidadãos como vós, além disso discípulos convictos do profeta Jesus de Nazaré. E, nesse sentido, em breve serão difundidos alguns textos [e foram, nos Cadernos do GEDOC, publicação semi-clandestina que se tornou clandestina e acabou quando os seus organizadores foram presos pela PIDE] em que serão focados temas nevrálgicos, como o casamento concordatário e as suas injustiças; o serviço antievangélico e degradante dos capelães militares, as ambiguidades do ensino da religião e moral nas escolas; a abusiva intromissão do Governo na nomeação dos bispos; o regime das missões católicas, etc.»
As Eleições de Outubro de 1969. Documentação básica, Lisboa, Publicações Europa-América, 1970, p. 115-116.
1 comments:
E de súbito um eco: "O Voto do Povo", na minha memória enquanto jovem,ali no Campo Pequeno.
Obrigado.
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