sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Espanha reconcilia-se com exilados e limpa simbologia franquista

O governo espanhol retomou a Lei da Memória Histórica, concretizando em decreto duas das suas propostas mais emblemáticas: a concessão da nacionalidade aos filhos e netos dos exilados (desde o fim da insurreição militar de 1936 até final de 1955); e a nomeação duma comissão científica para seleccionar os monumentos e edifícios públicos que serão limpos da simbologia franquista.
Mais informações aqui e excelente post sobre a problemática da simbologia aqui (donde retirei a imagem).
Na sequência da abertura do processo ao franquismo por Baltasor Garzón, o El País fez uma sondagem on line aos seus leitores, já com quase 17 mil aderentes, tendo 70% apoiado a posição do super-juiz (vd. aqui). Também o El País criou, entretanto, um oportuno dossiê temático sobre a memória histórica, que pode ser consultado aqui.

O regresso do pensamento crítico

Começa amanhã a 2.ª edição do seminário Pensamento Critico Contemporâneo, organizada pela UNIPOP e Numena e apoiada pelo Le monde diplomatique – ed. portuguesa. Após o sucesso da edição inaugural (em Março-Maio), os seus mentores comprometeram-se a reeditá-la, agora mais dilatada no tempo (findará só a 7 de Fev.º). O espaço escolhido é novamente a Fábrica de Braço de Prata.
Entretanto, a moda pegou e, no Porto, a FLUP abriu também inscrições para um seminário semestral intitulado Pensamento Crítico Contemporaneo: alguns representantes, pela mão do incansável Prof. Vítor Oliveira Jorge.
Aproveitem que é quase de graça em ambos os casos!

Russos fazem uma música para a “vizinha” Sarah Palin

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Gsolidário: ao pesquisar já está a ajudar!

O projecto Gsolidário foi criado recentemente para ajudar instituições de solidariedade social.
O Gsolidário é um site de pesquisa que utiliza o motor de busca do Google. Os resultados apresentados no Gsolidário são os mesmos resultados obtidos quando a pesquisa é feita no Google. A diferença é que ao pesquisar no Gsolidário está a ajudar a angariar dinheiro para instituições de solidariedade social. Entre elas constam a Ajuda de Mãe, a APF- Associação para o Planeamento da Família, o Tásse- Projecto para a Prevenção do Abandono Escolar, o CIC-Portugal, Associação para a Cooperação, Intercâmbio e Cultura, o Maps - Movimento de Apoio à Problemática da Sida, a Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral (Leiria), entre outras.
Ora, aqui está uma excelente forma de ajudar várias instituições beneméritas e sem nenhum custo acrescido!
Basta usar como motor de busca o Gsolidário em vez do Google... são iguais!

Por enquanto o boneco Voodoo de Sarkozy continua a ser legal

Uma empresa lançou no mercado um boneco Voodoo com a imagem de Nicolas Sarkozy (e outra de Ségolène Royal), com agulhas e tudo. Ao contrário de Royal, que até acha divertido, Sarkozy não gostou, e entrou com uma acção na justiça para retirar o seu boneco voodoo do mercado, alegando a defesa do seu "direito à imagem". Não só perdeu a acção, como viu o juíz fazer questão de vincar que o boneco está dentro dos limites da liberdade de expressão. Sarkozy leva uma lição que era perfeitamente evitável, se ele não se tomasse por um semi-deus intocável. Mas como não gosta que o contrariem já recorreu da decisão.

posse de bush

Capas da revista alemã Der Spiegel. A da esquerda foi produzida quando a administração do Senhor Guerra se preparava para invadir o Iraque, com o apoio de boa parte da opinião pública. Seis anos depois e um grande estrago pelo mundo afora, os norte-americanos entenderam que de super-herói Bush não tem absolutamente nada. Foi só mais um louco que habitou a Casa Branca.

Eleição virtual pra presidente dos EUA

O site “The world for” está a promover uma votação mundial para presidente dos EUA. Claro que o seu voto será virtual e de nada valerá. Mas caso não tenhas coisas mais importantes pra fazer neste momento, clique na imagem abaixo e vote. No mínimo será interessante saber que Obama vence por larga vantagem.

imagem

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Outono, parques e a recessão em Londres

Em Londres, a recessão na City agrava-se. Vai-se multiplicando o número de amigos desempregados. Mas optimistas, aproveitam a oportunidade para passarem mais tempo na cozinha. Suspeito que estamos à beira de um corrupio de lanches e bolos deliciosos feitos por homens que descobriram que cozinhar é muito mais terapêutico do que ver o Telejornal.

Mas o tempo tem estado esplêndido e é possível passar um dia inteiro nesta cidade caríssima sem gastar um tostão! Ontem fomos à National Gallery, entrada gratuita, claro. Depois passámos umas horas refastelados a ler na Waterstones de Picadilly Circus. Acabámos a tarde entre amigos em Ravenscourt Park a beber café de uns termos e a comer bolos caseiros que alguém organizado e provavelmente desempregado teve a simpatia de trazer. Um fim de tarde gélido, a qualidade do ar cristalina, o céu azulíssimo a contrastar com as folhas laranja e aquele cheiro divino da natureza a recolher-se à mistura com o barulho das crianças coradas e ainda de t'shirt penduradas nas árvores... Desculpem, nunca me canso de celebrar a coisa extraordinária que é a vida comunal dos parques dos bairros de Londres.

Vou continuar a ignorar a desgraça que se abateu mesmo aqui ao lado, no coração de West London... Abre amanhã, apesar da recessão, o maior centro comercial da cidade. Uma tragédia impensável e que não se percebe como apanhou distraído o espírito sempre tão alerta dos londrinos. Por favor, se vierem a Londres não visitem este sítio medonho, este atentado à High Street! Vão antes para Ravenscourt Park, é muito mais autêntico e de borla!

Demasiado humano

O badalado documentário de Kusturica sobre Maradona teve ante-estreia em Portugal no passado sábado, quase a fechar o DocLisboa.
O realizador sérvio avisa no filme que vamos ver 3 Maradonas, o profe da bola, o cidadão anti-Bush e o homem de família. Faltou aditar um 4.º Maradona: o Maradona-Kusturica. De facto, no início teme-se o pior: uma ego-trip do cineasta, como se fosse um documentário sobre uma relação e não sobre uma pessoa. Aos poucos, o realizador-entrevistador vai dando mais espaço ao protagonista, mas ainda assim exagerando na sua presença (não só física, também 'espiritual', através de constantes comentários off e on e de excertos de filmes seus inscrutados no documentário, à guisa de paralelo com a vida de Maradona).
Esta atitude vai a contracorrente da filmografia kusturicana, centrada nas personagens, em muitas personagens, e toda ela ficcional. Tal contraste contraproducente acaba por penalizar este filme. Nota-se que Emir, como lhe chama Maradona, não está à-vontade no documentário, e que quis imitar um mestre do género, Michael Moore. Erro óbvio: Moore é assumidamente provocador e não faz Biografias (nesse particular, limita-se a dar a voz às histórias que as pessoas lhe querem contar). Por outro lado, descuidou a pesquisa, cuja lacuna mais evidente é a falta de referências à passagem de Maradona por Nápoles, afinal uma das partes mais importantes da sua vida e carreira. Uma visita recente de El Pibe a Nápoles é o único registo, e, ainda assim, focando-se na recepção alucinada de tiffosi e simpatizantes.
Dito isto, o documentário tem vários motivos de interesse, sobretudo na ligação entre futebol e política. Desde logo, permite rever alguns dos melhores golos da história do futebol à luz do enquadramento dado pelo entrevistado. Aqui, destaca-se a vitória da selecção argentina sobre a Inglaterra no Mundial de 1986, apresentada como a desforra simbólica dos mais fracos sobre os poderosos, os imperialistas. O mote está dado. A mensagem de Maradona é muito política, vem de ter vivido entre os pobres, mas também de ter visto as injustiças no mundo, entre nações. É curioso verificar, porém, que a Guerra das Malvinas a que alude deveu-se ao delírio nacionalista duma sanguinária ditadura militar, por muito compreensível que fosse a reivindicação desse território por parte da Argentina e por muito brutal que tenha sido a resposta inglesa.
El Pibe condensa um certo imaginário latino-americano de esquerda e anti-imperalista, e admite-o abertamente, o que é raro entre os futebolistas de hoje. Fã de Che Guevera e Fidel, de quem fez tatuagens no corpo, diz que este último é o único político decente que conheceu, pela defesa firme que faz do seu povo. O Maradona cívico surge ainda ao lado de Chavez e Morales, numa grande manifestação anti-Guerra do Iraque. E na chamada de atenção para o marco de viragem que foram os motins no Mar de Plata, contra os acordos ALCA. O ataque cerrado contra a política belicista e unilateralista do consulado Bush aproxima-o de Kusturica, lixado com a política ocidental quanto à questão do Kosovo, apesar de se assumir como pró-ocidental (no contexto duma Sérvia belicosa e eslavófila, mas também abalroada por uma geopolítica implacável).
Já o Maradona íntimo foi mais difícil de abordar. A sua viciação na cocaína e as recaídas implicaram o seu alheamento parental e marital, algo apresentado como uma mágoa e frustração irreversível. O que é dito e mostrado a este respeito evidencia como os ídolos também são feitos da mesma massa do comum dos mortais. Neste aspecto, a parte relativa à Igreja Maradoniana é, sobretudo, um pretexto para parodiar os excessos das mitomanias, das idolatrias.
No fim, vem um dos melhores momentos do filme, Manu Chao cantando a Maradona a vida deste ("Si yo fuera Maradona"), e, também, cantando para nós todos - "La vida es una tómbola"... No fim, fica um homem cujo dom para a arte da bola, e cujo temperamento e personalidade, o tornaram uma fonte de sonhos para muitos outros. Capaz de os fazer sonhar, capaz de os tirar da normalidade rotineira e alienante do dia-a-dia dos nossos tempos.
Ao fim de 3 atribulados anos, Kusturica conseguiu acabar o documentário sobre um dos seus ídolos. Ao fim de muitos mais conseguiu Maradona realizar um sonho antigo: o de ser seleccionador nacional da Argentina, notícia hoje dada pelos media. Boa sorte para ele, desde que não vença Portugal (se lá chegarmos, claro).

A poesia confessional e marginal de Ana C. 25 anos depois

anaccesar A Editora Ática, em parceria com o Instituto Moreira Sales, teve a feliz idéia de relançar a obra da poeta e tradutora Ana Cristina Cesar, ou simplesmente Ana C. (l952 – 1983). "A Teus Pés", "Inéditos e Dispersos" e "Crítica e Tradução" - no qual se incluem os livros: "Literatura não é documento", "Escritos no Rio", "Escritos da Inglaterra", além de poesias traduzidas inéditas. Ana C. ficou conhecida pela poesia confessional e é considerada um dos ícones da poesia marginal dos anos de 1970. Entre as poesias traduzidas, destaca-se as de Sylvia Plath. Taí um dica pra quem gosta de poesia. Ana C. é imperdível.

Foto retirada daqui.

Americanos também votarão em 152 plebiscitos

Aborto, casamento gay, descriminalização da prostituição, imigração, tratamento gratuito para usuários de drogas, redução da idade mínima para responder judicialmente a crimes e até direitos dos animais domésticos. Os eleitores de 36 estados votarão em 152 plebiscitos, além de escolher senadores, deputados e o presidente americano no dia 4 de novembro.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Lisboa é das pessoas. Mais contentores não!

A epidemia do «posso, quero e mando» voltou a atacar. Agora querem criar uma barreira de contentores de 1,5 Km de extensão em Lisboa, junto ao rio.
Diga não a mais um abuso do poder político, feita ao arrepio das normas de planeamento, da transparência, do bom senso e do parecer do próprio do Tribunal de Contas! Nem as entidades municipais foram ouvidas!
Diga não a mais um muro que tira a vista a Lisboa e acabará com uma área lúdica, a das Docas, colocando 700 pessoas no desemprego!! Já chega o betão, mais contentores não!
Para quem quiser mais informações sobre este atentado, está disponível uma petição, neste momento com mais de 2500 assinaturas:
LISBOA É DAS PESSOAS. MAIS CONTENTORES NÃO!

Cartilha da Prostituta e do Prostituto volta a gerar polêmica

pernas“Para o exercício profissional requer-se que os trabalhadores participem de oficinas sobre sexo seguro (...) Outros cursos complementares de formação profissional, como por exemplo, cursos de beleza, de cuidados pessoais, de planejamento do orçamento (...) O acesso à profissão é livre aos maiores de dezoito anos (...) O pleno desempenho das atividades ocorre após dois anos de experiência”. Estes são alguns dos conselhos da Cartilha da Prostituta e do Prostituto, publicada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) do Brasil. Infelizmente, ela volta a sofrer pesadas críticas por parte de alguns juízes e advogados, que a querem tirar do ar. Duvido que tais senhores nunca tenham usufruído de tais serviços. Aqui todos os textos da cartilha.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

A mosca da Fruta

A mosca da fruta, Drosophila melanogaster, que Sarah Palin menospreza jocosamente foi tão somente o animalzinho com o qual Thomas Hunt Morgan e colaboradores demonstram a teoria cromossómica da hereditariedade. A demonstração de que os genes estão nos cromossomas, e que são os cromossomas que transmitem os genes de uma geração a outra (o que valeu o Nobel em 1933). Nada de especial portanto, apenas o que há de mais fundamental na Genética moderna.
Adenda - Para quem quiser saber mais sobre a Mosca da Fruta, há um excelente livro de divulgação (com bastante humor) de Martin Brooks, que aconselho vivamente. Está editado em português pela Replicação.

Os 50 anos dum jornal resistente

O Notícias da Amadora franqueou meio século anteontem, o que é um feito para um pequeno jornal dos arredores de Lisboa, que, com poucos meios mas muita dedicação, conseguiu tornar-se um jornal prestigiado e reconhecido em todo o país.
Em grande parte da sua existência foi perseguido ou discriminado politicamente. Primeiro pela ditadura salazarista, sendo um dos alvos predilectos do seu crivo censório (vd. aqui). Mais recentemente, pela prepotência dum poder local sectário e arrogante, que não sabe conviver com o escrutínio público da acção política por parte da imprensa livre, um dos pilares básicos de qualquer democracia digna desse nome. É disso e de muito mais que nos fala o actual director, Orlando César, em Dar à notícia a celebração pública.
Resta-me, então, felicitar o jornal e quem o faz, agora em versão exclusivamente electrónica. Oxalá possa prosseguir por longos anos. A imprensa local é vital para pôr um freio em muito desvario e ganância que impera a nível local. Por tudo isto, faz todo o sentido afirmar O «Notícias da Amadora» como escola de cidadania.

domingo, 26 de outubro de 2008

Gravura: a cooperativa que juntou os artistas

Foi há mais de meio século que um grupo de artistas e amigos se juntou em torno dum género 'menor' das artes plásticas, a gravura, num esforço de democratização cultural, convergência de correntes estéticas e convivência. Após uma série de encontros e diligências, foram ao notário da Baixa para inscrever a Sociedade Cooperativa dos Gravadores Portugueses, GRAVURA. Estávamos em 1956.
Nos últimos anos, Jorge Silva Melo fez o inventário dessa aventura para um documentário, intitulado Gravura: esta mútua aprendizagem. Estreou ontem no DocLisboa, e recomenda-se vivamente. Nele, apercebemo-nos da relevância desta cooperativa, cuja galeria ainda está activa, e de como uma grande parte dos artistas plásticos portugueses por ela passaram e aprenderam alguma das técnicas de fazer gravura. Destes destaco Júlio Pomar, António Charrua, Bartolomeu Cid dos Santos (na imagem), João Hogan, Rogério Ribeiro e José Júlio. Mas foram muitos mais os que por lá passaram ou que aderiram à gravura: Alice Jorge, Areal, Carlos Botelho, Cipriano Dourado, David de Almeida, Eduardo Nery, Fernando Calhau, Fernando Conduto, Ferreira da Silva, Guilherme Parente, Humberto Marçal, João Paiva, Jorge Martins, Jorge Vieira, Julião Sarmento, Manuel Baptista, Manuel Torres, Manuel Ribeiro de Pavia, Maria Beatriz, Maria Gabriel, Maria Velez, Milly Possoz, Nikias Skapinakis, Paula Rego, Querubim Lapa, Sérgio Pombo, Teresa Magalhães, Tereza Arriaga, Vitor Pomar, etc.. Destes, os que estavam vivos foram entrevistados. Foram mais de 20 horas de entrevistas, segundo confessou Jorge Silva Melo. Como da maioria houve depoimento, não deve ter sido nada fácil fazer a montagem deste filme. Pena é que o critério exclusivo tenha sido o das entrevistas individuais, pois teria sido interessante ver também entrevistas colectivas.
Gravura: esta mútua aprendizagem será novamente exibido no Cinema Londres (a 29/X) e no Museu do Neo-Realismo (a 21/XI).
Silva Melo já antes fizera outros documentários. Gostei muito de ter visto o dedicado a Glicínia Quartin.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

A crise em cartoons (VI)- mutações

A crise bateu tão forte que o banco central dos EUA, conhecido por Fed, foi obrigado a fazer de bombeiro, após décadas de irresponsável laisser-faire, como agora o admite o ex-pres. Greenspan. O homem que esteve 18 anos à frente da instituição reconheceu ontem que o Fed falhou na regulação do sistema financeiro dos EUA porque os seus dirigentes deram carta branca aos especuladores e aos bancos. Para ele, o livre mercado é incapaz de se auto-regular, por isso abjura agora a ideologia que defendeu durante 40 anos. O cartoon do dia é uma paródia à situação actual, baseada na inversão de posições institucionais. Steve Breen trabalha no The San Diego Union-Tribune, o seu comic strip «Grand Avenue» surge em mais de 150 jornais dos EUA e foi várias vezes premiado, incluindo o Pulitzer de 1998. Para mais cartoons vd. aqui.

A turma dos nossos filhos?

Na noite de quarta-feira foi assistir ao filme Entre les murs (A turma), no DocLisboa. Retenho o espírito das palavras do realizador Laurent Cantet antes da projecção: estava muito contente por apresentar o seu filme no Doc, pois considera que a distância entre documentário e ficção é muito ténue; estava curioso sobre a recepção do filme pois havia quem pensasse que o filme era sobre uma realidade especificamente francesa.
Depois de ver o filme, de que gostei muito, posso corroborar que é uma feliz aproximação ficcional ao real. Há uma história bem contada, que documenta o quotidiano de uma turma no contexto de sala de aula, na disciplina de Francês, sob a perspectiva do professor, M. Marin (intepretado pelo professor e escritor François Bégaudeau, autor do romance autobiográfico no qual se baseia o filme), ao longo de um ano lectivo. Tudo se passa numa escola de Paris frequentada por filhos de imigrantes de diversas provieniências (Marrocos, Mali, Tunísia, Turquia, China, Portugal, etc.) e também por filhos de franceses da Europa e das Antilhas. Em pano de fundo, encontramos não só a questão da imigração, das tensões raciais e da identidade, mas também do insucesso escolar, da aprendizagem da língua, da autoridade, da adolescência, entre outras.
Não sou professora e já deixei de ser aluna do 3.º ciclo do ensino básico há muitos anos, mas parece-me que a realidade que o filme ficciona/documenta não é especificamente francesa e, nalguns aspectos, também não é nova. O cerne do argumento aplica-se a escolas de Lisboa e da AML. Só teríamos de mudar as origens dos pais dos alunos para Cabo Verde, Brasil, Ucrânia, Paquistão, Índia... Aquela turma não foi a minha turma mas pode bem vir a ser a turma da minha filha.
Dois aspectos positivos que retive: a participação dos alunos na sala de aula (não obstante alguma dose excessiva de insolência) e a sua representação no conselho de turma (apesar dos problemas que também pode acarretar).
Deixo-vos com uma referência a uma das cenas 'intemporais' do filme e uma memória pessoal. A entrada dos alunos na sala de aula, entrada barulhenta, demorada e tumultuosa. O professor Marin, depois de bater na mesa e de gritar para impor o silêncio, lembra que assim se perdem 15 minutos, um quarto do tempo de aula. O meu professor de Português do 7.º ano unificado, ao contrário da maioria dos outros professores, não falava mais alto para nos calarmos. Abria e fechava a luz da sala e escrevia no quadro: "o ruído impede a comunicação".
Entre les murs vai para as salas de cinema no final do mês. Não deixem de ver.
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Imagem retirada daqui.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Orçamento participativo e fórmula 1 na cidade: do bom ao péssimo

Pois é, em Lisboa oscila-se entre o bom e o péssimo.

Do lado do bom, temos o orçamento participativo, acessível na Internet para todos, com 5 milhões de euros, o que não é nada mau. Aproveitem que finda amanhã (os projectos eleitos serão votados por todos em 8-14/XI). Escusavam era de obrigar os interessados ao rosário coscuvilheiro dos dados para estatísticas, requisito do registo. Ai, tanta desconfiança com os cidadãos... É, a burocracia é mais forte, não resistem. Já para não falar de ter sido divulgado em cima da hora. Uma consulta pública digna dum município português tem que ser assim, à socapa, não vão os cidadãos dar trabalho a mais, ou fazer ondinhas...
Do lado do péssimo, vem aí fórmula 1 em pleno coração da cidade, próximo fim-de-semana inteiro! Parece de loucos, mas é isso mesmo: o Renault Roadshow tem passadeira para poluir o centro da cidade (já de si com um nível de poluição grave) e transtornar a vida dos munícipes (ao cortar a circulação desde a rotunda do Marquês), sobretudo aos moradores. Sim, ainda há quem teime em viver no centro da cidade, senão acreditam leiam a carta que Gonçalo Falcão enviou à CML e que o Público publicou na 2.ª, na Tribuna do Leitor. A CML só receberá 22 mil euros - peanuts, face a tamanho disparate. Rui Rio deve estar a rir-se, foi ele que começou com estas palhaçadas das gincanas e fumos aéreos.
Já não bastavam as trapalhadas com o Jardim das Amoreiras, a frente ribeirinha e as casas municipais. Em ano de eleições, pão e circo a dobrar. Custa dizê-lo, mas a coisa está a tornar-se desconcertante demais para acreditar. E o tempo vai escoando...

"Deus provavelmente não existe"









É o nome da campanha ateísta que vai ser lançada nos autocarros de Londres. O slogan "There's probably no God. Now stop worrying and enjoy your life." é engraçado, civilizado, educado e modesto... a contrastar com o aceso debate fundamentalista dos tempos que correm. Não podia vir mais a propósito.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

A crise em cartoons (V)- os seus actores

Em todas as crises, aparecem uns personagens especiais, faz parte. Esta não fugiu à regra, e lá surgiram uns figurões recauchutados, emergindo da série anterior. A começar pelo inefável George Bush, aqui inserido num friso paradoxal, mas que remete para a questão das nacionalizações (bancos e seguradoras, no seu caso). A autoria é de Peter Brookes, distinguido com vários prémios ingleses de caricatura e principal cartoonista do The Times. Tem trabalho disperso na imprensa inglesa, como no New Statesman e no The Spectator. Para mais cartoons seus vd. aqui.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

E na Europa?

Para quem cresceu no mito de que os EUA eram a pátria dos conservadores de direita, reaccionários e racistas, a situação actual pode parecer paradoxal senão mesmo inverosímil. Os EUA estão perto de eleger para presidente um afro-americano, de esquerda*. O terramoto político da semana foi esse afro-americano ter recebido o apoio de um outro afro-americano, de direita, ex-comandante das forças armadas, e ex-'Secretary of State'. Olho para a Europa liderada por Sarkozys, Berlusconis e Kaczyńskis, e pergunto-me em que país do velho continente será possível um dia aquilo que hoje é possível nos EUA.
* - por comparação com o panorama político europeu actual.

A crise em cartoons (IV)- o mexilhão é que paga, como de costume

Retomando a série de cartoons dedicada à crise, cabe a vez aos pagantes da dita. Como sempre, quem se trama é o mexilhão, que pagará a ganância alheia por muitos e bons anos. O cartoon que saiu na rifa é de Marshall Ramsey, editor de cartoons no The Clarion-Ledger. O seu trabalho tem sido acolhido em vários jornais de referência dos EUA. Corre o rumor de que algum deste material aparece frequentemente nas casas-de-bano de proeminentes políticos locais do seu país, um costume (ainda) estranho a outras sociedades. Outros cartoons do autor podem ser vistos aqui.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

Lentamente, eis que o chão vai mudando sob os nossos pés. Algumas breves de política internacional aí estão para o comprovar:

- na Argentina, o governo extingiu o sistema privado de pensões e transferiu-o para o sistema público, atingindo o BBVA com essa medida
- na Bolívia, o Congresso aprovou por mais de 2/3 a lei que permite referendar uma nova Constituição (a 25/I próximo), após inúmeras emendas aceites pelo partido de Morales, incluindo a sua não reeleição (com negociação e concertação dissipou-se a ameaça de desestabilização)
- na Colômbia, uma marcha índigena exortou o governo de Uribe a cumprir uma promessa de repartição de terras agrícolas, promessa essa feita nos anos 90, e denunciou a expulsão de c. 50 mil dos seus das suas terras.
Curiosamente, são todas notícias da América Latina. Por cá, continuamos a passar cheques em branco e, apesar dalgumas medidas avulsas de amparo social (ano de eleições oblige), persistimos como um dos países mais desiguais da OCDE, fosso esse agravado nos últimos 20 anos, como o atesta o último relatório desta organização.

O que se passa na cabeça dele ou dela

Aproveitando o balanço:

uma das coisas mais extraordinárias é pensar o que se passa na cabeça de alguém que tem uma experiência de vida marcante, dura mas sensível, por exemplo alguém que cresceu numa favela e viu morrer a maior parte dos seus amigos da escola - de tal maneira que a certa altura deixou de ir a funerais - e que depois disso continuou a estudar, saiu do bairro, fez universidade e pós-graduação. E que agora chega a outro continente, a um país soi-disant desenvolvido, e estuda e observa a realidade à sua volta e conhece pessoas. A forma como isso se integra no passado dele ou dela, o clique que faz lá dentro, a mistura possível, a possibilidade de pensar pela sua cabeça fazendo comparações únicas entre as coisas. Isso é uma das coisas mais extraordinárias — é um percurso.

Outro percurso extraordinário é o de alguém que atravessou, digamos, mais de metade do século XX e chegou ao XXI, passando por várias vidas, trabalhos e carreiras, conhecendo pessoas, vendo viver e vendo morrer também, voltando a um lugar que acaba por ser um lugar de origem. E perguntando, à sua volta (será que pergunta alguma coisa?): isto que está aqui é e não é o lugar onde eu nasci. Porque tudo o que está a volta mudou, embora o lugar físico seja o mesmo e se dê a esta cidade o mesmo nome que há setenta e cinco anos atrás. E mudou a sociedade e todos os projectos que, durante décadas, andaram na cabeça das pessoas e que agora - os projectos, e às vezes as pessoas — não existem mais. Embora haja muitos outros novos, projectos e pessoas, porque tudo avança com o tempo. Não é para ser triste o balanço, nem sequer melancólico. O que é extraordinário é este cérebro (afectuoso cérebro) e a maneira única como ele se vem ligando com o tempo que passa até hoje.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Tão cartesiano que virou barroco

Ele era tão cartesiano, tão cartesiano, enchia tudo tanto de planos e de quadros e de mapas e de esquemas, construía tantas siglas e subsiglas, tantos itens e pontinhos que no fim, no fim, no fim de tudo, o resultado material das suas elaborações era uma grandiosa nave barroca. Só se viam becos sem saída, desordem sob a ordem aparente, excepções para cada regra, linhas curvas imprevistas, além de um extraordinário caos de mistérios, analogias e ecos do qual só era possível sair usando profetas como guias.

Desculpem o barroquismo e o "impromptu" do post. Estou a escrever uma espécie de magazine burocrático e precisava de um escape.

Um muçulmano pode ser presidente dos Estados Unidos?

Além do apoio a Obama, Colin Powell dá nessa entrevista uma lição de ética ao partido republicano. A forma como muitos republicanos instumentalizam o rumor de Obama ser muçulmano (cf. o segunda vídeo e a resposta desastrada de Mc Cain : “he’s a decent family man”) é vergonhosa e Powell aponta-o de forma clara.

Colin Powell




"He's an arab!"

domingo, 19 de outubro de 2008

História, memória, política e justiça

As políticas da memória voltaram ao debate público internacional, e isso devido a 3 motivos principais: ao apelo lançado pelo historiador Pierre Nora para travar os excessos das leis anti-negacionismo; à abertura dum inquérito judicial sobre a repressão franquista; e à condenação de dirigentes militares por assassinatos políticos perpetrados durante as ditaduras militares argentina e chilena.
O 1.º pretende evitar que os historiadores sejam criminalizados pelas suas interpretações do passado, e é uma resposta à decisão do Parlamento Europeu (de 2007) que propõe considerar como delito de "banalização grosseira" (ou de "cumplicidade na banalização") os implicados ou apologistas de "genocídios, crimes de guerra com carácter racista e crimes contra a Humanidade", passível de pena de prisão e independentemente da época dos crimes e da autoridade política, administrativa ou judicial que os tome como provados. O contexto principal desta controvérsia remete para França, pelo facto daí já existirem uma série de leis específicas: lei Gayssot (1990, contra o negacionismo do Holocausto nazi), lei do reconhecimento do genocídio dos arménios (2001) e a lei Taubira, que qualifica de crime contra a Humanidade o tráfico e a escravatura efectuados pelos ocidentais no contexto colonial (sobre o assunto vd. Jorge Almeida Fernandes, "Garzón e os historiadores em cólera", Público de hoje, p.10-P2).
Pese apenas conhecer os seus contornos, concordo com esta tomada de posição, que, porém, não apaga o facto de muitos países europeus já proibirem a organização e/ou difusão de ideologia racista e/ou fascista.
O 2.º caso já aqui foi referido, e prende-se com a consideração pela suprema instância judicial espanhola da sua competência para averiguar sobre os desaparecidos vítimas da repressão franquista, estimados em c. de 114 mil pessoas, e para se proceder à abertura dalgumas valas comuns onde foram enterrados.
Neste caso, os seus críticos sustentam que o juiz Garzón propõe-se fazer uma abusiva condenação retrospectiva de crimes políticos, pois a tipificação de «crimes contra a Humanidade» surgiu apenas com o julgamento de Nuremberga, no pós-II Guerra Mundial, para julgar os crimes nazis. Estes críticos estão errados. Não se trata de nenhum anacronismo, a repressão franquista continuou para além da derrota do Governo legítimo republicano espanhol, até 1952, portanto, já se enquadra naquela moldura. Depois, a Convenção de Genebra é dos anos 20 e também foi ignorada pelos insubmissos franquistas aquando da guerra civil. É pacífico que o lado republicano também cometeu atrocidades, e concordo que, nestes casos, as suas vítimas devem também ser consideradas vítimas e não apenas «falecidos», mas a questão não é essa, pois estes tiveram direito a enterro e a reconhecimento pelo Estado franquista. Já os do outro lado, não. São os seus familiares e outros cidadãos que se organizaram em associações cívicas de recuperação da memória para reivindicarem um direito legítimo e compreensível, o dos seus entes queridos terem o direito a um enterro condigno e ao reconhecimento da sua morte indigna. Em paralelo, uma parte da sociedade civil espanhola tem pressionado no sentido duma condenação oficial do regime franquista por causa da sua violência e ilegitimidade. As investigações judiciais poderão comprovar a existência duma política sistemática de perseguição e repressão política durante c. de 20 anos, e isso poderá levar a considerar o regime franquista como um regime genocida. Se assim for, qual é o drama? Não se deve procurar o esclarecimento sobre as maiores atrocidades? E a justiça, nem que seja simbólica?
Alegam os críticos que a lei da amnistia de 1977 proibiu condenações de abusos e crimes e que o Pacto de Transição pôs uma pedra neste assunto. Também não colhe. A lei da amnistia não englobou os «crimes contra a Humanidade», os quais não prescrevem, e não é a guerra civil em concreto que está em causa, ao contrário do que defende o historiador Santos Juliá, citado e secundado pelo colunista Jorge Almeida Fernandes no já referido artigo. E o pacto de transição, tal como o nome indica, foi um compromisso político conjuntural efectuado pelas elites, com vista a assegurar a legitimação política do novo regime democrático, mostrando como os espanhóis conseguiam criar e viver numa democracia estável e respeitadora, assim afastando definitivamente o fantasma agitado pelo franquismo durante décadas a fio. Essa conjuntura acabou, e já há muito que tal pacto foi rasgado, mais concretamente na campanha para as eleições de 1993, precisamente pelo PSOE. A Lei da Memória Histórica foi um destes marcos, mas muitos outros existem. Neste caso, Garzón limitou-se a corresponder a pedidos da sociedade civil organizada. Já tinha feito o mesmo no caso Pinochet. Nessa altura o coro de críticos foi bem menor. Estranho, não é?
O último assunto é a condenação de oficiais superiores de ditaduras latino-americanas militares, primeiro na Argentina, agora no Chile. Na Argentina, o gen. Luciano Menéndez foi condenado a prisão perpétua por crimes cometidos durante a ditadura, num dos maiores campos de detenção clandestinos da época (vd. aqui). Já no início do ano, haviam sido afastados de funções docentes e de assessoria oficiais almirantes da reserva Roberto Pertussio e Miguel Troitiño, e ao capitão da reserva Hugo Santillán, por envolvimento na repressão ilegal pela ditadura militar instaurada em 1976 (vd. aqui). Outras condenações se seguiram (vd. aqui). No Chile, o Supremo Tribunal de Santiago condenou o gen. Sérgio Arellano Stark a 6 anos de prisão por homicídio qualificado, devido ao assassinato sumário de militantes de esquerda (caso da «Caravana da morte»: vd. aqui).
Isto representou a condenação simbólica, política e judicial das antigas ditaduras militares, após muitos anos de resistências e bloqueios (de que é elucidativo o caso Pinochet, que morreu antes de se conseguir levar a julgamento, por desatinos e cumplicidades várias).
Uma democracia tem o direito, e o dever, de condenar regimes anteriores que tenham sido ditatoriais e que, por isso, tenham perpetrado repressão política, social e cultural, e de condenar e/ou criminalizar parte desses actos, de acordo com as leis em vigor, tanto nacionais como internacionais. Tal deve, aliás, fazer parte dum saudável exercício de pedagogia democrática. E é um imperativo ético.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Dia mundial da alimentação (foi ontem)

Em Inglaterra só se pensa em comida. [E ainda bem, porque se está a comer muito melhor na Ilha]. Só que esse interesse vai para além da introdução do alho, cebola e mais temperos, do «estilo mediterrânico», ou da abertura de cafés «à la Provence», e envolve uma reflexão séria sobre o que se come.
O debate partilhado por políticos, universitários e cozinheiros (o incontornável Jamie Oliver), parece ter chegado a uma triste premissa: os hábitos alimentares dependem inevitavelmente do dinheiro que se tem, o que acarreta consequências que vão desde os níveis de rendimento escolar, à (e esta conclusão é arrepiante) esperança média de vida. "Sharp inequalities can be clearly mapped, even short distances apart. Travel the eight stops on the Jubilee line tube from Central London's Westminster to Canning Town and you find a decrease in life expectancy of nearly one year for each station going east.
A child born in one deprived Glasgow suburb can expect a life 28 years shorter than another living only 13km away in a more affluent area, a three-year investigation for the World Health Organisation found in August."
Até o Doclisboa reflecte esta questão nacional, já que dois documentários ingleses são sobre comida: All White in Barking, um olhar para a imigração e o racismo através das refeições dos habitantes de Barking e The lie of the land, sobre a sustentabilidade do modo de vida dos agricultores ingleses.
Por cá o tema não articula especialistas de vários sectores e tem-se resumido, sempre na vaga confusão entre alimentação saudável e dieta, a fracas tentativas de retirar os «Bolicaos» das escolas, ou a reportagens incríveis sobre os benefícios da «cervejinha» (sendo o estudo português, naturalmente).
Agora, imaginem só, uma grande equipa que realmente congregasse Ministérios (o da Educação; do Trabalho e Solidariedade Social), Universidades (Faculdade de Ciências; Faculdade de Motricidade Humana; Escola Hoteleira), Câmaras (no caso de Lisboa, desde logo José Miguel Júdice a oferecer trabalho voluntário do chef do Eleven), empresários (Belmiro e os seus Continentes) e a nossa chef Maria de Lurdes Modesto, todos a trabalhar sobre as desigualdades alimentares. Supomos que fizesse alguma diferença.
Imagem: O chef Jamie Oliver que se tem vindo a envolver socialmente em várias causas alimentares e que dá, ele próprio formação nos seus restaurantes a jovens provindos de classes desfavorecidas.

Utopias futuristas

Esta noite inaugura-se a nova exposição de Miguel Soares, «3D Animations and Video Works1999-2005», na Culturgest, acompanhada por música electrónica dos Tra$h Converters (a entrada é livre). Estará patente até 4 de Janeiro de 2009. Após o Prémio BESPhoto e uma tournée por Madrid e outros locais, eis de volta o artista mais 'neo-futurista' e 'descontrucionista' do cantinho.
Aproveito para aqui reproduzir o texto de apresentação da mostra, pelo seu curador, Miguel Wandschneider:
"Desde o início da década de 1990 que o trabalho de Miguel Soares (Lisboa, 1970) revela um fascínio pelas utopias futuristas, as inovações tecnológicas e o universo iconográfico da ficção científica. Esse fascínio concretizou-se, numa fase inicial, através da apropriação e manipulação de imagens fotográficas preexistentes, assim como do recurso a referências e convenções do campo do design de equipamento, tomado primeiro como referente no plano da imagem fotográfica e depois transposto para a concepção formal das peças. Na segunda metade dessa década, parte significativa da actividade de Miguel Soares conduziu a esculturas e instalações, com forte carácter interactivo, que representam personagens, ambientes, situações e objectos pertencentes a hipotéticos mundos de ficção científica. É nesta fase que o artista começa a usar o vídeo como meio de projecção de imagens animadas, primeiro retiradas de jogos de computador e depois criadas em 3D a partir de elementos gráficos disponíveis na internet. O seu trabalho dos primeiros anos teve uma recepção crítica francamente positiva, mas é com as animações em três dimensões que atinge a maturidade. É justamente esta faceta do seu trabalho que esta exposição se propõe iluminar".

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Memória e justiça em Espanha: Garzón ordena investigação judicial dos desaparecidos do franquismo e exumação de valas comuns

O juiz Baltazar Garzón declarou que a Audiência Nacional espanhola tem competência para julgar alguns dos crimes do franquismo, ordenando uma investigação judicial dos desaparecidos e a exumação de 19 valas comuns, incluindo a do poeta Federico Garcia Lorca. O argumento principal é o de que estão em causa crimes contra a Humanidade, o que cai na alçada deste tribunal e não foi abrangido pela Amnistia de 1997 nem são crimes que prescrevam. Segundo estimativas apresentadas no auto judicial, foram 114.266 os desaparecidos da Guerra Civil espanhola e da subsequente repressão franquista até 1951.
Este processo iniciara-se em Setembro, em resposta às denúncias apresentadas 2 meses antes por associações que lutam pela recuperação da memória histórica, que solicitavam uma investigação aos desaparecimentos, sequestros, assassinatos, torturas e exílios forçados cometidos após 1936, a fim de que o Estado espanhol "cumpra as suas obrigações de reparação" das vítimas pelas violações dos direitos humanos de que foram alvo (ap. El Mundo, cit. pelo Público).
Mais informações aqui ou aqui. Na imagem, presos políticos levados para um campo de concentração franquista.


quarta-feira, 15 de outubro de 2008

A crise em cartoons (III) - a recessão inconcebível

Ainda no domínio dos efeitos da crise, a recessão económica bateu à porta duma economia que já se julgava imune a estas quedas. O autor desta ilustração é Steve Sack, editor de cartoons no The Minneapolis Star-Tribune desde 1981. Várias vezes premiado, incluso pela National Press Foundation. Mais cartoons deste artista aqui e aqui.

Cardoso Pires por Lisboa

Este mês passam 10 anos sobre a morte de José Cardoso Pires (2.10.1925-26.10.1998) e a Câmara Municipal de Lisboa presta homenagem ao escritor que, como poucos, inscreveu a cidade amada nos seus livros. Lisboa - as ruas, as pessoas, as vivências, a história contemporânea - habita a obra literária de Cardoso Pires, os seus romances, contos e crónicas.
José Cardoso Pires vem na capa da Agenda Cultural de Outubro. E lá dentro o autor de O Delfim, Balada da Praia dos Cães, Alexandra Alpha e tantos outros aparece em muitas secções: Editorial; Entrevista a Inês Pedrosa, amiga e autora da fotobiografia de Cardoso Pires; Reportagem "Vírgulas na paisagem", uma deliciosa selecção de excertos de livros de Cardoso Pires em que Lisboa é personagem central; Fazer "José Cardoso Pires: a obra e a cidade" - referência à vasta programação que a Direcção Municipal da Cultura preparou em torno do escritor (exposições, leituras de textos e conferências, ciclo de cinema, lançamento de livro, etc.); Ar livre "E agora, José?" - sobre o itinerário temático José Cardoso Pires; Monumentos "Conversas à mesa" - dedicado ao restaurante Pabe, local de eleição de Cardoso Pires, a par do British Bar ou do Procópio. Não me lembro de outra Agenda assim, que tenha conseguido acrescentar valor à programação cultural da cidade em torno de um dos seus maiores escritores do século XX.
Cardoso Pires nasceu na aldeia de São João do Peso (Castelo Branco), mas veio para Lisboa aos 5 anos e por aqui viveu, primeiro em Arroios, depois em Alvalade. Eu, que nasci em São Jorge de Arroios mas nunca lá vivi, não posso dizer: "De Arroios, pois, de Arroios / mais precisamente, da lisboníssima freguesia de São Jorge, 4º bairro fiscal, ou, mais precisamente ainda, duma janela de infância voltada para uma igreja que já não há e para um largo de bêbados dormentes, salitados por pombinhas maneirinhas. / Sou daí, desse largo e dessa janela, ficas a saber." (Lisboa - Livro de Bordo, p.13).
Entretanto, fiquem também a saber que não devem perder no próximo dia 24 de Outubro, às 18.30h, na Casa Fernando Pessoa, a apresentação do filme "Fotogramas Soltos das Lisboas de Cardoso Pires" (António Cunha e Inês Pedrosa), baseado no Lisboa, Livro de Bordo. Vários amigos de José Cardoso Pires colaboram nesta produção da Videoteca, como Lídia Jorge, Camané, Fernando Lopes ou Carlos do Carmo, entre outros. Cada um deles lê um excerto do livro e cada excerto é integrado na paisagem urbana a que diz respeito.
Não é só a CML a evocar Cardoso Pires. Na Biblioteca Nacional está patente ao público uma mostra evocativa da obra do escritor baseada em manuscritos do seu Espólio, doado à BN pelas suas herdeiras.
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A foto foi retirada daqui.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

A crise em cartoons (II) - efeitos imediatos

Depois das causas, os efeitos, a começar pela corrosão da economia norte-americana, que o Fed tentou conter desesperadamente, mas também tardiamente (sendo o primeiro consequência do segundo...). Assina este cartoon o editor de caricaturas do jornal Seattle Post-Intelligencer, também ele multi-premiado, incluindo 2 Pulitzer (1999 e 2003). Quem quiser apreciar melhor a obra de David Horsey pode ainda ir aqui e aqui.

Um Nobel para os vírus transmitidos sexualmente, e outro para as proteínas fluorescentes

Como todos os anos o princípio de Outubro é a época dos Nobel. Os Nobel da Medicina e da Química deste ano merecem um comentário especial. O prémio da Medicina e Fisiologia foi mesmo para descobertas mais relevantes para a Medicina, do que para a Fisiologia/Biologia (fenómeno cada vez mais raro). Harald zur Hausen ganhou metade do prémio por ter descoberto que o Câncro do Colo do Útero é causado por um vírus. A ideia de que um câncro poderia ser causado por vírus era, à época, completamente contra todos os dogmas. Hoje existem vacinas contra este tipo de câncro, um dos que mais afecta as mulheres. Um Nobel bem merecido portanto. A outra metade do prémio foi partilhada por Luc Montagnier e Françoise Barré-Sinoussi por terem descoberto o vírus causador SIDA. Para além de ter sido, obviamente, uma descoberta fundamental para a compreensão da SIDA é também o resultado de uma das mais azedas competições na história recente da Ciência. O americano Robert Gallo descobriu também, de forma independente de Montagnier (consoante as versões) o mesmo vírus. Para os detractores de Gallo era literalmente o mesmo vírus. Gallo foi acusado de o isolar a partir de uma amostra produzida por Montagnier (ou seja, uma espécie de roubo). A contenda só foi resolvida com a intervenção dos presidentes americano e francês à época, Regan e Mitterand. E o vírus foi então baptizado HIV (Montagnier e Gallo tinham dado cada um um nome diferente). A não a atribuição do Nobel a Robert Gallo diz bem da opinião do comité Nobel, e seguramente da maioria da comunidade científica, sobre quem realmente descobriu o vírus da SIDA.

Já o prémio Nobel da Química deste ano foi para uma descoberta de uma enorme importância para a Biologia. Não é a primeira vez que o Nobel da Química vai para descobertas na área da Biologia, e faz sentido porque há determinadas descobertas que tanto podem ser consideradas como Biologia ou Bioquímica. Neste caso foi a proteína verde fluorescente (GFP - Green Fluorescente Protein), que é uma ferramenta utilizada quotidianamente por milhares de investigadores em Biologia, mas o seu estudo e desenvolvimento é essencialmente Bioquímico. A GFP permite por exemplo ver ao microscópio como um determinado componente da célula se comporta, mantendo essa célula viva. Há outras utilizações, mas esta é de longe a mais frequente. A escolha dos três galardoados é bastante interessante, e pedagógica, pelas diferentes contribuições de cada um deles. Osamu Shimomura recebeu o prémio por ter sido o primeiro investigador a isolar a GFP. Reparou que a medusa Aequorea victoria era fluorescente em determinadas circunstâncias, e percebeu que identificar o componente fluorescente podia ser interessante. Roger Y. Tsien recebeu o prémio pelo seu trabalho sobre a compreensão da "mecânica" própria GFP, como é que esta proteína fluoresce. Esse trabalho permitiu desenvolver, por engenharia genética, outras variantes da GFP. Finalmente Martin Chalfie recebe o prémio por ter desenvolvido ferramentas com utilidade prática na investigação utilizando a GFP. Chalfie, trabalhando com o nemátode C. elegans, criou bichos que expressam GFP, em especial nos neurónios, porque é o seu tema de investigação (ver aqui). Foi graças a esses trabalhos que filmes como este aqui em baixo se tornaram possíveis. Pode ver-se (para quem tiver um computador que suporte o Quick Time) a primeira divisão celular do embrião de C. elegans. O filme começa com a fertilização, vê-se os cromossomas maternos e paternos juntarem-se, e formarem um só núcleo. Depois dá-se a divisão propriamente dita, em que os cromossomas são repartidos igualmente pelas duas novas células que se formam. Vê-se também o fuso que divide os cromossomas entre as células. Tanto os cromossomas como o fuso são visíveis graças à GFP. O vídeo foi realizado no laboratório de Iain Mattaj



P.S. - Não percebo muito de Economia, mas parece que o Nobel foi atribuído a um confesso neo-Keynesiano. Essa também tem graça.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

A crise em cartoons - como tudo começou

Em grande parte, tudo começou como em baixo certeiramente se refere. Alguns ainda torcerão para que o essencial fique na mesma, ao que o cartoon também alude. São esses mesmos que agora vêm para os media gritar «Ai Jesus!» e a perorar para que o Estado intervenha já. A paciência de Job. O cartoon é de Don Wright, cartoonista do jornal The Palm Beach Post, e multi-premiado, incluindo 2 Prémios Pulitzer. Amanhã há mais!

domingo, 12 de outubro de 2008

Ícones humorísticos da crise

Inicia-se aqui uma nova rubrica no Peão, dedicada ao humor sobre a actual crise mundial, através do cartoon. O pontapé de partida cabe ao já incontornável lifting na notinha verde, uma das imagens humorísticas específicas que mais tem circulado nos media. Não consegui topar o autor, dão-se alvíssaras a quem souber do seu paradeiro. A crise bateu forte, mas não no cartoon, que tem aproveitado bem o momento. Se não acreditam, vide o que aí vem.

Por uma Europa hospitaleira

Este é um post de divulgação duma acção de protesto em Lisboa contra o reforço da Europa fortaleza, por uma Europa hospitaleira, que saiba acolher para além dos turistas (vd. aqui). O cartoon foi escolhido por mim.
"JORNADA DE ACÇÃO
Pela regularização dos(as) indocumentados(as), contra a onda xenófoba e contra o Pacto Sarkozy
Associações convocam jornada de acção para domingo, 12 de Outubro, às 15h, no Martim Moniz
Nos dias 15 e 16 de Outubro, o Conselho Europeu reunirá os chefes de Estado e de governo dos 27 para ratificar o "Pacto Europeu sobre Imigração e Asilo", aprovado no conselho de ministros realizado a 25 de Setembro. O Pacto proposto por Nicolas Sarkozy, no contexto da presidência francesa da União Europeia, visa definir as linhas gerais da UE nesta matéria e assenta em cinco pontos fundamentais: organizar a imigração legal, priorizando a adopção do “cartão azul”, para recrutamento de mão-de-obra qualificada; facilitar os mecanismos e procedimentos de expulsão e estabelecer nesse sentido parcerias com países terceiros e de trânsito; concretizar uma política europeia de asilo; reforçar o controlo das fronteiras; proibir os processos de regularização colectiva.
Depois da aprovação da Directiva de Retorno, com o voto favorável do Governo português, estas medidas representam mais uma vergonha para a Europa. O tratamento securitário das migrações, a definição de critérios discriminatórios para acesso ao trabalho, o aprofundamento da criminalização da migração, da militarização e externalização das fronteiras através do FRONTEX e a perseguição dos(as) cerca de 8 milhões de indocumentados(as) que vivem e trabalham na Europa - a quem é oferecida a expulsão como única saída -, são medidas que visam consolidar uma Europa Fortaleza, da qual não podemos senão nos envergonhar.
Em Portugal, a recente onda de mediatização da criminalidade e as recentes declarações de responsáveis governamentais que trataram os(as) como imigrantes bodes expiatórios para o aumento da criminalidade, abrem espaço para as pressões xenófobas e racistas, e criam um ambiente propício para a desresponsabilização do Governo. Em causa está a necessidade de regularização de dezenas de milhares de imigrantes que defrontam sérias dificuldades em regularizar a sua situação.
São homens e mulheres que procuraram fugir à miséria, fome, insegurança, obrigados a abandonar os seus países como consequência do aquecimento global e outras mudanças climáticas, ou que muito simplesmente tentaram mudar de vida, mas a quem não foi reconhecido o direito a procurar melhores condições de vida. Tratam-se de pessoas que não encontraram outra opção senão o recurso à clandestinidade, muitas vezes vítimas de redes sem escrúpulos, e que se confrontam com uma lei que diz cinicamente que "cada caso é uma caso", fazendo da regra a excepção e recusando à generalidade dos(as) imigrantes o reconhecimento da sua dignidade humana. Destaque-se a situação dos imigrantes sem visto de entrada, a quem a lei recusa qualquer oportunidade de legalização.
Solidários(as) com a luta que se desenvolve na Europa e no mundo contra as politicas racistas e xenófobas, também por cá vamos lutar pela regularização de todos imigrantes, sem excepção, cada homem/mulher - um documento. É uma luta emergente contra as pretensões de expulsão dos(as) imigrantes, contra a vergonha de uma Itália que estabelece testes ADN como instrumento de perseguição dos ciganos(as), contra as rusgas selectivas, arbitrárias e estigmatizantes, contra a criminalização dos(as) imigrantes, contra a ofensiva das políticas securitárias e racistas, alimentadas pelo tratamento jornalístico distorcido feito por alguns meios de comunicação social. Cientes de que está criado um ambiente de perseguição aos imigrantes na Europa, e rejeitando as pressões racistas e xenófobas dos Governos de Sarkozy e Berlusconi, organizações de imigrantes, de direitos humanos, anti-racistas, culturais, religiosas e sindicatos, decidiram marcar para o próximo dia 12 de Outubro, domingo pelas 15h, no Martim Moniz, uma jornada de acção pela regularização dos indocumentados(as), contra a onda de xenofobia e contra o Pacto Sarkozy.
ORGANIZAÇÕES SIGNATÁRIAS: Acção Humanista Coop. e Des.; ACRP; ADECKO; AIPA – Ass. Imig. nos Açores; APODEC; Ass. Caboverdeanade Lisboa; Ass. Cubanos R.P.; Ass. Lusofonia, Cult. e Cidadania; Ass. Moçambique Sempre; Ass. dos Naturais do Pelundo; Ass. dos Nepaleses; Ass. orginários Togoleses; Ass. R. da Guiné-Conacri; Ass. Olho Vivo; Ass. Recr. Melhoramentos de Talude; Ballet Pungu Andongo; Casa do Brasil; Centro P. Arabe-Puular e Cultura Islâmica; Colect. Mumia Abu-Jamal; Khapaz – Ass. de Jovens Afro-descendentes; GAIA - Grupo de Acção e Intervenção Ambiental; Núcleo do PT-Lisboa; Obra Católica Portuguesa de Migrações; Solidariedade Imigrante; SOS Racismo."
Nb: na imagem, cartoon de Oscar Banegas (in blogue Humorgrafe, 21/VI/2008).

sábado, 11 de outubro de 2008

Internacional Socialista versão sec.XXI?

O G7 estão de acordo para combater a actual crise financeira internacional através da nacionalização da Banca.

"In the five-point plan, issued after finance ministers met at the Treasury Department, the Group of 7 countries broadly endorsed the idea of taking ownership positions in banks"

P.S. - O incontornável Rue89 lançou um site dedicado à economia para acompanhar a crise financeira, o Eco89. Um site a seguir com atenção.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Defina-me "Intransigente"

"O grupo parlamentar do PS vai apresentar amanhã uma declaração de voto, após a votação dos projectos de lei do Bloco de Esquerda e de os Verdes sobre o casamento entre homossexuais. (...), os deputados expõem, em três pontos que o grupo defende intransigentemente a igualdade dos direitos expressos na constituição..." (destaque meu).

Defendem INTRANSIGENTEMENTE mas votam contra? São intransigentes, mas transigem. E gostam de brincar com as palavras (e não só).

Para além do que já escreveram o peão Daniel, o Rui Tavares, e o Daniel Oliveira (e seguramente outros), não há muito mais a dizer.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Uma oportunidade perdida

Tomei contacto com a questão do casamento entre homossexuais era ainda estudante universitário, no início dos anos 90. Nessa altura, a minha reacção foi 'reactiva', passe o pleonasmo: achava o contrato do matrimónio civil uma intromissão burocrática e anacrónica da sociedade na vida íntima das famílias, por isso, parecia-me ridículo os homossexuais também terem interesse nisso, quando eu os via como um grupo na dianteira dalgumas lutas cívicas progressistas. Como o debate então prosseguiu (sempre pela esquerda, em especial o PSR), e fui a vários casamentos de pessoas próximas, a minha visão mudou: passei a achar que se as pessoas queriam casar é porque isso era importante para elas, e eu não nada tinha a ver com as suas razões pessoais. Sendo os homossexuais pessoas como as outras, parecia-me compreensível e justo que também se achassem no direito de aceder a esse contrato.
Com o debate que entretanto se gerou, hoje acho isso ainda mais lógico, não só por ser um direito de igualdade definido constitucionalmente (não deve haver discriminação com base na religião, 'raça', orientação sexual, etc.), como por ser um direito de liberdade dos cidadãos, no sentido de todos os cidadãos adultos deverem poder escolher para si o tipo de união conjugal que mais lhes convém.
Por isso, concordo com o Rui Tavares quando diz que a recusa do PS em aprovar (ou em abster-se) as propostas da JS, do BE e do Partidos Os Verdes foi um tiro no pé. Demonstrou assim estar obcecado com o tacticismo eleitoral (não querer desagradar ao seu eleitorado mais conservador) e distanciou-se das suas matrizes, socialista, social-democrata e, mesmo, da liberal. Sim, porque quem se diz liberal no plano social não devia afastar arrogantemente tais propostas.
Num daqueles congressos PS à Kim Il-Sung do consulado Guterres, lembro-me de ver a então militante socialista Helena Roseta apresentar uma moção a favor da discussão da interrupção voluntária da gravidez. A moção foi cilindrada e a questão da IVG ficou incompreensivelmente adiada durante 10 anos. A similitude de tratamento destes dois temas é por demais evidente.
As propostas não deverão passar amanhã, mas o debate foi aprofundado e prosseguirá, ficando como uma pedra no sapato de muitos. A modernização da sociedade e o reforço do pluralismo cívico de que tanto se arroga este governo passa também pela resolução deste tipo de anacronismos, herdados duma mentalidade demasiado conservadora e monolítica.
Nb: imagem retirada daqui.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Tudo isto é fado

Felizmente que nem tudo são más notícias quanto ao panorama museográfico luso (e à CML), como o atesta a reabertura do Museu do Fado, em Lisboa, no passado dia 2 (após 7 meses de obras de requalificação).
Este museu, da responsabilidade do município alfacinha e situado em Alfama, apresenta agora um novo programa museológico, com postos de consulta que permitem o acesso digital ao seu espólio. Imagens, repertórios, registos áudio, biografias, programas de espectáculos e pautas estão assim mais facilmente acessíveis.
Até final do ano, também nele se poderá apreciar o famoso quadro «O fado», que José Malhoa pintou em 1910 e aqui reproduzido. Estão ainda presentes outros pintores, como Constantino Fernandes e Júlio Pomar.
É um museu que aproveita muito bem o espaço modesto e que faz muito sentido: o seu modelo devia ser mais seguido, pois aposta numa singularidade, num aspecto da cultura portuguesa que é único e singular, não existindo em mais nenhum país.
A sua directora anunciou ainda que em 2009 será apresentada a candidatura do fado a património da UNESCO, para que a canção lisboeta "tenha a consagração que merece".
Outras fontes: Fado.com e Público.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Este estabelecimento reabre quando puder ser

Vale a pena elogiar a reportagem-manchete de ontem no Público, "Falta de dinheiro e de funcionários está a asfixiar a rede de museus" (continuada aqui).
Nela se divulgam os resultados dum inquérito promovido por este jornal e ao qual responderam 34 museus portugueses. Da sua análise comprova-se que a maioria dos referidos museus está a cortar nos horários, na programação e/ou em serviços (o mais preocupante é a diminuição do serviço educativo) por não terem orçamento adequado. São 4 páginas bem escritas e bem ilustradas, que demonstram que quando os jornais investem em jornalismo de investigação e se dedicam a escrutinar a actividade pública com profundidade, todos temos a lucrar. O trabalho é da autoria de Alexandra Prado Coelho e Bárbara Reis.
Há museus a trabalhar em más condições, outros fechados há anos, e que merecem mais atenção. Esta situação é cíclica (vd. p.e. aqui), mas nem por isso menos grave. O Ministério da Cultura não deveria ser um enfeite que se põe na lapela aos domingos. E o Ministério da Educação podia (e devia) reforçar os seus protocolos com os serviços educativos dos museus, pois é uma actividade que lhe cabe, tanto mais que a educação artística nas escolas é insuficiente, será sempre insuficiente.

sábado, 4 de outubro de 2008

É IgNobel!

Como todos os anos, foram atribuídos esta semana os prémios IgNobel. Fiquei ligeiramente desiludido; e não é que no meio dos trabalhos hilariantes que com toda a justiça merecem um IgNobel houve prémios para trabalhos que até são interessantes? Que g'anda seca! O comité IgNobel está a baixar o nível de exigência na atribuição dos prémios. Outra nota interessante é que vários dos trabalhos premiados, três pelo menos, foram publicados em revistas científicas das mais prestigiadas: a Nature, o New England Journal of Medicine e a Proceedings of the National Academy of Sciences.

Resumindo...
Os merecidos IgNobel deste ano foram:
- IgNobel da Paz: Para o Comité Federal Suiço para a Ética da Biotecnologia Não-Humana, extensível aos cidadãos suíços, por consagrarem o princípio legal que as plantas também têm dignidade. O que será da jardinagem na Suíça daqui para a frente? E as vacas vão poder continuar a pastar?
- IgNobel da Biologia: Para uma equipa da Faculdade de Medicina Veterinária de Toulouse, França, por descobrirem que as pulgas de cão saltam mais alto que as pulgas de gato. Informação de extrema utilidade.
- IgNobel da Física: Para dois físicos californianos por demonstrarem matematicamente que um fio de cabelo, ou qualquer tipo de corda, se agitado o suficiente acabará inevitavelmente por formar um nó. Mais informação de extrema utilidade.
- IgNobel da Química: Exaequo para uma equipa inglesa por demonstrar que a Coca-Cola é um excelente espermicida e para uma equipa taiwanesa por demonstrar exactamente o contrário. O pior é que ficamos sem saber se é ou não.
- IgNobel da Literatura: para o inglês David Sims pelo ensaio "You Bastard: A Narrative Exploration of the Experience of Indignation within Organizations.". O títalo diz tudo.

Os prémios para trabalhos que até me parecem realmente interessantes:
- IgNobel da Economia: Para três estudantes do Novo México, EUA, por demonstrarem que as dançarinas de strip-tease ganham mais em gorjetas durante a fase da ovulação.
- IgNobel da Medicina: Para Dan Ariely, da Universidade de Duke, nos EUA, por demonstrar que os placebos caros são mais eficazes do que os placebos baratos.
- IgNobel das Ciências Cognitivas: Para um grupo de investigadores japoneses e húngaros, que observaram que uma amiba (ser unicelular) consegue descobrir o caminho mais curto para sair de um labirinto, o que sugere que a amiba com uma única célula pode ter alguma inteligência. Uma amiba inteligente não é fascinante?

Ainda há um ou outro que não é nem merecido nem interessante. E aproveito para deixar um prognóstico: com essa estória da contaminação com o HIV através de gotas de sangue, suor e lágrimas (ou uma cuspidela) para cima de legumes crus, não me espantaria se visse os juízes da relação de Lisboa, e do STJ a receber um IgNobel.

Pelo que vi nenhum dos premiados deste ano chegou ao nível do vencedor do IgNobel da Medicina de 2007. Podem ver o discurso de aceitação no vídeo abaixo (o vídeo da cerimónia de 2008 estará em breve no site improvavél).


sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Não percebo nada do que dizem os cientistas, nem quero, prefiro acreditar no que me diz a minha ignorância, afinal sou juíz do STJ, eu é que sei!

Pois é Ana, é de facto muito grave. Claro que os juízes não têm que ser competentes para avaliar determinadas questões técnicas/científicas, para isso há pareceres técnicos e especialistas. O que o juízes têm é obrigação de tomar decisões racionais. Rejeitar a opinião de especialistas quando não se tem competência na matéria manifestamente não é racional, e tem um nome: Preconceito.
É preciso também que os especialistas percebam que (infelizmente) excesso de honestidade intelectual é contraproducente. Claro que pode dizer-se que existe uma possibilidade teórica de uma gota de sangue dar numa de MacGyver e ir infectar uma mucosa ferida de um cliente, mas não há registos de que semelhante coisa tenha alguma vez acontecido. Por vezes as possibilidades teóricas, são apenas isso mesmo, teóricas. Também existe uma possibilidade teórica do novo acelerador de partículas do CERN se transformar num buraco negro e engolir o sistema solar. Também existe um possibilidade teórica de um relâmpago sair do céu azul que vejo da minha janela acertar-me em cheio na cabeça antes de eu publicar este post. Das três, a última é seguramente a mais provável, e mesmo assim pouco. Acontece que muita gente, e pelos vistos juízes do STJ incluídos, não percebe a diferença entre plausível, possível, improvável e impossível. Só existem os dois extremos, a realidade só é compreensível a preto e branco. Só são aceitáveis certezas acabadas. E com gente como esta a aversão que os cientistas têm à palavra "impossível" (ou à "certeza absoluta") torna-se um empecilho. É triste mas é assim mesmo.