O caso deu-se na segunda-feira, quando a PSP de Braga resolveu apreender 5 exemplares do livro Pornocracia, de Catherine Breillat, expostos numa Feira do Livro em Saldo, na praça central da cidade, pretextando que o livro era pornográfico e poderia causar perturbação da ordem pública. Na verdade, a acusação de pornografia ficara-se pela capa (vd. aqui ao lado), que reproduz o quadro «A origem do mundo», do francês Gustave Courbet (1819-1877), que nada tem de pornográfico, sendo antes um quadro de estética realista, mundialmente famoso e dum autor de referência na pintura universal. Bastaria ainda uma vista de olhos pelo livro para se perceber que se tratava dum livro sério e provocador, publicado há já 6 anos por uma editora com cartas dadas, a Teorema.
Não se tratou, portanto, dum caso de ignorância boçal, o que já de si seria de lamentar, como mais adiante aprofundarei.
Perante a pressão dum cidadão junto do piquete de polícia na delegação do Banco de Portugal, os 3 polícias que acorreram à feira não vislumbraram melhor do que tomar um acto atentatório da liberdade de expressão. De nada valeram os protestos do livreiro.
Só quando o caso ecoou na imprensa e blogosfera e ganhou foros de escândalo nacional, após comunicados institucionais de protesto contra este abuso da autoridade (da APEL, PCP e BE), é que a PSP local recuou.
Não sem antes ter feito um auto que enviou para o Ministério Público e não sem antes ter apresentado uma nova justificação, ainda mais incompreensível: a de que "Havia possibilidade de haver discussões e mesmo desacatos entre os livreiros e os pais das crianças". É que, segundo o comandante da PSP, subintendente Henriques Almeida, aquele livro estaria a atrair o interesse de crianças que brincavam na zona e houve pais que se mostraram incomodados com isso.
O que espanta nisto tudo é não ocorrer a pais e polícias o mais elementar bom senso, a saber, que deveriam ser os pais a afastar as crianças do local onde estava exposto o livro. Então os pais já não têm autoridade para retirarem os seus filhos menores de locais que querem evitar? Precisam de pressionar a polícia, sob a ameaça de violência física a um livreiro, alguém que vive de vender livros e que estava a trabalhar? E a polícia embarca nesta chantagem descabelada, optando pelo lado dos violentadores, para prevenir desacatos?! Olha se a estratégia vira moda, seria do bom e do bonito…
É possível que a polícia não quisesse fazer censura, mas fê-lo, e fê-lo dado o contexto sociocultural e mental que, em certas situações, leva determinados agentes públicos a adoptar instantaneamente aquele que parece ser o caminho mais lógico, mas que está longe de o ser.
Tudo isto é possível porque ainda campeia por aí muito puritanismo, intolerância e abespinhamento, que assoma ao menor pretexto. Vários casos sucederam recentemente, deles demos aqui conta. E os puritanismos andam juntos, do social ao religioso, acabando no político (relembre-se o excesso de zelo das visitas policiais a sindicatos de professores a pretexto da obtenção de informações sobre percursos de manifestações). O presente caso tem a particularidade de ser um caso de cariz aparentemente social num contexto local tido por excessivamente permeável ao ultraconservadorismo e puritanismo católicos. Isto numa cidade governada há mais de 30 anos pelo mesmo Partido Socialista e pelo mesmo edil. Tem que se lhe diga.
Numa antiga entrevista ao JN, de 2004, a autora do livro assumiu o impacto político da arte e mostrava-se quase adivinhadora:
“A arte é muito desestabilizadora para as pessoas. Acusam-nos de sermos marginais e de não interessarmos a ninguém, mas ao mesmo tempo há ódio e vontade de censura. Apercebi-me muito cedo que a arte é subversiva e é aí que se torna política. Finalmente, dava resposta a perguntas que nem sequer eram postas”.
Hum, suspeito que alguém saberia realmente o que continha aquele livro…
Ironia final: o título do livro remete para um período papal homónimo que nada tem de recomendável, enfim, para os beatos, quero eu dizer (vd. aqui).
Não se tratou, portanto, dum caso de ignorância boçal, o que já de si seria de lamentar, como mais adiante aprofundarei.
Perante a pressão dum cidadão junto do piquete de polícia na delegação do Banco de Portugal, os 3 polícias que acorreram à feira não vislumbraram melhor do que tomar um acto atentatório da liberdade de expressão. De nada valeram os protestos do livreiro.
Só quando o caso ecoou na imprensa e blogosfera e ganhou foros de escândalo nacional, após comunicados institucionais de protesto contra este abuso da autoridade (da APEL, PCP e BE), é que a PSP local recuou.
Não sem antes ter feito um auto que enviou para o Ministério Público e não sem antes ter apresentado uma nova justificação, ainda mais incompreensível: a de que "Havia possibilidade de haver discussões e mesmo desacatos entre os livreiros e os pais das crianças". É que, segundo o comandante da PSP, subintendente Henriques Almeida, aquele livro estaria a atrair o interesse de crianças que brincavam na zona e houve pais que se mostraram incomodados com isso.
O que espanta nisto tudo é não ocorrer a pais e polícias o mais elementar bom senso, a saber, que deveriam ser os pais a afastar as crianças do local onde estava exposto o livro. Então os pais já não têm autoridade para retirarem os seus filhos menores de locais que querem evitar? Precisam de pressionar a polícia, sob a ameaça de violência física a um livreiro, alguém que vive de vender livros e que estava a trabalhar? E a polícia embarca nesta chantagem descabelada, optando pelo lado dos violentadores, para prevenir desacatos?! Olha se a estratégia vira moda, seria do bom e do bonito…
É possível que a polícia não quisesse fazer censura, mas fê-lo, e fê-lo dado o contexto sociocultural e mental que, em certas situações, leva determinados agentes públicos a adoptar instantaneamente aquele que parece ser o caminho mais lógico, mas que está longe de o ser.
Tudo isto é possível porque ainda campeia por aí muito puritanismo, intolerância e abespinhamento, que assoma ao menor pretexto. Vários casos sucederam recentemente, deles demos aqui conta. E os puritanismos andam juntos, do social ao religioso, acabando no político (relembre-se o excesso de zelo das visitas policiais a sindicatos de professores a pretexto da obtenção de informações sobre percursos de manifestações). O presente caso tem a particularidade de ser um caso de cariz aparentemente social num contexto local tido por excessivamente permeável ao ultraconservadorismo e puritanismo católicos. Isto numa cidade governada há mais de 30 anos pelo mesmo Partido Socialista e pelo mesmo edil. Tem que se lhe diga.
Numa antiga entrevista ao JN, de 2004, a autora do livro assumiu o impacto político da arte e mostrava-se quase adivinhadora:
“A arte é muito desestabilizadora para as pessoas. Acusam-nos de sermos marginais e de não interessarmos a ninguém, mas ao mesmo tempo há ódio e vontade de censura. Apercebi-me muito cedo que a arte é subversiva e é aí que se torna política. Finalmente, dava resposta a perguntas que nem sequer eram postas”.
Hum, suspeito que alguém saberia realmente o que continha aquele livro…
Ironia final: o título do livro remete para um período papal homónimo que nada tem de recomendável, enfim, para os beatos, quero eu dizer (vd. aqui).
Sugestões de leitura- blogue bracarense Avenida Central:
>«Em Defesa da Moral e dos Bons Costumes» e «Em Defesa da Moral e dos Bons Costumes [2]», por Pedro Morgado.
Fonte- jornal Público:
>«PSP apreende livros por considerar pornográfica capa com quadro de Courbet»
>«Livreiro apresenta queixa contra PSP por apreender livros com capa “pornográfica”»
>«Partidos e APEL criticam apreensão feita pela PSP de Braga»
>«PSP de Braga justifica apreensão de livros com “perigo de alteração da ordem pública”»
>«PSP de Braga vai devolver livros apreendidos»
>«Em Defesa da Moral e dos Bons Costumes» e «Em Defesa da Moral e dos Bons Costumes [2]», por Pedro Morgado.
Fonte- jornal Público:
>«PSP apreende livros por considerar pornográfica capa com quadro de Courbet»
>«Livreiro apresenta queixa contra PSP por apreender livros com capa “pornográfica”»
>«Partidos e APEL criticam apreensão feita pela PSP de Braga»
>«PSP de Braga justifica apreensão de livros com “perigo de alteração da ordem pública”»
>«PSP de Braga vai devolver livros apreendidos»
2 comments:
estava-se me'mo a ver: primeiro vem uma só de penas e logo a seguir uma toda nua. O peão está a precisar de uma apreensão. Chamem os cónegos!
A brincar, a brincar...
Infelizmente, tb. a blogosfera já tem historial nesse item.
Veja-se o caso do João Pedro George no blogue Esplanar, que foi levado a tribunal por uma escritora que não gostou das críticas literárias aí apresentadas à sua 'obra'.
Ou o dum prof. universitário (de que agora não me recordo o nome), que já teve que ir à barra do tribunal devido à sensibilidade de estufa do nosso primeiro-ministro.
Felizmente, nenhum dos 2 perdeu os respectivos processos.
Etc...
A coisa vai lá mais é com outro tipo de batinas...
Nem água-benta vem...sempre dava para refrescar um pouco.
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