Durante toda a sua campanha, Barack Obama foi bastante vago sobre suas reais intenções. Disse apenas ser capaz de proporcionar mudanças. Entretanto, em assuntos fundamentais, como política externa e economia, não espero por grandes mudanças. Como qualquer outro presidente norte-americano, em primeiro lugar defenderá os interesses econômicos e geopolíticos dos United States of America.
Na política externa, ao contrário de seu antecessor, o democrata deverá se dedicar mais às alianças internacionais e evitar manobras unilaterais - mas não descarta totalmente esta possibilidade caso se faça necessário. Tentará restabelecer o diálogo direto com países como a Irã e Síria. Entretanto, quando o assunto é a defesa de Israel, Obama é categórico. Não perderá tempo consultando a ONU caso o país sofra um ataque nuclear lançado pelo Irã: a retaliação virá imediatamente.
Anunciou que se empenhará no sentido de promover um acordo de paz entre israelenses e palestinos. Resta saber o quanto e como se empenhará. Defende a criação de um Estado palestino ao lado do israelense, mas não deu qualquer detalhe sobre quais seriam as delimitações de fronteiras. Chegou até a afirmar que Jerusalém era indivisível. Porém, assessores de campanha prontamente corrigiram o então candidato: “Isso não significa excluir a cidade das discussões”, disseram eles. Bem, neste caso fica um enorme ponto de interrogação de qual seria a sua verdadeira intenção. Vamos esperar pra ver.
Obama também se dedicará à missão quase impossível de melhorar a imagem dos EUA na Europa, o que significa “tratar seus aliados com respeito e restabelecer a autoridade moral dos EUA”, disse. Ele apóia o processo de expansão da União Européia e defende o ingresso da Turquia no bloco. Pretende negociar com a Rússia estratégias de desarmamento, principalmente no tocante às armas nucleares. Mas também é favorável a criação do tal escudo antimísseis. Como explicar isso para os sempre “desconfiados” russos, hein?
Durante toda a campanha presidencial, o democrata se posicionou claramente contra a guerra no Iraque e garantiu a retirada das tropas norte-americanas do país. Mas, por outro lado, pretende aumentar imediatamente o contingente de soldados no Afeganistão de 7 mil para 10 mil homens. Detalhe: o seu vice e um dos prováveis consultores para assuntos externos, Joe Biden, defendeu o ataque “preventivo” ao Iraque em 2003.
Quanto à política econômica, creio que nem ele saberá responder em detalhes o que fará a longo prazo, mesmo porque não dá pra prever ainda o tamanho do estrago herdado de Bush, o war president. A única coisa certa é que encontrará um país sem qualquer credibilidade internacional, envolvido em guerras, com uma dependência energética a rondar a casa dos 450.000 milhões de dólares/ano e endividado até o pescoço. Pra piorar, será também refém desta profunda crise econômica detonada pelos seus compatriotas do mercado financeiro. Caso siga a cartilha de seu guru financeiro, Austan Dean Golsbee, da Universidade de Chicago, adotará um programa neoliberal bem ortodoxo, com o aumento de subsídios para deter as importações de vários produtos. Neste quesito, creio que nada ou quase nada mudará.
No cenário social, também não prevejo grandes mudanças. Obama prometeu apenas um alívio fiscal para a classe média norte-americana. Propôs um serviço de saúde mais acessível à população de baixa renda, mas não falou nadinha em universalizá-lo, proposta defendida pela sua rival de primárias, Hillary Clinton, cujo projeto se encontra parado no senado há 14 anos. Ou seja: é muito pouco consideradas as expectativas depositas na sua eleição.
Quando o assunto é imigração, o presidente eleito é bem cauteloso. Diz apenas que o país necessita de uma reforma abrangente, que ofereça um "caminho para a legalização" aos mais de 12 milhões de imigrantes indocumentados. Mas votou a favor da cerca que separa a fronteira americana do México e apoiou o aumento de verbas para fiscalizar os imigrantes ilegais proposto por Bush. Também apóia a adoção de medidas de segurança nas fronteiras, como o aumento da Border Patrol. Neste caso, o homem não me parece nadinha liberal.
Já sobre questões ambientais, propõe apenas a "fixação de limites máximos de emissão de gases causadores do aquecimento global". Diz pretender cooperar com as organizações de proteção ao clima da ONU (não sei não, mas isto me parece mais um exercício de pura retórica), mas não se compromete a assinar o Protocolo de Kyoto ou qualquer outro acordo que o venha a suceder. Aqui também ficará tudo como está.
Enfim, Obama não é o presidente norte-americano dos meus sonhos, mas talvez seja o melhor que os EUA podem nos oferecer neste momento. Com certeza, ele será menos nocivo ao mundo do que foi Bush e do que poderia ser McCain. O veterano da guerra do Vietnã mostrou ter duas faces. Durante as primárias, se mostrou muito liberal para o gosto republicano. No confronto direto contra o democrata, no entanto, veio à tona a verdadeira. A de um militar perigosamente patriota, a de um homem demasiadamente conservador e a de um político bem mais à direita do que quis aparentar. Durante toda a sua campanha, não teve o menor pudor ao usar a mentira e o terrorismo verbal para satanizar o seu rival. “Eu servi ao meu país nas Forças Armadas. Eu sei enfrentar todos os problemas no mundo”. Enfrentar todos os problemas no mundo? Isto é bem sintomático, não acham? Então, sarava! Barack Hussein Obama Jr., o 44° presidente dos Estados Unidos da América, com a aprovação de 2 em cada 3 pessoas deste conturbado planeta Terra.
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Caricatura retirada daqui.
3 comments:
Manolo, estavas lançado, parece que esgotaste o tema ;)
A seu tempo se verá se se confirma o teu retrato um tanto ou quanto funesto, ou frustrante, conquanto realista. Esperemos que seja melhor, acredito que poderá ser melhor.
Digo isto porque as democracias não se apoiam só num homem, mesmo em sistemas presidencialistas (não sei se estará totalmente correcta esta asserção) como o dos EUA. É que o Congresso também tem muito peso, e este viu reforçada a presença dos Democratas.
Por outro lado, a sociedade civil também irá mudar, melhor, já está a mudar. Desde logo, porque a questão de ser o 1.º negro no comando desta nação tem um grande impacto público. Depois, porque nos EUA deu-se um caso singular na história das democracias ocidentais: esteve mais de 1 ano em campanha política intensa. Isso tem que ter consequências políticas e sociais.
Isso já se poderá ter reflectido no resultado de parte da catadupa de referendos que acompanhavam estas eleições. By the way, tens alguma ideia de como as coisas ficaram, uma vez que falaste neles em post anterior?
Manolo,
Excelente análise, mas não sei se concordo com tudo.
É normal que cada presidente se ocupe em primeiro lugar dos interesses do seu país, é para isso que são eleitos e ninguém espera outra coisa (penso eu).
Dizes que não esperas grandes mudanças em política externa mas depois enuncias logo diferenças fundamentais ("Na política externa, ao contrário de seu antecessor, o democrata deverá se dedicar mais às alianças internacionais e evitar manobras unilaterais"). Acho que é o que Obama vai fazer, pelo menos foi o que prometeu, e isso é uma diferença abissal em relação a Bush.
Também não concordo que Obama tenha sido "vago" em relação ao seu programa. É certo que foi muito mais explícito durante a campanha para as primárias no partido democrata do que na campanha para a eleição presidencial. Mas o que disse durante as primárias continua a ser um compromisso por ele assumido e pelo qual deverá responder. E nos debates com Hillary Clinton (e os outros candidatos democratas) Obama avançou com ideias concretas (retirada do Iraque, reforma do sistema de saúde, política fiscal, política externa, energia e ambiente, etc...). Acho que muitas das propostas são boas, e o sobretudo melhores do que as alternativas, seja Hillary Clinton, seja principamente McCain.
E já agora, acho muito bem que Obama não tenha avançado com propostas concretas sobre a definição das fronterias entre Israel e o estado Palenstiniano, e espero que não o venha a fazer. Essa é uma questão que israelitas e palestinianos terão que resolver entre si. Os EUA deverão agir como moderadores, deverão apelar à razoabilidade e bom senso, pôr pressão nuns e noutros para que cheguem a um acordo mas devem permanecer neutrais e não se substituir nem a israelitas nem a palestinianos.
Salve, Daniel.
Não tenho dúvidas que os EUA e o mundo poderão respirar bem melhor com a eleição de Obama. Se fosse norte-americano eu votaria nele sem pestanejar. Concordo contigo quando dizes que o Congresso norte-americano e a sociedade civil terão um papel fundamental na tomada de decisões. Talvez eu tenha querido ser mais realista que o rei e tenha excedido nas críticas, mesmo porque o homem sequer tomou posse.
Sobre o resultado dos referendos, vai aqui os mais importantes. Na Califórnia, os casais do mesmo sexo dever perder o direito ao casamento. Já na Flórida e Arizona esta prática foi simplesmente proibida. Na Dakota do Sul foi derrotada uma medida que proibia o aborto e no Colorado foi rejeitada uma medida que tornaria o aborto judicialmente um crime de homicídio. Em outras votações, Nebraska acabou com a ação afirmativa em prol de minorias, Washington autorizou o suicídio assistido por médicos em casos de doenças terminais e Michigan autorizou o uso maconha pra fins médicos.
ps: Pô, Daniel, não me lixes. Funesto é demais. Não é não?;)))
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Salve, Zèd.
Concordo contigo e é lógico afirmar que “cada presidente se ocupe em primeiro lugar de seu país”. Só que os interesses dos EUA vão muito além aos comuns de outras nações. Não se justifica, por exemplo, que para defendê-los desrespeite a soberania de outros países, com conspiração, golpes e invasões. Também não vejo contradição na minha afirmação de que não haverá grandes mudanças na política externa com o fato dele procurar alianças multinacionais, mesmo porque elas já existem há muito tempo, como é o caso da Nato. Só salientei a possibilidade dele agir unilateralmente caso se “faça necessário”, o que deixa a questão totalmente aberta.
Já sobre ele ser vago em relação ao seu programa de governo, mantenho o que escrevi. Claro que as suas propostas são melhores que as de Hillary Clinton e, principalmente, McCain. Mas isso não é justificativa pra que ele não avance mais nas questões sociais. Ainda acho que é muito pouco se comparada com as expectativas que ele criou ao logo da sua campanha eleitoral. Talvez eu até tenha me precipitado neste caso. Vamos ver o que o tempo dirá, mesmo porque ele vai pegar um país em frangalho.
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