sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Um vento que sopra das Caraíbas


Talvez se tenha ouvido falar em Portugal de umas greves e manifestações aqui em França, mas duvido que se tenha falado do que se passa nas Antilhas francesas. Nem sequer na França metropolitana se tem falado. A ilha da Guadeloupe está em Greve Geral há 18 dias consecutivos, a que se juntou ontem e hoje a vizinha ilha da Martinique. Desde 20 de Janeiro que um colectivo "Liga contra a exploração" ("Liyannaj kont pwofitasyon" em crioulo antilhês) na Guadeloupe que engloba todos os principais sindicatos, partidos da oposição e inúmeras organizações da sociedade civil apela à greve. Um colectivo idêntico formou-se entretanto na Martinique. As duas ilhas juntas fazem perto de um milhão de habitantes, a que se poderá juntar ainda a Guiana francesa. A Greve é contra o custo de vida, os elevados impostos, os salários baixos, o desemprego e a pobreza. Sabemos que a insularidade tem um preço, e damo-nos conta agora que no caso das Antilhas são os antilheses que pagam o preço. Para contextualizar um pouco, o conflito começou com protestos contra o preço da gasolina. Em Dezembro depois da descida do preço do petróleo, os preço da gasolina desceram em todo o lado, excepto nas Antilhas. Houve então uma primeira Greve, que resultou numa descida dos preços, e nomeadamente a gasolina sem chumbo desceu 31 cêntimos... para ficar ao mesmo preço que na França metropolitana. SIm, a gasolina estava 30 cêntimos mais cara lá do que cá. Revelador. Nem de propósito uma reportagem do Canal+ veio por estes dias revelar a que ponto a economia das Antilhas continua nas mãos das famílias de "Békés" descendentes dos colonos brancos esclavagistas de há século e meio. Revela-nos que por exemplo essas famílias, 1% da população, detêm mais de metade das terras agrícolas e do imobiliário, e o monopólio da distribuição, o que é como quem diz que detêm a economia toda. Isto onde 90% (estimativa por baixo) da população é descendente de escravos. Por exemplo a banana da Guadeloupe e Martinique, que abastece toda a França é mais cara 40% nas Antilhas do que na metrópole. Isto faz sentido? Nessa mesma reportagem, um desses békés, Alain Huyghes-Despointes, por sinal o mais rico, diz que "Nas famílias mestiças as crianças são de cores diferentes, não há harmonia. Eu não acho isso bem. Nós quisemos preservar a raça. (« Dans les familles métissées , les enfants sont de couleur différente, il n'y a pas d' harmonie. Moi, je ne trouve pas ça bien. Nous, on a voulu préserver la race.» no original). Pode lembrar-se ainda que a França uso (para não dizer "usa") as Antilhas como reserva de mão de obra barata e pouco qualificada. Entre 1963 e 1982 existiu o BUMIDOM, que era simplesmente uma agência governamental com a missão de recrutar antilheses (e de outras colónias) para trabalhos pouco remunerados na metrópole, muitos deles na função pública. O resultado foi a deserção da população activa dessas regiões, com o consequente desastre económico. E entretanto nunca uma verdadeira política de desenvolvimento foi posta em prática.
Sarkozy ontem falou ao país, num cenário de contestação e crise, e apesar de 18 dias de Greve na Guadeloupe, e do início da Greve na Martinique, não disse uma só palavra sobre o assunto. Para resolver a crise antilhesa não fez mais do que mandatar um secretário de estado para negociar. Parece-me que o governo não está consciente da dimensão da questão. 18 dias de Greve Geral não é coisa pouca. As reivindicações independentistas ainda não se formalizaram, mas também ninguém esconde que há uma parte dos mentores dos protestos que defendem a independência. E é óbvio que esta situação está intimamente ligada à crise internacional. Acontece que por vezes estas crises têm consequências inesperadas.

P.S. - Como de costume Lilian Thuram diz o que de mais inteligente se tem dito sobre o assunto.

Adenda: A reportagem do Canal+ "Les Derniers Maîtres de la Martinique" pode ser vista na íntegra aqui.

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