quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

O puritanismo reincide: agora foi a apreensão dum livro numa feira de Braga

O caso deu-se na segunda-feira, quando a PSP de Braga resolveu apreender 5 exemplares do livro Pornocracia, de Catherine Breillat, expostos numa Feira do Livro em Saldo, na praça central da cidade, pretextando que o livro era pornográfico e poderia causar perturbação da ordem pública. Na verdade, a acusação de pornografia ficara-se pela capa (vd. aqui ao lado), que reproduz o quadro «A origem do mundo», do francês Gustave Courbet (1819-1877), que nada tem de pornográfico, sendo antes um quadro de estética realista, mundialmente famoso e dum autor de referência na pintura universal. Bastaria ainda uma vista de olhos pelo livro para se perceber que se tratava dum livro sério e provocador, publicado há já 6 anos por uma editora com cartas dadas, a Teorema.
Não se tratou, portanto, dum caso de ignorância boçal, o que já de si seria de lamentar, como mais adiante aprofundarei.
Perante a pressão dum cidadão junto do piquete de polícia na delegação do Banco de Portugal, os 3 polícias que acorreram à feira não vislumbraram melhor do que tomar um acto atentatório da liberdade de expressão. De nada valeram os protestos do livreiro.
Só quando o caso ecoou na imprensa e blogosfera e ganhou foros de escândalo nacional, após comunicados institucionais de protesto contra este abuso da autoridade (da APEL, PCP e BE), é que a PSP local recuou.
Não sem antes ter feito um auto que enviou para o Ministério Público e não sem antes ter apresentado uma nova justificação, ainda mais incompreensível: a de que "Havia possibilidade de haver discussões e mesmo desacatos entre os livreiros e os pais das crianças". É que, segundo o comandante da PSP, subintendente Henriques Almeida, aquele livro estaria a atrair o interesse de crianças que brincavam na zona e houve pais que se mostraram incomodados com isso.
O que espanta nisto tudo é não ocorrer a pais e polícias o mais elementar bom senso, a saber, que deveriam ser os pais a afastar as crianças do local onde estava exposto o livro. Então os pais já não têm autoridade para retirarem os seus filhos menores de locais que querem evitar? Precisam de pressionar a polícia, sob a ameaça de violência física a um livreiro, alguém que vive de vender livros e que estava a trabalhar? E a polícia embarca nesta chantagem descabelada, optando pelo lado dos violentadores, para prevenir desacatos?! Olha se a estratégia vira moda, seria do bom e do bonito…
É possível que a polícia não quisesse fazer censura, mas fê-lo, e fê-lo dado o contexto sociocultural e mental que, em certas situações, leva determinados agentes públicos a adoptar instantaneamente aquele que parece ser o caminho mais lógico, mas que está longe de o ser.
Tudo isto é possível porque ainda campeia por aí muito puritanismo, intolerância e abespinhamento, que assoma ao menor pretexto. Vários casos sucederam recentemente, deles demos aqui conta. E os puritanismos andam juntos, do social ao religioso, acabando no político (relembre-se o excesso de zelo das visitas policiais a sindicatos de professores a pretexto da obtenção de informações sobre percursos de manifestações). O presente caso tem a particularidade de ser um caso de cariz aparentemente social num contexto local tido por excessivamente permeável ao ultraconservadorismo e puritanismo católicos. Isto numa cidade governada há mais de 30 anos pelo mesmo Partido Socialista e pelo mesmo edil. Tem que se lhe diga.
Numa antiga entrevista ao JN, de 2004, a autora do livro assumiu o impacto político da arte e mostrava-se quase adivinhadora:
“A arte é muito desestabilizadora para as pessoas. Acusam-nos de sermos marginais e de não interessarmos a ninguém, mas ao mesmo tempo há ódio e vontade de censura. Apercebi-me muito cedo que a arte é subversiva e é aí que se torna política. Finalmente, dava resposta a perguntas que nem sequer eram postas”.
Hum, suspeito que alguém saberia realmente o que continha aquele livro…
Ironia final: o título do livro remete para um período papal homónimo que nada tem de recomendável, enfim, para os beatos, quero eu dizer (vd. aqui).

2 comments:

Anónimo disse...

estava-se me'mo a ver: primeiro vem uma só de penas e logo a seguir uma toda nua. O peão está a precisar de uma apreensão. Chamem os cónegos!

Daniel Melo disse...

A brincar, a brincar...
Infelizmente, tb. a blogosfera já tem historial nesse item.
Veja-se o caso do João Pedro George no blogue Esplanar, que foi levado a tribunal por uma escritora que não gostou das críticas literárias aí apresentadas à sua 'obra'.
Ou o dum prof. universitário (de que agora não me recordo o nome), que já teve que ir à barra do tribunal devido à sensibilidade de estufa do nosso primeiro-ministro.
Felizmente, nenhum dos 2 perdeu os respectivos processos.
Etc...
A coisa vai lá mais é com outro tipo de batinas...
Nem água-benta vem...sempre dava para refrescar um pouco.