Concordo com o Rentato, não gosto de barricadas, menos ainda de barricadas dentro da esquerda. Barricadas e debate não combinam muito bem. No debate entre o Hugo Mendes e o Zé Neves (que foi um debate que endureceu a dada altura, mas vou deixar isso de lado) notou-se bem uma barricada que frequentemente se ergue entre o centro-esquerda e a esquerda da esquerda: a questão da exequibilidade (realismo, pragmatismo, o que quiserem chamar-lhe) das políticas. É uma barricada que me parece útil e exequível desmontar, e de ambos os lados há telhados de vidro. O Hugo Mendes usou a imagem da bolha para uma parte da esquerda. Vivem numa bolha, desligados da realidade, porque as suas propostas políticas não são passíveis de serem postas em prática, o que torna o seu discurso político estéril. Resumindo o argumento do Hugo com as suas próprias palavras (tiradas de um comentário que deixou a um post do Renato):
"Pensar de forma clara significa, entre muitas outras coisas, perceber que as pessoas do mundo lá fora, pouco politizadas, mas que são cidadãos como nós, para além das pessoas que votam, não querem saber da democracia enquanto "movimento constituinte". No limite, isso são chavões (...) SE não houver propostas concretas e exequíveis que traduzam esse discurso para políticas públicas específicas."
O Zé Neves contrapõe (num comentário a um post no O de Conduta)
Eu não apresento propostas políticas "exequíveis" SE com exequíveis se pretende definir aquilo que seja realista aplicar no quadro político institucional actual. Eu apresento propostas políticas "exequíveis" se baseadas em princípios e em princípios cuja "exequibilidade" tem como primeiro critério não o que seja "sensato" do ponto de vista das "políticas públicas" - e isto não quer dizer que não é possível que o sejam - mas sim aquilo que seja desejável do ponto de vista dos tais "cidadãos despolitizados". A política para mim começa aqui: em tomar partido em nome de princípios - nem tanto morais mas sim ideológicos - que se formam e reformam democraticamente no contexto de formação de um poder constituinte de uns contra o poder de outros.
Chamem-me esquizofrénico se quiserem, mas à partida concordo com os dois. Como não concordar com o Zé Neves? Naturalmente que antes de qualquer política vêm os princípios, morais, e, sobretudo, ideológicos. Mas no entanto o que diz o Zé Neves é insuficiente. A ideologia diz-nos QUAIS são os objectivos a atingir, mas não nos diz necessariamente COMO os vamos atingir, muito menos SE conseguiremos atingi-los. Nesse aspecto a sua posição é até algo cândida, como se simplesmente querer algo fosse suficiente para atingi-lo. Ora, para nos lixar o esquema, há sempre a realidade, que como todos sabemos é uma chata. Acontece que, e é aqui que eu estou de acordo com o Hugo, é preciso saber quais as políticas que vamos pôr em prática e, principalmente, se vão efectivamente dar os resultados desejados. Um exemplo concreto: para reduzir o desemprego um possibilidade - que geralmente agrada à esquerda - é reduzir os horários de trabalho para criar mais empregos. A questão é saber se reduzir os horários de trabalho vai realmente criar mais emprego (e podia dar como exemplo a reforma aos 50 anos, ou coisa do género). Para responder a estas perguntas é preciso recorrer à economia, à ciência política, às ciências sociais, e tudo o que possa ajudar a encontrar respostas. Mas é preciso sobretudo, para lá da ideologia - diria mesmo independetemente da ideologia -, saber se as propostas políticas terão os efeitos desejados. Recusar isto é recusar a realidade. Não é César quem quer, é César quem pode.
Agora onde eu não posso estar de acordo com a imagem da "bolha" é não sua utilização de modo genérico, num debate em que se discutem princípios, a esquerda, a democracia. Num debate específico, sobre um tema em particular, se um grupo (ou pessoa) se mostrar desligado da realidade, é normal utilizar esse argumento, é aí que se deve fazê-lo. No entanto, mesmo que demasiadas vezes uma parte da esquerda tenha propostas irrealistas, não exequíveis, usar a "bolha" como um rótulo torna-se numa espécie de falácia genética. Uma coisa do género: "Ah!, e tal... Tu és de extrema-esquerda e não sei que mais, logo as tuas propostas não são exequíveis, e coiso. Nem vale a pena saber que propostas são essas."
"Pensar de forma clara significa, entre muitas outras coisas, perceber que as pessoas do mundo lá fora, pouco politizadas, mas que são cidadãos como nós, para além das pessoas que votam, não querem saber da democracia enquanto "movimento constituinte". No limite, isso são chavões (...) SE não houver propostas concretas e exequíveis que traduzam esse discurso para políticas públicas específicas."
O Zé Neves contrapõe (num comentário a um post no O de Conduta)
Eu não apresento propostas políticas "exequíveis" SE com exequíveis se pretende definir aquilo que seja realista aplicar no quadro político institucional actual. Eu apresento propostas políticas "exequíveis" se baseadas em princípios e em princípios cuja "exequibilidade" tem como primeiro critério não o que seja "sensato" do ponto de vista das "políticas públicas" - e isto não quer dizer que não é possível que o sejam - mas sim aquilo que seja desejável do ponto de vista dos tais "cidadãos despolitizados". A política para mim começa aqui: em tomar partido em nome de princípios - nem tanto morais mas sim ideológicos - que se formam e reformam democraticamente no contexto de formação de um poder constituinte de uns contra o poder de outros.
Chamem-me esquizofrénico se quiserem, mas à partida concordo com os dois. Como não concordar com o Zé Neves? Naturalmente que antes de qualquer política vêm os princípios, morais, e, sobretudo, ideológicos. Mas no entanto o que diz o Zé Neves é insuficiente. A ideologia diz-nos QUAIS são os objectivos a atingir, mas não nos diz necessariamente COMO os vamos atingir, muito menos SE conseguiremos atingi-los. Nesse aspecto a sua posição é até algo cândida, como se simplesmente querer algo fosse suficiente para atingi-lo. Ora, para nos lixar o esquema, há sempre a realidade, que como todos sabemos é uma chata. Acontece que, e é aqui que eu estou de acordo com o Hugo, é preciso saber quais as políticas que vamos pôr em prática e, principalmente, se vão efectivamente dar os resultados desejados. Um exemplo concreto: para reduzir o desemprego um possibilidade - que geralmente agrada à esquerda - é reduzir os horários de trabalho para criar mais empregos. A questão é saber se reduzir os horários de trabalho vai realmente criar mais emprego (e podia dar como exemplo a reforma aos 50 anos, ou coisa do género). Para responder a estas perguntas é preciso recorrer à economia, à ciência política, às ciências sociais, e tudo o que possa ajudar a encontrar respostas. Mas é preciso sobretudo, para lá da ideologia - diria mesmo independetemente da ideologia -, saber se as propostas políticas terão os efeitos desejados. Recusar isto é recusar a realidade. Não é César quem quer, é César quem pode.
Agora onde eu não posso estar de acordo com a imagem da "bolha" é não sua utilização de modo genérico, num debate em que se discutem princípios, a esquerda, a democracia. Num debate específico, sobre um tema em particular, se um grupo (ou pessoa) se mostrar desligado da realidade, é normal utilizar esse argumento, é aí que se deve fazê-lo. No entanto, mesmo que demasiadas vezes uma parte da esquerda tenha propostas irrealistas, não exequíveis, usar a "bolha" como um rótulo torna-se numa espécie de falácia genética. Uma coisa do género: "Ah!, e tal... Tu és de extrema-esquerda e não sei que mais, logo as tuas propostas não são exequíveis, e coiso. Nem vale a pena saber que propostas são essas."
8 comments:
Zèd,
Acho que o problema que mencionas dos dois discursos não está bem formulado. O problema não é existirem dois lados. Eu, como tu, revejo-me em parte da segunda postura que apresentas (que foi apresentada pelo Zé Neves mas, para evitar as questões pessoais, podia ter sido escrita por qq outra pessoa). Mas com uma condição, e esta é uma GRANDE condição: é que se pense como é que se PASSA de um registo para o outro. Isto é absolutamente fundamental, e é aquilo que me separa da posição em causa. Uma TENSAO entre discursos e planos (um mais utópico e imaginado, outro mais realista e pragmático) é diferente da sua CONTRADIÇÃO e INCOMUNICABILIDADE, precisamente que origina a tal situação de esquiozofrenia. A esquizofrenia só emerge quando e se produzirmos dois discursos incompatíveis e que se excluem mutuamente. Se, na citação que colocas do Zé Neves, ele diz que só apresenta «propostas políticas "exequíveis" se baseadas em princípios e em princípios cuja "exequibilidade" tem como primeiro critério não o que seja "sensato" do ponto de vista das "políticas públicas"» isto é, para mim, uma contradição: a exequibilidade é definida como não-exequibilidade. Parte do ponto de partida, insensato para mim, que podemos conectar as 'ideias' com a 'realidade' passando por cima das políticas públicas e, já agora, passando por cima do voto das pessoas nas mesmas. Esta 'exequbilidade não-exequível' não tem nada de realista, nem acha que é necessário prestar atenção aos constrangimentos que o real coloca a qualquer acção política. É algo estratosférico. É, enquanto capacidade de intervenção no real, completamente falaciosa - e um incentivo à produção de propostas irresponsáveis, que instalam os seus produtores na posição cómoda de defender algo que que nunca vai ser posto em prática e por isso é empiricamente puro, infalsificável. É como - e tu és cientista, sabes do que falo - construir uma teoria fantastica sem que nunca te preocupes em começar a pensar em testá-la; quando tu, cientista de laboratório, perguntas como é que eu tenho a capacidade de saber se essa grande teoria tem alguma "purchase on reality", a unica resposta que levas é que ela não foi pensada para ter; pelo contrário; ela dá-se ao bestial luxo de não ter de se deter com problemas de verificação ou aplicabilidade. Não pode dar errado porque nunca verá a luz do dia.
Há quem defina "política", e a forma de estar na política, deste modo. Tudo bem. Pessaolemnte, pra mim isto é completamente inconsenquente e não leva a lado nenhum - desculpa a frontalidade, mas por causa da sua consistente e genética inconsequencia, faz ZERO pela classe trabalhora, pelos oprimidos, e pelos explorados. Daí a imagem, que podes achar menos apropriada, da 'bolha'. Eu continuo a achar que é boa. Corresponde uma forma de descrever, pensar e viver o mundo separado de tudo o resto, precisamente porque define a (sua) politica como a produção sistemática de propostas geneticamente não-exequiveis. Ora, se ela não são (1) exequiveis a partir de (2) políticas publicas legitimadas pelos cidadãos, então não sei como elas podem ser postas em prática. Não sei mesmo (excluo, naturalmente, o principio revolucionário e do uso da violência pelas "causas certas"; não tenho a certeza que o Zé Neves e outros as excluam, mas não me cabe a mim responder por eles). Mas isto, claro, é partir ingenuamente do principio que elas foram formuladas PARA ser postas em práticas. Mas não foram. Elas esgotam-se na bolha. O movimento de tradução do plano utopico para o plano realista nunca vai acontecer, porque é contra o plano realista que esta atitude se constitui, geneticamente se quiseres (falo do ponto de vista político, existencial, bem entendido, nao biologico!). É isso que as define: não se misturarem com a impureza e a corrupção das políticas públicas.
Para o comum dos mortais dos cidadaos de uma democracia, que, como escrevi noutra ramificação deste debate - http://spectrum.weblog.com.pt/arquivo/2007/12/o_outro_movimen.html -, as pessoas querem saber como pagam a renda da casa, o que vai acontecer ao sem emprego, o que fazem com os seus pais, como lidam com a doença do conjuge, como podem ajudar os seus filhos a melhorar as notas, etc. etc. etc.. A maior parte das pessoas não quer respostas dogmáticas de esquerda ou direita, embora possam ser ideologicamente inclinadas. Elas querem resolver os seus problemas enquanto pessoas e cidadaos, por vezes de acordo com alguns principios morais/politicos, outras vezes nem tanto.
É por isso que as políticas públicas são importantes, não em si mesmas - numa lógica de bolha -, mas pela forma como podem ajudar as pessoas as resolver os seus problemas e a levarem uma existencia decente.
Qualquer forma de pensar política que não veja as intervenções eficazes, realistas e benéficas para as pessoas (características que são bem dificil de compatibilizar, como sabes) como o FIM ULTIMO E ESSENCIAL da sua actividade [isto é, podemos pensar num plano utópico mas temos de saber como aterramos na realidade da política democratica] vale, parece-me, pouco a pena.
abraço
Hugo
Só como adenda: o mais engraçado é que durante todo este debate é sobre a "atitude perante a política", ou se "o debate é possível". É sempre em meta-discussão sobre qualquer coisa, talvez sobre política nas suas várias acepções, mas nunca sobre POLITICAS. Porquê? Porque há um dos lados que se recusa a entrar a cruzar esta fronteira, e a procissão fica sempre no adro. Usando as tuas palavras (dado que não gostas da 'bolha' :)): «isto é recusar a realidade». Não precisamos da psicanálise para saber como isto é particularmente conveniente.
Hugo,
Já entregaste o teu texto? :-)
Estamos de acordo em quase tudo, excepto no argumento genético (em sentido não biológico, evidentemente).
Eu estou como o Zèd, acho que ambos (Zé e Hugo) têm razão. E o Renato, claro.
Mas vou mais longe. Em forma de ressalva, e dado que esta polémica se tem desenvolvido grandemente neste blogue, cabe dizer o seguinte: se há assunto que aqui tem tido destaque esse é precisamente o das políticas públicas!
Basta ir às etiquetas na coluna da direita para se comprovar isso. Aí se poderão ver muitas propostas concretas exequíveis, e para vários sectores da governação. Ademais, lançámos em devido tempo um conjunto de propostas para o município lisboeta, propostas essas que foram difundidas noutros espaços, como no Projecto Lisboa Ideal, da Associação Alkantara, e que teve divulgação pública e pode ser consultada no site daquela organização.
Isto a propósito da questão da “exequibilidade”. Posso dar outro exemplo, ligado à política cultural, um só para não estender isto demasiadamente. No consulado de João Soares (dirigente do PS), foi avançada a proposta dum Arquivo e Biblioteca Central de Lisboa. O projecto era bem-intencionado, seria o ideal, mas sem qualquer ‘contacto’ com o país real, dada a sua extrema ambição. Agora arrasta-se e, pretextando a sua vinda, o Arquivo Histórico Municipal (o 2.º mais importante do país) está fechado há 5 anos, continuando previsto o mesmo espaço megalómano. Consequências? A continuação do encerramento do Arquivo Histórico por mais tantos anos e a paragem da expansão das bibliotecas municipais de proximidade, prejudicando as populações de “bairros históricos” e dos novos bairros com integração de grandes núcleos de populações oriundos de habitação degradada e de barracas, onde era vital haver pólos públicos de prestação de informação e saber para todos. Mas o culpado não é (só?) a pretensa "inexequibilidade" (há-de fazer-se, ao que dizem..), é também a política da coligação de direita que desbaratou dinheiro a rodos no túnel do Marquês e similares. Foi a “bolha de esquerda” que votou nessa coligação? Então, a questão é capaz de ser mais complexa.
Acho que aqui há uma confusão entre ideologia (e “filosofia política”, se se quiser) e tácticas político-partidárias. Se há coisa que une os partidos é a apresentação de propostas políticas concretas e exequíveis, a questão é saber se as pessoas querem esse caminho, o que não quer dizer que achem inexequível, simplesmente optam por outra via, incluindo a abstenção. Além disso, todos os partidos detêm o poder em municípios, tendo por isso experiência governativa. O problema está alhures: justamente nos princípios e nas prioridades prevalecentes para certa liderança. Uma grande parte dos países europeus é governado (ou foi) por coligações partidárias em que um dos partidos é mais pequeno e não é por isso que se diz que esse partido apresenta propostas inexequíveis. Doutro modo não poderia ser: a política é a arte do compromisso…
"se há assunto que aqui tem tido destaque esse é precisamente o das políticas públicas!"
Ainda bem, é por isso que vale a pena vir aqui.
"Uma grande parte dos países europeus é governado (ou foi) por coligações partidárias em que um dos partidos é mais pequeno e não é por isso que se diz que esse partido apresenta propostas inexequíveis."
Claro: a experiencia de poder obriga à responsabilização e a descer a terra, quando há seriedade suficiente. Governar instituições obriga perceber o ABC da gestão corrente de coisas chatas, algo que se compadece pouco com discussões "meta-políticas" e mostra, no limite, a sua irrelevancia perante a densidade quotidiana de coisas que parecem (e são...) chatas mas que são essenciais para que as organizações/instituições funcionem, e para que as políticas resultem. The devil is the detail...
"se há assunto que aqui tem tido destaque esse é precisamente o das políticas públicas!"
Ainda bem, é por isso que vale a pena vir aqui.
"Uma grande parte dos países europeus é governado (ou foi) por coligações partidárias em que um dos partidos é mais pequeno e não é por isso que se diz que esse partido apresenta propostas inexequíveis."
Claro: a experiencia de poder obriga à responsabilização e a descer a terra, quando há seriedade suficiente. Governar instituições obriga perceber o ABC da gestão corrente de coisas chatas, algo que se compadece pouco com discussões "meta-políticas" e mostra, no limite, a sua irrelevância perante a densidade quotidiana de coisas que parecem (e são...) chatas mas que são essenciais para que as organizações/instituições funcionem, e para que as políticas resultem. The devil is in the detail...
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