A ideia de referendar a possibilidade de casamento homossexual vai fazendo caminho e está prestes a justificar a formação de movimentos cívicos, apesar da fragilidade dos argumentos apresentados e destes significarem um grave atentado à democracia. Por democracia não entendo uma ditadura da maioria, mas uma legitimação pelo voto de um poder que, para permanecer democrático, tem de salvaguardar os direitos das minorias e todas as liberdades que tornam possível a mudança de políticas e a substituição dos políticos.
O argumento de que esta «não pode ser uma prioridade num momento de crise» nem merecia reparo se não revelasse contradições tão chocantes. Já foi dito e escrito por muita gente que o projecto de casamento homossexual fazia parte do programa eleitoral do partido que ganhou as eleições e do Bloco de Esquerda. O que parece muito conveniente esquecer é que se o tema não foi mais discutido durante o período eleitoral foi porque os partidos que tinham posições diferentes sobre o assunto evitaram colocá-lo na agenda política. Os jornalistas lá arrancaram um ou outro «soundbyte» a Manuela Ferreira Leite. Mas onde é que estavam os que agora, menos de dois meses após as eleições legislativas, defendem o referendo? São eles que estão a transformar a questão do casamento homossexual numa prioridade ao admitir que se gaste mais tempo, energia e dinheiro a discutir um assunto que, por preguiça ou oportunismo, não discutiram durante a campanha eleitoral das legislativas.
Os defensores do referendo sobre o casamento homossexual argumentam ainda que o referendo sobre o aborto constitui um precedente válido para a questão. Cheguei mesmo a ler um texto de uma personalidade respeitável que descrevia os embriões como uma «minoria». Até prova em contrário, os embriões não surgem por geração espontânea. A ideia de um referendo sobre o aborto não me agradou, mas qualquer mulher fértil pode engravidar de qualquer homem fértil. Não vejo, pois, como é que uma lei sobre o aborto pode ser descrita como uma lei sobre minorias. O referendo sobre o casamento homossexual é que abriria um precedente gravíssimo. Se referendamos os direitos de pessoas com uma orientação sexual minoritária, por que não referendar depois direitos de minorias étnicas, como os ciganos, ou de minorias religiosas, como os muçulmanos? E se aceitarmos o princípio de referendar direitos das minorias em nossa casa, como é que poderíamos contestá-lo se fosse adoptado em casa dos outros? Que atitude tomariam os portugueses e os católicos se o governo dos Estados Unidos decidisse referendar os direitos dos imigrantes portugueses ou os governos chinês e indiano resolvessem referendar os direitos da minoria católica nos seus países?
O argumento de que esta «não pode ser uma prioridade num momento de crise» nem merecia reparo se não revelasse contradições tão chocantes. Já foi dito e escrito por muita gente que o projecto de casamento homossexual fazia parte do programa eleitoral do partido que ganhou as eleições e do Bloco de Esquerda. O que parece muito conveniente esquecer é que se o tema não foi mais discutido durante o período eleitoral foi porque os partidos que tinham posições diferentes sobre o assunto evitaram colocá-lo na agenda política. Os jornalistas lá arrancaram um ou outro «soundbyte» a Manuela Ferreira Leite. Mas onde é que estavam os que agora, menos de dois meses após as eleições legislativas, defendem o referendo? São eles que estão a transformar a questão do casamento homossexual numa prioridade ao admitir que se gaste mais tempo, energia e dinheiro a discutir um assunto que, por preguiça ou oportunismo, não discutiram durante a campanha eleitoral das legislativas.
Os defensores do referendo sobre o casamento homossexual argumentam ainda que o referendo sobre o aborto constitui um precedente válido para a questão. Cheguei mesmo a ler um texto de uma personalidade respeitável que descrevia os embriões como uma «minoria». Até prova em contrário, os embriões não surgem por geração espontânea. A ideia de um referendo sobre o aborto não me agradou, mas qualquer mulher fértil pode engravidar de qualquer homem fértil. Não vejo, pois, como é que uma lei sobre o aborto pode ser descrita como uma lei sobre minorias. O referendo sobre o casamento homossexual é que abriria um precedente gravíssimo. Se referendamos os direitos de pessoas com uma orientação sexual minoritária, por que não referendar depois direitos de minorias étnicas, como os ciganos, ou de minorias religiosas, como os muçulmanos? E se aceitarmos o princípio de referendar direitos das minorias em nossa casa, como é que poderíamos contestá-lo se fosse adoptado em casa dos outros? Que atitude tomariam os portugueses e os católicos se o governo dos Estados Unidos decidisse referendar os direitos dos imigrantes portugueses ou os governos chinês e indiano resolvessem referendar os direitos da minoria católica nos seus países?
10 comments:
Caro João, este seu post deixa-me um bocadinho confusa. É contra os referendos, é contra a legalização do casamento homossexual ou é contra o aborto, ou ainda contra as minorias? Se a questão é o casamento homossexual e os direitos de que por lei passariam a usufruir esses mesmos casais, naturalmente que só poderei ser a favor. O que está em causa NÃO é a orientação sexual das pessoas, que só a elas diz respeito, mas sim a legislação que as protege e legitima a relação que têm como casal, ou seja como o conjunto de duas pessoas que mantêm uma relação amorosa ou íntima, vivem debaixo do mesmo tecto e pretendem legalizar essa relação. Note que não sou homossexual, não sou casada, por opção, e definitivamente não sou Católica (cruzes!). E claro, sou uma minoria às vezes, como todos nós. E acho que as maiorias devem ser consultadas sobre os direitos das minorias e que as minorias devem ter imensos direitos. Neste caso, qualquer pessoa minimamente iluminada defende o direito ao casamento homossexual.
Mesmo que os homossexuais fossem uma maioria, o casamento homossexual não deveria ser referendado. A escolha de quem vai ser o parceiro/a de uma vida é uma escolha pessoal e íntima, para a maioria como para as minorias, e não deveria haver lei ou referendo que nos dissesse com quem podemos ou não podemos casar (entre adultos consentâneos).
Os deputados que estão na Assembleia não representam a maioria?
Em quem sistema é que os representantes têm mais legitimidade para decidir do que os seus representados?
Porquê que tem medo do povo? Já sabe qual será a sua decisão?
Claro Zéd, em última instância era aí que queria chegar, mas depois entusiasmei-me e acabei por perder o fio ao meu próprio comentário! :-)
Cara Paula Tomé:
o post é essencialmente veementemente contra o referendo a qualquer direitos de minorias. Além disso, sou a favor da legalização do casamento dos homossexuais e votei a favor da legalização do aborto no último referendo. Sou claramente um defensor dos direitos das minorias.
Caro Zèd:
Certo - o casamento dos homossexuais não deveria ser referendado mesmo se os homossexuais fossem uma maioria. Mas nesse caso não vejo como é que a maioria votaria a favor da redução dos seus direitos. Eu no meu post começo por afirmar que a democracia não é uma ditadura da maioria e que deve garantir os máximo de direitos individuais.
Caro José:
Começa por perguntar se os deputados não representam a maioria. Claro que sim e por isso mesmo é que têm legitimidade para legislar sobre o casamento homossexual. A decisão do povo nas últimas eleições legislativas foi dar a vitória a um partido que tinha no seu programa o casamento homossexual. Por isso não há que ter medo desta decisão e não há razões para o referendo.
A maioria tem sempre razão? Hitler foi eleito. Se houvesse um referendo sobre os direitos dos judeus na Alemanha em 1930 alguém garante que esses direitos seriam garantidos? Por isso a democracia não se avalia só pela origem do poder mas também pela forma como o poder é exercido. O exercício do poder democrático tem de respeitar as minorias e evitar situações em que os direitos das minorias sejam negados.
Cara Paula Tomé:
o post é essencialmente veementemente contra o referendo a qualquer direitos de minorias. Além disso, sou a favor da legalização do casamento dos homossexuais e votei a favor da legalização do aborto no último referendo. Sou claramente um defensor dos direitos das minorias.
Caro Zèd:
Certo - o casamento dos homossexuais não deveria ser referendado mesmo se os homossexuais fossem uma maioria. Mas nesse caso não vejo como é que a maioria votaria a favor da redução dos seus direitos. Eu no meu post começo por afirmar que a democracia não é uma ditadura da maioria e que deve garantir os máximo de direitos individuais.
Caro José:
Começa por perguntar se os deputados não representam a maioria. Claro que sim e por isso mesmo é que têm legitimidade para legislar sobre o casamento homossexual. A decisão do povo nas últimas eleições legislativas foi dar a vitória a um partido que tinha no seu programa o casamento homossexual. Por isso não há que ter medo desta decisão e não há razões para o referendo.
A maioria tem sempre razão? Hitler foi eleito. Se houvesse um referendo sobre os direitos dos judeus na Alemanha em 1930 alguém garante que esses direitos seriam garantidos? Por isso a democracia não se avalia só pela origem do poder mas também pela forma como o poder é exercido. O exercício do poder democrático tem de respeitar as minorias e evitar situações em que os direitos das minorias sejam negados.
Receio não ter sido suficientemente claro e por isso volto à questão:
Por princípio, acho que os referendos não devem ser sobre direitos e devem fazer-se sobre opções político-administrativas, como a regionalização.
Mas se se referendarem direitos da maioria da população, a maioria, em princípio não vai votar contra os seus próprios direitos. É claro que a maioria pode não ser «minimamente esclarecida», pode não ter consciência dos seus direitos e errar. Serão todos a pagar os erros da maioria.
Quando há um referendo sobre direitos de minorias, há o risco da minoria pagar os erros da maioria. A maioria pode votar contra os direitos da minoria por ignorância, má vontade, ressentimento, inveja, etc. Os direitos da minoria podem ser lesados por maus sentimentos ou simples falta de conhecimento da maioria.
Por isso, acho que um referendo sobre direitos de uma orientação sexual minoritária pode criar um grave precedente em Portugal.
PS Não vi o programa «Prós e Contra» em que se debateu a questão do casamento homossexual. O que tenho lido em diversos blogues reforça a minha convicção sobre este assunto.
:-) Olá João, bem, estamos todos fundamentalmnte de acordo, confesso que quando li o post inicial não estava a perceber bem o que tinha em mente, peço desculpa.
Olá Paula, eu é que não fui claro. Nem vale a pena preocuparmo-nos com culpas (esta tradição judaico-cristã..) ou desculpas. :-)
Olá João! Bem, serviu o mal-entendido para uma troca de simpatias que inaugura o que, espero, venha a ser uma cordial amizade bloguista! Prometo aprender a lição e parar de ler as coisas na diagonal! Até à próxima e bom posting!:-)
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