terça-feira, 19 de agosto de 2008

Puritanismo católico

A reacção megalómana à prestação dos atletas portugueses nos jogos olímpicos foi bem apanhada pelo Daniel Oliveira e pelo Pedro Sales. Eu acrescentaria dois outros vícios: a falta de compaixão pelo fracasso dos atletas, essa virtude moral que devíamos ter herdado do catolicismo; e o puritanismo dos comentadores —"com os meus impostos!?'—, de repente todos transformados em guardiães da moralidade fiscal (o que, num país que não investe no desporto e tem níveis elevados de evasão fiscal, dá realmente vontade de rir).

Esta parte do puritanismo, para quem se interessa por história das mentalidades tugas, intriga um bocado, e é até angustiante. Todo este rigorismo moral de onde vem? É o resultado devastador da acção da direita opinioneira? Dos Joões Mirandas deste país? E o que é feito da boa e velha e plástica moral católica, pecando e logo em seguida perdoando? E do desmazelo, que António José Saraiva, já no fim da sua vida, considerava uma característica essencial do português? Já nos envergonhamos do desmazelo em vez de nos rirmos dele?

Mas, pensando melhor, não se acaba com uma cultura multissecular de um dia para o outro. Vou dar uma de Esteves Cardoso: este neopuritanismo à portuguesa é tipicamente português. Não é mais do que uma radicalização do "vão trabalhar, malandros!". Grande rigor moral, sim, mas para os outros. É o velho manguito do costume, mas desta vez feito em casa, às três da tarde, ainda de pijama, entre um zapping e um clique, afagando o redondinho da barriga, vociferando contra os atletas que caíram no amadorismo de confessar que gostam de dormir de manhã.

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