terça-feira, 21 de outubro de 2008

O que se passa na cabeça dele ou dela

Aproveitando o balanço:

uma das coisas mais extraordinárias é pensar o que se passa na cabeça de alguém que tem uma experiência de vida marcante, dura mas sensível, por exemplo alguém que cresceu numa favela e viu morrer a maior parte dos seus amigos da escola - de tal maneira que a certa altura deixou de ir a funerais - e que depois disso continuou a estudar, saiu do bairro, fez universidade e pós-graduação. E que agora chega a outro continente, a um país soi-disant desenvolvido, e estuda e observa a realidade à sua volta e conhece pessoas. A forma como isso se integra no passado dele ou dela, o clique que faz lá dentro, a mistura possível, a possibilidade de pensar pela sua cabeça fazendo comparações únicas entre as coisas. Isso é uma das coisas mais extraordinárias — é um percurso.

Outro percurso extraordinário é o de alguém que atravessou, digamos, mais de metade do século XX e chegou ao XXI, passando por várias vidas, trabalhos e carreiras, conhecendo pessoas, vendo viver e vendo morrer também, voltando a um lugar que acaba por ser um lugar de origem. E perguntando, à sua volta (será que pergunta alguma coisa?): isto que está aqui é e não é o lugar onde eu nasci. Porque tudo o que está a volta mudou, embora o lugar físico seja o mesmo e se dê a esta cidade o mesmo nome que há setenta e cinco anos atrás. E mudou a sociedade e todos os projectos que, durante décadas, andaram na cabeça das pessoas e que agora - os projectos, e às vezes as pessoas — não existem mais. Embora haja muitos outros novos, projectos e pessoas, porque tudo avança com o tempo. Não é para ser triste o balanço, nem sequer melancólico. O que é extraordinário é este cérebro (afectuoso cérebro) e a maneira única como ele se vem ligando com o tempo que passa até hoje.

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