A
história da
cachaça começa no
início do
século 15. Os portugueses conheceram a
cana durante suas viagens à Ásia e
não tardaram
em levar algumas
mudas para a
Ilha da
Madeira,
para,
mais adiante, introduzí-la nas
novas terras descobertas.
Logo em seguida,
um gaiato qualquer descobriu
que a
cana-de-açúcar servia
também pra adoçar a
vida.
Já origem da
palavra "
cachaça" é
bastante controversa.
Segundo alguns pesquisadores,
ela deriva do
termo castelhano “cachaza”, uma
espécie de
vinho que era produzido a
partir da
borra da
uva. No
Dicionário Escolar da
Língua Portuguesa, de
Silveira Bueno, a
palavra “
cachaça” aparece
como sinônimo de
porco selvagem (
cachaço).
Como amaciavam a
carne de
porco com aguardente, adotaram o
nome da
porca (
cachaça)
para designar a
aguardente usada
para este fim.
Entretanto, a
versão mais aceita é
que ela deriva da “cagaça”,
nome dado pelos escravos à
garapa azeda,
resíduo da
produção de
açúcar e
rapadura que era deixada ao
relento em cochos de
madeira, usada
apenas na
alimentação de
animais.
Como fermentava
com facilidade,
alguém (
que de
tolo não tinha nada) provou e descobriu
que,
além de
alimentar animais, o
tal líquido era divino e
alimentava
também a
alma humana. E
assim,
entre 1532 e 1548, na
Capitania de
São Vicente, é
descoberta a
cachaça (
ou a
água que passarinho não bebe).
A partir daí, a cachaça, assim como se fazia com os resíduos da fermentação da uva, começou a ser destilada em alambiques (ou casas de cozer méis). Seu primeiro nome foi “aguardente de cana” e era fornecida aos escravos junto com o desjejum para que pudessem suportar melhor o trabalho nos canaviais. Ou seja, como doping. Com o passar do tempo, o processo para a obtenção desta aguardente foi se aprimorando e até virou moeda corrente para a compra de escravos. O que já era bom, ficou bem melhor. Seu consumo cresceu tão rapidamente que a Coroa Portuguesa viu ameaçado o comercio de seu aguardente nacional (a bagaceira) para as colônias. Resultado: em 1635, Portugal proíbe a venda de cachaça no estado da Bahia e, quatro anos depois, tenta proibir a sua produção. Tarde demais... A cachaça já tinha se tornada a preferência nacional e se agigantou de tal maneira que ficou totalmente fora do controle das autoridades estabelecidas.
Como se faz uma boa cachaça - De cada tonelada de cana, produz-se de 70 a 120 litros de cachaça (será este o motivo pela devastação da Amazônia?) e o processo industrial é o seguinte: 1) a cana deverá ser colhida sem queima e moída para se retirar a garapa, que passará pelo processo de decantação, onde será separado o resíduo sólido. 2) a garapa vai para tanques de fermentação, onde permanece de seis a 24 horas. Após o período estipulado de fermentação, a garapa passa a ser chamada de “vinho”. 3) este “vinho” é direcionado para o destilador (alambiques) onde será aquecido com fogo direto ou indireto. O “vinho” entra em aquecimento, transformando esses gases e vapores em líquido condensado. Pronto, já temos aqui a tradicional cachaça e o seu teor alcoólico deverá estar entre 38 e 54 graus. 4) por último, ela será armazenada em tonéis de madeira neutra (para não altera o sabor e a cor da bebida), onde permanece no mínimo por seis meses. Outro processo é deixá-la dormir (como uma linda menina que sonha com as carícias obscenas de um príncipe encantado) entre um e 10 anos em barris de madeira que atuam diretamente no seu gosto e cor: carvalho, bálsamo, amburana, jequitibá, ipê e angelin, são os mais tradicionais.
Os seis mandamentos da boa cachaça - 1) não resseca a boca nem queima a garganta; 2) seu odor tem de ser suave (cheire a cachaça, pois o buquê deve ser agradável e lembrar suavemente o aroma da cana; não deixa bafo); 3) a bebida de qualidade, quando agitada, forma uma espuma e essa espuma deve desaparecer, no máximo, em 30 segundos; 4) despeje lentamente a bebida nas paredes do copo e observe: ela deve escorrer como um fino óleo; 5) verifique contra a luz se o líquido é transparente e não contém impurezas; 6) uma vez aberta, a garrafa deve ser mantida bem fechada para evitar a evaporação (Gazeta Mercantil, São Paulo, 18 maio 2005, p. B-14). Se a cachaça não apresentar estas qualidades, não a beba. Sirva-a apenas aos seus inimigos ou aqueles amigos idiotas que vivem entupindo a sua caixa de correio-eletrônico com spams, supostamente inteligentes, úteis ou engraçados. Em outras palavras, para distinguir uma boa cachaça o pretendente a beberrão deverá ter a visão, o paladar e o olfato bem aguçados, coisas que já na terceira dose será impossível manter. Portanto, é prudente testá-la antes das primeiras talagadas pra não reclamar no dia seguinte.
Bem, já que conhecemos alguns pormenores da cachaça, vamos realmente ao que interessa de fato. A boa cachaça deverá ser bebida sempre pura (eu disse PURA) e em copos pequenos próprios - dose de 50 ml, sem gelo ou qualquer outra impureza pagã que venha alterar o seu sabor. Além de propriedades divinas, a cachaça tem poderes terapêuticos. É o caso, por exemplo, da caipirinha (veja receita abaixo), que deverá ser feita com uma cachaça de qualidade duvidosa. Segundo a tradição popular paulista (que é tão sábia como a Ciência), a caipirinha é um ótimo antídoto contra a gripe e resfriado. Como confio muito na sabedoria popular, é o meu remédio predileto pra muitos males, principalmente os d’alma. Bem, depois de saborear muitas cachaças, mas antes de perder a capacidade crítica, selecionei aqui algumas de minha preferência.
Velho Barreiro (não confundir com a Velho Barreiro Gold) – Com 39°. É uma cachaça bem popular nos bares de São Paulo (a mais consumida pelos trabalhadores braçais). Tem o poder de ser de péssima qualidade, mas é minha preferida pra se fazer caipirinhas. A garrafa com 910 ml. custa apenas R$ 4,00 (€1,50). Embebeda-se rapidamente e gasta-se bem pouco. E é a favorita dos estudantes porras-loucas para se fazer “farmácia”, ou seja, um verdadeiro coquetel molotov, composto por cachaça, vodca, vinho tinto, “conhaque” de gengibre e refrigerante gaseificado com sabor artificial de laranja e etc... Bum!
Ypióca - Ouro – Com 39° é envelhecida dois anos em bálsamo. É bem suave e muito apreciada entre as mulheres (são poucas - o que é lamentável!) que saboreiam uma cachacinha amiga. É a mais exportada pelo Brasil. 910 ml. R$ 9, 00 – € 3,50.
Anísio Santiago – Com 44,8º é envelhecida entre seis e oito anos em carvalho e bálsamo. É forte e cheira muito à madeira seca. É a cachaça preferida dos bebedores de uísque e de quem não tem imaginação pra gastar dinheiro. Não fosse o preço, seria uma cachaça de excelente qualidade. 600 ml. R$ 300,00 – €115.
Seleta – Com 42º é envelhecida por dois anos em umburana. É recomendada aos que gostam de sabores intensos. Uma cachaça honesta, apenas isto. 600 ml. R$ 12,00 – € 4,50.
Germana – Com 40° é envelhecida por dois anos em carvalho e bálsamo. É uma cachaça de sabor suave e bem agradável a todos os paladares. Vai bem em coquetéis diversos. 710 ml. R$ 25,00 – € 9,50.
Vale Verde – Com 40° é envelhecida por três anos em carvalho. É uma ótima cachaça e tem um preço ainda melhor. Poucos a sabem degustar com sabedoria. 700 ml. R$ 35,00 – €13.
Coqueiro - Ouro – Com 44° é envelhecida entre um e dois anos em amendoim e carvalho. A sua produção é semi-artesanal e se caracteriza pela sua maciez e toque adocicado. O seu preço depende do humor de seu produtor em Paraty, litoral sul do Rio de Janeiro. Quando estou por lá pescando, não a abandono. O valor da garrafa com 700 ml. pode variar entre R$ 30,00 e 50,00 – €11,50 e 19.
OBS: Estes preços são válidos para o mercado interno brasileiro.
Receita da caipirinha (pra uma pessoa)
1 limão taiti (de casca fina)
80 ml. de cachaça
2 colheres (sopa) de açúcar de cana
gelo picado q.b.
Preparo: Primeiro, lave bem o limão, corte-o ao meio no sentido longitudinal e retire o “bagacinho” do miolo, pois o dito cujo amarga um pouco o líquido precioso. Feito isto, volte a cortar (no mesmo sentido do corte original) as duas partes ao meio. Ponha os quatro pedaços obtidos num copo "old fashioned". Acrescente o açúcar e pressione levemente com um pilão de madeira (para que não libere o sumo da casca). Adicione a cachaça. Usando um “mexedor”, envolva o limão com o líquido. Complete com gelo picado. Pronto. Agora é só deliciar-se. Mas, cuidado! A caipirinha é muito traiçoeira e já derrubou muitos valentões por este mundo afora.
Outros nomes da cachaça - Abrideira, Água benta, Água que passarinho não bebe, Arrebenta peito, Branquina, Birita, Caninha, Cangibrina, Catuta, Cura-tudo, Danada, Dengosa, Desmancha Samba, Ela, Engasga Gato, Esquenta-guela, Fecha-corpo, Gengibrina, Gororoba, Guampa, Januária, Imaculada, Limpa-goela, Lisa, Maçangana, Malunga, Malvada, Mamãe de Luanda, Martelada, Mata-bicho, Morrão, Morretiana, Parati, Perigosa, Pura, Pinga, Raspa-guela, Santinha, Sinhaninha, Suor de alambique, Teimosa, Tira-teima, Uca, Veneno...
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Bem, este é o meu último post do ano. A partir de agora desconecto-me do mundo (virtual e real). O verão do Hemisfério Sul já me chama e me diz que tenho de tirar as minhas merecidas férias. Ufa! Já está tudo pronto pra minha pescaria marítima e pedaladas pelas areias do litoral sul de São Paulo. Volto ao final de janeiro. Um abraço enorme a todos os Peões e um Feliz Tudo a todos. Tchau.
9 comments:
Olá Manolo, excelente post sobre a cachaça (se ainda for a tempo podias acrescentar a etiqueta 'vinhos aos domingos' para este não se perder na teia dos arquivos).
Um grande abraço para ti e boas férias. Espero que voltes em força!
Olá, Renato.
Pegaste-me pelo rabo. É verdade, coisas preciosas não podem se perder por aí. Tá lá a etiqueta. Um forte abraço pra ti também.
Viva Manolo,
puxa, deixaste-me duplamente com água na boca:
uma, pelo maravilhoso post sobre a Gororoba (quando puder darei uma olhada mais atenta nos hiper, a ver se tem a «Selecção Manolo Piriz Gourmet»;
a outra, por falares em praia, mar e sol quando aqui estamos quase do avesso (algum sol vai havendo)... ;)
Deixemo-nos de lamúrias; sendo justamente merecido esse teu recarregar de baterias, só te posso desejar Boas Festas e Melhores entradas no Novo Ano!!
História Antiga
Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.
E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da nação.
Mas, por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.
Miguel Torga
Um Excelente Natal para ti e toda a família.
E já agora Daniel, notei que também não inseriste no teu post sobre o medronho a etiqueta dominical.
Um abraço e boa consoada para todos!
Manolo,
Este post é verdadeiro serviço público!
(se ainda for a tempo) Boas Festas lá nas terras do Sul!
Ó Renato, olha que aguardente não é vinho, pá (por isso criei a etiqueta «crítica de aguardentes»).
Que tal aditarmos outra etiqueta, a de «bebidas ao domingo»? É mais abrangente (pode até abarcar licores, batidos, capilés, etc.) e tem um duplo sentido, que é o de se ter bebido o líquido de que se fala ;)
Que achais?
Ok, é só para os posts ficarem agregados numa mesma rubrica. Afinal todos foram postados ao domingo.
oi mano véio.
um verdadeiro desbunde esse texto. maravilha! já estou de pilão e tudo na mão pra preparar essa receita de caipora.hummm. um lindo ano pra você.
um megabeijo.
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