quarta-feira, 30 de abril de 2008

Albert Hofmann (1906 – 2008)


O químico suíço Albert Hofmann, que descobriu por acidente a droga alucinógena LSD, morreu ontem aos 102 anos. Hofmann entrou para a história em 16 de abril de 1943 ao experimentar ele mesmo e por acaso o LSD. Estudante de química, ele se dedicava aos alcalóides de um fungo que atacava o centeio para criar um estimulante circulatório e respiratório, a Dietilamida de Acido Lisérgico (LSD). Sem se dar conta, deixou uma gota cair em sua mão. Depois de experimentar a gota passou a sentir sensações estranhas. Pronto. Estava descoberta a droga que faria de Timothy Leary um dos gurus dos anos de 1960.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Ainda as imagens mentais (IV)

Embora me pareça que as nossas posições sejam diferentes, e estejam bem patentes, tenho ainda alguns comentários a fazer ao excelente post de Fernando Belo a respeito das imagens mentais. Correndo o risco que repetir alguns argumentos, não podia deixar de responder.

Primeiro tenho que reconhecer que o artigo de Gallant e colaboradores, de que temos estado a falar, não constitui uma demonstração formal da existência de imagens mentais. O artigo demonstra que, utilizando imagens de ressonância magnética e algoritmos apropriados, é possível modelizar com uma grau de aproximação muito apreciável os padrões de actividade cerebral quando o cérebro está a processar imagens que os olhos estão a ver. As imagens de ressonância magnética mostram apenas padrões de actividade cerebral. Fernando Belo prefere chamar-lhes, e bem, imagens cerebrais. No entanto, não sendo uma demonstração formal de que as imagens mentais existem, e menos ainda a visualização dessas imagens mentais. Se as imagens de ressonância, devidamente auxiliadas por um algoritmo, revelam ou não a existência de imagens mentais é uma questão de interpretação. Pela minha parte penso que os resultados são coerentes com a existência de imagens mentais. Se não o posso prová-lo, tampouco alguém o pode refutar formalmente, com base em observações empíricas. Estamos portanto no terreno do desconhecido, onde a especulação faz parte do processo de interpretação. É bom que se saiba, e que seja afirmado claramente, e as precauções necessárias devem ser tomadas. Isto é apenas uma opinião, ninguém tem que acreditar.

Apetece-me evocar aqui - desviando-me brevemente da discussão - a descoberta científica que, na minha humilde opinião, mais implicações filosóficas tem: princípio da incerteza de Heisenberg. Demonstra esse princípio que o observador não pode ter a percepção do 'verdadeiro' objecto, mas apenas a percepção da sua interacção sobre esse objecto. O observador não é portanto neutro, e altera forçosamente o próprio objecto. O exemplo em questão não podemos ver grande coisa do cérebro humano, a não ser que o alteremos, por exemplo com contrastantes que depois podem ser detectados por ressonância. A nossa observação não é neutra, é o resultado duma manipulação. E as conclusões que tiramos são necessariamente o resultado duma interpretação. Mas convém ter o princípio da incerteza presente também no momento de definir o próprio conceito de imagem, e de imagem mental.

Quanto à questão 'há' num automóvel, e aquilo que o automóvel é estamos de acordo (e daí..., talvez haja umas nuances). Na minha visão materialista uma coisa e outra estejam tão intimamente ligados que talvez se confundam. Aquilo que o carro 'é' resulta daquilo que nele 'há', mas aquilo que 'há' num carro tem que se constituir num processo coerente para que se transforme naquilo que o carro 'é'. Não basta ter porcas e parafusos, cilindros e cambotas, gasolina e explosão, combustão e piloto. Todos estes elementos, montados aleatoriamente dificilmente darão um carro que verdadeiramente o 'seja'. Aquilo que 'há' tem que constituir de uma determinada forma, coerente, que permita um encadeamento preciso de acontecimentos, os processos, que leve ao funcionamento do automóvel. As componentes encaixam-se segundo um plano preciso. O mesmo se passa com o cérebro. Não há apenas neurónios e sinapses, neurotransmissores e impulsos iónicos, há-os organizados de como uma série de processos coerentes, ou se preferirem de um modo funcional. A diferença entre o cérebro e o automóvel é que este é uma criação da mente humana, é fácil partir das partes, aquilo que 'há' perceber como se organizam e funcionam, é fácil perceber a coerência dos seus processos uma vez que foi o homem quem os criou. Já quanto ao cérebro não conhecemos o plano, temos que partir da nossa percepção daquilo que ele 'é' para tentar perceber aquilo que nele 'há' para depois ainda tentar perceber como as suas partes se organizam numa entidade funcional, aquilo que ele 'é'. Isto num constante vai-e-vem entre uma coisa e outra, aprofundando o nosso conhecimento passo a passo. E isto que digo não muito diferente, parece-me, do que diz Fernando Belo (parágrafo 5 do seu post).

Voltanto à questão inicial, as imagens de ressonância magnética mostram a actividade cerebral não as imagens mentais. No entanto, na minha opinião, as imagens mentais existem, são o produto dos tais processos coerentes que constituem o funcionamento do cérebro, e estão subjacentes à actividade cerebral que é possível ver nas imagens de ressonância magnética.

Tomemos o exemplo dado Ana Matos Pires (quando se debateu esta questão no 5dias): os amputados continuam a sentir o membro que perderam. Sentem-no porque os terminais nervosos que antes transmitiam ao cérebro a sensação desse membro continuam a fazê-lo mesmo que o membro não esteja lá. Isto demonstra que no cérebro existe uma representação desse membro. Não é uma imagem, no sentido visual de uma imagem captada pelo sentido da visão, mas é uma representação resultante da propriocepção. O membro esse não existe mas a representação mental desse membro é bem real, como o atestam as dores que sentem os que foram amputados. A representação mental de um objecto percebido pelo sentido da visão funciona de modo análogo.

Fernando Belo dá-me aliás um excelente argumento quando diz que as únicas imagens mentais são os sonhos. Ora acontece que, tanto quanto sei (que reconheço, é pouco nesta matéria) o cérebro processa as imagens dos sonhos e outras quaisquer imagens - as que evocamos de memória por exemplo - da mesma maneira. Se umas são imagens mentais, então as outras também são.

No fundamental onde eu acho que estou em desacordo com Fernando Belo é na ideia de que o conceito de mente seja o herdeiro do conceito de alma. A alma, no sentido religioso, é uma entidade metafísica superior ao corpo, e que lhe sobrevive. A mente é o resultado do funcionamento dos processos "superiores" do cérebro (consciência, abstracção, etc...), há mente enquanto houver um cérebro com os seus processos superiores em funcionamento. A mente é bem material está alojada no corpo, mais precisamente no cérebro, e não lhe pode, por maioria de razão, sobreviver. Não estou certo que este minha posição seja uma defesa do "dualismo cérebro / mente" mas quanto às reservas de Fernando Belo sobre "irredutibilidade metodológica entre o acesso ao neuronal com a aparelhagem laboratorial e o acesso a esta estruturação psíquica, por via do discurso (ou da introspecção)" tendo a considerar todas as limitações das aparelhagens laboratoriais não como limitações fundamentais e inultrapassáveis, mas apenas como circunstanciais. Naturalmente que esses aparelhos nos dão uma imagem limitada, como o nosso conhecimento será sempre limitado e incompleto. Novas máquinas e novas técnicas permitir-nos-ão de ver um pouco melhor, e o nosso conhecimento do cérebro avançará um pouco mais, sempre parcial e incompleto mas um pouco melhor. Não me parece irredutível, e pelo contrário a via do discurso e da introspecção avançará a par das aparelhagens laboratoriais.

Ou dito de outro modo, onde eu estou em desacordo com Fernando Belo é na oposição entre o real e o mental, ideia de que o "ser-no-mundo" esteja nos "antípodas do mental" (parágrafo 4 do mesmo post). Do ponto de vista da actividade cerebral um e outro são processados do mesmo modo, utilizando as mesmas redes neuronais. O mental é tanto uma representação do real (o "ser-no-mundo"), tal como uma representação de outros reais possíveis.

P.S. - Num post anterior deixei uma provocação a João Galamba, que entretanto respondeu (por sinal com bastante mais elegância do que a minha provocação) na caixa dos comentários. Aproveito, porque é o direito de resposta, e sobretudo porque é mais uma interessante contribuição para o debate, e transcrevo aqui o comentário de João Galamba (com quem estou obviamente em desacordo):

Peço desculpa mas só vi este post agora. Eu não digo apenas "porque não". Se ler os meus posts com atenção e, sobretudo, os comentários vai ver que a minha posição é de outra natureza.

A mente é caracterizada por intencionalidade, o que faz com que ela não possa ser tratada como um objecto. A intencionalidade significa que ela é constituída por relações normativas de significado (algo totalmente diferente de relações causais) com o mundo que lhe é exterior, o que faz com que o paradigma interior-exterior deixe se ser uma dicotomia.

O problema da ciência é que ela pressupõe a noção de objecto (sem o qual não há ciência), e isso distorce a natureza da mente. Antes de se estudar o que quer que seja é necessário clarificar a ontologia subjacente ao nosso estudo. Ora isto é coisa que a ciência não faz nem pode fazer, pela simples razão que ela própria necessariamente pressupõe uma ontologia.

A discussão é longa, mas acredite que se há coisa que eu não faço é dogmaticamente dizer que não.

domingo, 27 de abril de 2008

É a bondade do mercado a funcionar

Nas crises recentes tratava-se de dar comida a populações vítimas de desastres naturais ou humanos: secas, guerras civis ou até casos de governos que utilizam a fome como meio de domínio político ou de chantagem internacional. Hoje, com "comida nas prateleiras", as pessoas não têm dinheiro para a comprar.

Adenda sob a forma de pergunta ingénua:
A subida dos preços dos alimentos estará relacionada com a subida do preço do petróleo? E a subida do preço do petróleo terá alguma coisa a ver com a guerra no Iraque?

sábado, 26 de abril de 2008

My Blueberry Nights

My Blueberry Nights de Wong Kar-Wai, o filme que abriu o Indie Lisboa, na passada quinta-feira, no cinema São Jorge, soube a pouco mas abriu o apetite para um festival que se espera suculento e não pára de crescer. Soube a pouco porque, apesar do filme de Wong Kar-Wai ser tecnicamente independente – foi rodado nos Estados Unidos «fora de Hollywood», com dinheiro europeu e asiático – a história romântica com happy end dá-lhe um sabor mainstream. E, acima de tudo, porque fica aquém da última obra-prima do realizador de Hong-Kong, In the Mood for Love. O filme ressente-se da ausência do genial director de fotografia que costuma trabalhar com Wong Kar-Wai e Norah Jones não tem uma centelha da presença de Maggie Cheung.
Ainda assim, é um prazer ver um realizador ser fiel ao seu estilo ao mesmo tempo que pesquisa um novo território e uma nova língua – é o seu primeiro filme em inglês. Interessante é a forma como combina o road movie tão típico da América com temas que lhe são caros – a lenta depuração dos sentimentos pelo tempo e pela memória. Em vez da viagem de busca da «nova fronteira», em que o horizonte, por definição, é inalcançável, temos a viagem circular, cujo sentido só pode ser dado pelo regresso ao ponto de partida. Outra variação de uma história muitas vezes contada é que seja a personagem feminina a partir e a masculina – interpretada por Jude Law – a permanecer num bar de Nova Iorque, à espera da mulher por quem se apaixonou.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Uma pequena coisa, mas muito séria, que nos une

Image and video hosting by TinyPic

Como anunciei aqui, organizei este mês na minha universidade, uma "soirée" de festa dedicada ao 25 de Abril, com leituras de textos, música e vídeo.

Na realidade, foi uma co-organização com o Departamento de Italiano, para celebrarmos em conjunto os dois 25 de Abril. Como sabem, o 25 de Abril de 1945 é a data que marca o fim definitivo da ocupação nazi e do regime fascista em Itália. Assim, ambas as Repúblicas actuais de Portugal e Itália têm nesta data primaveril o seu momento fundador. Uma coisa pequena, mas absolutamente séria, que une os dois países. Penso que é importante dizer isto depois do resultado das eleições italianas (Berlusconi nunca comemorou o 25 de Abril sendo primeiro-ministro e anunciou, antes das eleições, intenções de reescrever os manuais escolares no que toca à data). E também à vista das tentativas quotidianas para, em Portugal, pôr a memória da democracia a andar para um país ausente.

Aqui fica, em estreia absoluta na blogosfera tuga, o vídeo que realizámos em conjunto (os leitores de italiano Giovanni Ambrosio, Andrea Masetti e eu próprio) e que exibimos no passado dia 10. Ficou com alguns problemas técnicos, decorrentes do adiantado da hora a que foi finalizado. Mas foi feito com entusiasmo, isso vos garanto, porque nem sempre a academia dá ocasiões para partilhas. Desta vez deu. A data merece.

Vejam o filme, vale a pena.

(com um agradecimento aos autores dos filmes e documentários que, involuntariamente, para ele também contribuíram)


quinta-feira, 24 de abril de 2008

Lisboa efervescente

É verdade, a cidade branca está cheia de genica, agora que se abeira a quadra mais libertária do ano.
Após a inauguração do memorial às vítimas da matança da Pascoela de 1506 (vd. tx. de Rui Tavares aqui), vêm aí mais motivos para evocações, agora da revolução dos cravos, do Maio de 68 e de Saramago.
A revolução é evocada na Malaposta (Olival Basto), no ciclo «Cinema e História - o 25 de Abril nos filmes». Dos 'clássicos' (Bom povo português; Torre Bela; Os índios da meia praia..) aos mais recentes (Retornados ou os restos do Império; Processo-crime 141/53 - enfermeiras no Estado Novo; Natal 71; Outro país; Amílcar Cabral..), há lá de tudo um pouco.
Quanto ao Maio de 68, e depois do colóquio internacional, é a vez do Instituto Franco-Português passar para o ciclo «Maio de 68 no cinema». É uma selecção de ouro, que decorrerá a 5-9 de Maio e será comentada por críticos como A. M. Seabra e Luís Miguel Oliveira. Terá ainda detalhes como refeições à la Mai 68.
Também arranca hoje a 5.ª edição do Indie Lisboa, alternando ficção e documentário, novo cinema romeno, José Luis Guerín, Johnnie To, etc. (até 4 de Maio, nos cinemas S. Jorge, Maria Matos e Londres).
Já Saramago tem direito a mega-exposição no Palácio da Ajuda, descrita pelo organizador como um novo conceito expositivo. Chama-se «A consistência dos sonhos» e fica até 27/7. Enquanto isso, prepara novo livro, A viagem de um elefante, para não deixar Lobo Antunes a escrever sozinho.
Além disto tudo, há a noite, os concertos (destaque para «Canções revolucionárias» e «20 canções para Zeca Afonso», respectivamente no Music Box e CCB), o teatro, os desfiles ensolarados, a praia, etc...
Aproveitem e divirtam-se, enquanto é tempo!

Nb: imagem de cartoon único do famoso cartoonista francês Siné, que se destacou no Maio de 68 com a sua revista L'enragé, mostrando um soldado português muito bem enfeitado :P

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Californication

Vai ser difícil todos os episódios serem tão bons, mas tão bons, como o da passada segunda-feira, mas desde os Sopranos que uma série não me entusiasmava tanto. Ou será um juízo prematuro?

Hillary Clinton, a maior aliada do republicano John McCain

Como o previsto, a senhora Clinton venceu a disputa da Pensilvânia. Mas com apenas 10 pontos percentuais (ou seja, 12 delegados a mais) de vantagem sobre Obama. Entretanto, este êxito não representa o sucesso da candidatura da senadora, que precisaria ter alcançado uma vitória mais larga para se manter na corrida pela indicação democrática à presidência. E ela sabe muito bem disso. O seu objetivo agora é continuar na disputa para enfraquecer o seu rival democrata contra o republicano John McCain. Loucura minha? Não. A obsessão de Hillary Clinton é o poder e fará de tudo para alcançá-lo, mesmo que seja em 2012. Pra ela, esta reta-final de primárias servirá apenas às suas ambições futuras. Não consigo ver outra lógica para a sua insistência em se manter na disputa, mesmo sabendo que será derrotada no final. Veja aqui a situação geral da disputa democrata.

Obama será indicado pelos democratas, mas terá dificuldades para reconstruir a sua imagem após as agressões sucessivas da senadora, que durante a disputa interna conseguiu fixar no eleitorado americano a idéia de que ele não é competente para presidir os Estados Unidos, além de ter levantado inúmeros factóides contra ele. Entre eles, as suas possíveis relações com radicais, de ser muçulmano e introduzir a questão racial na campanha. Com isso, criou muitos obstáculos para o senador Obama. E o maior deles será conquistar o eleitor de Clinton em novembro, pois, segundo sondagens, muitos democratas preferem agora votar em McCain se o senador for o escolhido do Partido Democrata. Esta senadora é mesmo tinhosa.

Se há alguma coisa que é verdade, acho, é que nunca escapamos à nossa cultura, nunca escapamos à nossas história.


Lilian Thuram par Claire Denis
Colocado por quaibranly



Ainda no rescaldo da morte de Aimé Césaire, e dos posts sobre a negritude, deixo este vídeo de uma entrevista a Lilian Thuram (esqueçam quaisquer preconceitos que possam ter sobre a capacidade intelectual dos jogadores de futebol), é excelente. O título do post é a tradução da primeira frase de Thuram vídeo.

E lembro-me agora que me esqueci de assinalar o aniversário da morte (a 7 de Abril) de Toussaint Louverture, líder da revolta da então Saint Domingue contra o re-estabelecimento da escravatura por Napoleão. Primeira (das muitas) derrota militar de Napoleão que conduziu ao primeiro país negro a tornar-se independente do colonizador europeu, o Haiti. Louverture não viveu para ver a sua vitória.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Arriba, Paraguay!

Com a eleição do ex-bispo católico Fernando Lugo à presidência do Paraguai, os governos de esquerda se consolidam na América do Sul, onde a única exceção agora é Álvaro Uribe, da Colômbia. Lugo quebrou uma hegemonia de mais de seis décadas de governo de direita do Partido Colorado (do ditador Alfredo Stroessner e o mais antigo partido no poder em toda a América Latina). Este resultado representa o alinhamento do Paraguai aos governos de esquerda do Brasil, Argentina e Uruguai, fundadores do Mercosul.

Lugo foi eleito pela Aliança Patriótica para a Mudança (APC, em castelhano), que aglutina nove partidos políticos de esquerda e centro-direita e cerca de 20 movimentos sociais de camponeses, indígenas, sindicatos e grupos de defesa das mulheres. Entre as forças partidária, Lugo contou com o apoio da estrutura do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), de tendências de centro-direita. Seu vice, Federico Franco, é representante desse partido. Além do PLRA, a coalizão do ex-bispo também engloba colorados dissidentes de centro-esquerda, como é o caso do Comando Juvenil Colorado.

Electricidade nas veias


Duas baterias (uma côr-de-rosa), um baixo, umas teclas e três guitarras. Está quase tudo dito, mas falta a voz que é única (tirando o Peter Murphy e o Andrew Eldritch). E falta, ainda, o mais importante: a Palavra e a imagem.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Belenensização do Benfica? Era bom, era...

Belenenses - 5 V. Setúbal - 0

Uma questão de dinamismo

Acossada que ando por «Modelos CAF» (o A significa assessment, o resto conseguem imaginar), foi com sentimentos de solidariedade que li a entrevista de Manuel Alberto Valente, antigo editor da Asa, agora «engolida» pela Leya (Público de 18 de Abril).
A Asa era uma editora interessante, com colecções bem definidas dentro da Asa Literatura e uma até criteriosa publicação de novidades. Tinha por política «publicar o que dá, para poder publicar o que não dá». Agora, a Leya não entende este princípio e o editor Manuel Alberto Valente teve como resposta do gestor «que um homem com 62 anos [idade do pai do gestor] não se adaptava às novas dinâmicas do mundo editorial».
Na mesma semana morre Pedro Bandeira Freire, fundador do Quarteto e da situação dos nossos cinemas nem vale a pena falar, todos confinados que estão aos centros comerciais e a passar o mesmíssimo filme. Presume-se que terá sucumbido por falta de adaptação às novas dinâmicas.
Imagem: Modern Times de Charles Chaplin, 1936.

domingo, 20 de abril de 2008

Ode a um pirata

Obrigadinho, pirata da net, quem quer que sejas
Obrigado, obrigado, obrigado, estejas onde estejas
O streaming que gentilmente me facultas é fixe
E vê-se bem — obrigado por isso
é um quadradinho só e faz-me ficar cada vez mais míope
Mas vê-se bem — os jogadores quase não têm momentos de buffering
entre a recepção da bola
e o tackle do adversário

Obrigado, pirata, por me permitires ver o Benfica
já estávamos a levar na ripa aos 7 minutos
(acho que é 7 minutos, não se vê bem por causa do tamanho da tv na net)
mas foi o Lisandro Lopez, lá isso viu-se bem
e que o Quim também teve alguma culpa

Obrigado, piratinha escondido, pela mercê suplementar de masoquismo
dares-te a todo este trabalho para eu sofrer assim
e ver
até onde podemos continuar a perder
perder, perder sempre
mas devagar
(e não tão depressa como na quarta-feira)

Perder nas Antas é já um hábito, pirata amigo,
das novas gerações — mas também das velhas

Não me quero
(de modo nenhum)
juntar ao coro dos vencidos do Eusébio
que atiram paus ao autocarro, mesmo que metafórico
dos jogadores do glorioso
são os meus heróis perdentes
filhos, filhos do meu internético vício
de acreditar até ao fim que o empate
ainda é possível

Por isso, por tudo isto,
obrigado pirata,
onde quer que estejas e sejas
a quebrar monopólios,
a romper contratos exclusivos,
de tv's de patrões luxuosos e burgueses e insensíveis
doem-me já os olhos
a coisa está no intervalo
e podia afigurar-se pior
ainda só está 0-1
obrigado por me deixares ver isto até ao fim
isto se não houver problemas técnicos

Este mês ainda faltam 29 dólares em doações para o site continuar a ser gratuito, eis uma maneira simpática de te agradecer, talvez um dia

ó pirata

Mas hoje não, hoje vou ficar só aqui,
frente ao pequeno pequeno pequeno écran
a ver o Porto dar-nos porrada (figurada)
e nós a darmos porrada (literal)
no Porto
O Zèd vai dizer que isto que aqui deixo é uma treta de quem já se abelenensizou
e provavelmente tem toda a razão
mas eu sou assim, na vanguarda do velho
e de qualquer das formas parece-me que não deve haver muitos exemplos anteriores a este
de comentário poético directo e em mau verso livre
a um jogo de bola previamente
condenado

Ainda as imagens mentais III - A(s) resposta(s) de Fernando Belo

Fernando Belo publicou dois posts no seu blogue ainda a respeito do debate sobre as imagens mentais: Um post em resposta ao que escrevi aqui no Peão (tenho que digerir, e fazer algum trabalho de casa antes de responder). Outro post em contra-resposta ao artigo de opinião de A. Castro Caldas no Público (de que falei aqui), que era uma resposta a um outro artigo de opinião de Fernando Belo, também no Público, e que começou todo este debate.

China se prepara para a medalha de ouro (em execuções)

Melhor tinto do mundo é português

O Syrah 2005 da Casa Ermelinda Freitas foi eleito o melhor vinho tinto do mundo, na prova cega do concurso Vinailes Internacionales - 2008, realizado mês passado em Paris. O tinto português foi selecionado entre três mil vinhos, oriundos de 36 países. Parece-me que o preço da garrafa custa 32 euros (ou pelos menos custava). Como não sou especialista em vinhos, deixo para o Daniel a árdua missão da pesquisa empírica pra confirmar ou não a escolha francesa.

sábado, 19 de abril de 2008

Homens e mulheres da raça negra!

Alguns dos jovens aqui presentes poderão aspirar a ser professores, enfermeiras, dirigentes da nossa raça. Mas isso será negado à maioria deles. Para se manterem vivos, terão que vender a sua força de trabalho para um fim improdutivo. Serão repudiados e vencidos. O moço químico irá colher algodão. O jovem escritor nem aprenderá a ler. O professor será um escravo da tábua de engomar. Não temos representantes no governo. Não temos voto. De todos os povos desta grande nação, somos nós o mais oprimido. Não podemos levantar a voz. A língua apodrece-nos na boca por falta de uso. O nosso coração esvazia-se e perde a força de realizar o nosso ideal.
Carson McCullers – Coração, solitário caçador. Lisboa: Estúdios Cor, [1958]. P. 213
A edição original é de 1940.
P.S. - Citação inspirada na série de posts do Zéd sobre Aimé Césaire (aqui e aqui).

Carme Chacón vai à guerra esquecida do Afeganistão


Grávida de 7 meses, a ministra de Defesa, Carme Chacón, visita as tropas espanholas no Afeganistão. Nunca é demais lembrar que há outra guerra em curso por aí e que já fez mais de 20.000 cadáveres e aproximadamente 2.200.000 refugiados.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Acordo Ortográfico: não dói nada e não é bicho-de-sete-cabeças

vallera, conforme o prometido, vai aqui umas linhas sobre o Acordo Ortográfico.

Ao contrário do que acontece em Terras Brasilis, o Acordo Ortográfico da língua oficial portuguesa tem gerado muita polêmica em Portugal, com alguns fazendo dele um bicho-de-sete-cabeças. Da minha parte, não defendo esta como sou favorável a uma reforma ortográfica bem mais radical, de maneira tal que venha a reduzir a sua enorme dificuldade de aprendizado [#], passando pela abolição quase total dos grafemas e a uniformização gráfica de sons rigorosamente iguais.... Bem, mas este não é o objetivo deste post.

Miminimalista, o Acordo Ortográfico pretende apenas aproximar tanto quanto possível a língua portuguesa escrita dos países lusófonos, eliminando as diferenças entre a norma brasileira e a de Portugal (e africana), mas preservando e respeitando a sua essência: o falar e o vocabulário de cada país ou região. Esta revisão é fundamental à medida que aproxima a língua escrita da língua falada (no caso lusitano, com a eliminação das consoantes mudas que não funcionam como diferencial). Não vejo qualquer sentido lógico que uma língua secular mantenha duas (ou mais) diferenças ortográficas quando elas não correspondem a uma divergência real na sua oralidade.

Na história da Liguística, não existe nenhuma ortografia que tenha se consagrado pela tradição e se mantido intacta por seculus seculorum. Ao contrário. Ao longo dos tempos, todas as formas escritas das línguas ocidentais passaram por inúmeras reformas. Portanto, não faz qualquer sentido acusar esta reforma de ser apenas uma renuncia ao “português de Portugal” em favor do “português tupiniquim”, mesmo porque o Acordo é bilateral. A língua não deve ser tratada como um dogma ou como um objeto-de-uso-pessoal deste ou daquele cidadão.

Creio que a oposição portuguesa mais ferrenha ao Acordo vai além dos “puristas” de plantão e/ou conservadores. Ela reside fundamentalmente no mero capricho de uns poucos e, principalmente, no desinteresse dos editores portugueses, que não desejam reeditar seus títulos e temem, sobretudo, a concorrência brazuca no mercado de livros didáticos e técnicos, tanto em Portugal como na África, uma vez que a grafia africana obedece à norma portuguesa. aqueles que o criticam apenas pela dificuldade que as pessoas terão em se adaptar à nova ortografia não têm muita razão, pois as muitas mudanças feitas (no português e noutras línguas) demonstram o contrário. No final, dá tudo certo e não dói nada.

Do lado brasileiro, a coisa é bem mais maquiavélica: o seu uso político na África lusófona como fonte potencial de bons negócios. O argumento em defesa de intercâmbios cultural, artístico e acadêmico não passa de pura retórica demagógica - para não dizer hipocrisia. Na verdade, o interesse do Brasil não vai além da busca de novos mercados para seus livros, seus softwares e outros ponto.com. Detalhe: se hoje há essa diferença na ortografia lusófona é porque o Brasil não cumpriu com o que foi acordado em 1945, pois sempre se considerou o verdadeirodono” da língua e fez dela o que bem entendeu. É no mínimo estranho que agora se empenhe tanto pra que este Acordo entre em vigor em todos CPLPs (?).

Repito mais uma vez: não sou contra o Acordo em questão apesar dessas lamentáveis manobras ardilosas. A minha crítica fundamental gira em torno dos interesses velados que estão por detrás dele. A língua portuguesa (ou qualquer outra) não pode e não deve ser um mero instrumento que vise apenas as relações comerciais como quer o governo brasileiro, ou como propriedade de um dono como desejam alguns portugueses. Qualquer revisão da língua portuguesa deve estar sempre acima de quaisquer interesses escusos e vaidades. A língua é como umorganismo vivo” e como tal está sujeita a transformações. Impedir este processo é ir contra a própria natureza. Se não fosse essa "evolução", estaríamos nos comunicando agora em galaico-português.
.....................

[#] Desde sempre, o ensino da língua portuguesa não vem atingindo seu objetivo mais elementar: levar o aluno ao domínio da norma culta e dar-lhe condições de atender às exigências formais de um texto escrito. Oras bolas, será então que todos os professores são assim tão despreparados? Ou será que não é a falta de coerência da gramática normativa a grande vilã do aluno e do professor ? Bem, ficam aqui estas duas perguntas.


quinta-feira, 17 de abril de 2008

O mundo no sofá

Caros amigos,

já aqui expressei a minha defesa acérrima das virtudes epistemológicas do sofá. Como dizia aquele grande filósofo (chamado Ruy... espera, sou mesmo eu afinal! Mas que grande filósofo que me saí! Não se esqueçam de me citar), "eu tenho grandes ideias quando estou a adormecer no sofá; é pena não me acordar delas quando acordo".

Penso, aliás, que o assunto é merecedor, no mínimo, de um debate público em local apropriado. Sim, porque o governo, uma vez mais, está a atropelar os nossos direitos ao obrigar-nos a trabalhar em cadeiras, bancos e outros derivados. Já não basta ter de percorrer distâncias a pé e tal.

Não preciso de recordar a importância histórica desta peça de mobiliário - o que é , no fundo, o trono real se não um protótipo de sofá? Pelo menos, lá estavam os braços acolchoados, e as almofadinhas (outro elemento merecedor do meu mais profudo respeito). Muito sangue se derramou por esse antepassado mobiliárquico (e não nobiliárquico).

Pois bem, a partir deste momento, é com prazer que partilho que deixei de ser Dom Quixote e já não sou o único a lutar por esta causa - que, confesso, parecia perdida.
Um grupo de amigos, colegas e visionários levou esta ideia para a frente e produziu aquilo que os ingleses chamam de cornerstone, ou seja, pedra no canto.

Ok, a analogia não foi a melhor. Vou tentar outra: é a primeira peça a avançar no jogo de xadrez. Ou outra: produziu a primeira página da próxima revolução intelectual:


A Globalização no Divã, 2008, Tinta da China


Recomendação: comprem este livro e deitem-se nos vossos divãs, sofás, vá lá, cadeirões. Verão o mundo com outros olhos (epá, devia ter vendido esta à editora, mas pronto). Não tentem é jogar xadrez ao mesmo tempo.

Um minuto de silêncio


























Aimé Césaire (1913-2008)

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Ainda as imagens mentais II

Continuando o post de ontem. O debate anda à volta do artigo publicado na revista Nature pela equipa de Jack L. Gallant, da U. C. Berkley. O artigo começa logo por declarar "A challenging goal in neuroscience is to be able to read out, or decode, mental content from brain activity." (um desafio central em neurociências é ser capaz de apreender, ou descodificar, conteúdo mental a partir da actividade cerebral), sem dúvida ambicioso. O artigo demonstra ser possível a partir de imagens de ressonância magnética funcional (fRMI) do cérebro de um indivíduo deduzir que tipo de imagens ele está a visualizar (isto numa determinada situação experimental). Dois indivíduos visualizaram uma série de imagens enquanto eram observados por fRMI, e a partir deste primeiro conjunto de observações elaborou-se um algoritmo que estabelece um padrão. Num segundo tempo os mesmos indivíduos são observados novamente por fRMI enquanto visualizam imagens que não tinham visto antes. Com o algoritmo tenta-se determinar que imagens estão a ser visualizadas. A eficiência, para um conjunto de 120 imagens foi de 92% num caso e 72% no outro, a probabilidade de acertar por acaso era de 0,8%. Isto quer dizer que com uma eficiência apreciável o algoritmo, analisando o fRMI, consegue determinar que tipo de imagem um indivíduo está a ver, sem ter que lhe perguntar (o que é, tanto quanto sei, um resultado muito inovador). Ou seja é possível olhando para um padrão de actividade cerebral deduzir as imagens que esse cérebro está a processar. Será isto uma imagem mental? Segundo a notícia no Público, de Ana Gerschenfeld, trata-se de facto de imagens mentais (e, a meu ver, bem).

Fernando Belo discorda:
"(...) não é possível dizer desta experiência que se trata de ‘fotografar imagens mentais’, só há imagens fotográficas exteriores e imagens de ecrã da actividade neuronal. E por conseguinte também não é possível, nem creio que fosse o intento dos autores, provar com ela que ‘há’ imagens mentais."
"(...)no cérebro o que há são células, química e electricidade iónica (que interage com a química). Palavras, músicas, imagens, tudo isso é exterior e ‘percebido’ por certos órgãos periféricos que os transformam em electricidade neuronal."

Sem querer transformar o debate numa mera questão semântica, parece-me que o significado da palavra imagem é central nesta discussão. Convém definir claramente o que se entende por imagem. Se entendermos por imagem uma representação visual de um objecto, então as imagens mentais existem. Uma fotografia de uma bola é uma imagem, a bola é o objecto. A fotografia, seja ela uma película de negativo, uma impressão em papel, ou um ficheiro JPEG é sempre uma imagem, é sempre uma representação do objecto. Então e se forem sinapses em vez de grãos de prata em película ou bytes em JPEG, é menos imagem por isso? Como Fernando Belo refere há a percepção do objecto que é exterior, até dada altura. A luz que é emitida pela bola e captada pela retina é exterior até precisamente ao momento em que é captada pela retina, mas até aí não há representação do objecto, apenas a primeira fase (por assim dizer) da percepção. E de cada vez que evocamos a imagem da bola sem que ela esteja à nossa vista, mas que conseguimos visualizá-la mentalmente há uma imagem (por maioria de razão) mental que se forma, tal como se fizermos duplo-clique no icon do ficheiro JPEG há uma imagem digital que se forma.

Sem surpresa a única coisa que Castro Caldas diz de interessante (cf. o post de ontem) é quando se digna argumentar: "Quando Fernando Belo diz que no cérebro só há células, química e electricidade, está a ser extraordinariamente reducionista." De facto a imagem de que no cérebro só há células, química e electricidade é algo redutora. É como dizer que o motor de um carro é só cilindros, porcas, parafuso, cambotas, óleo e gasolina. Sim é tudo isso, mas um motor parado é só isso, e um motor parado não nos interessa muito. O que nos interessa é perceber como funciona o motor, quando está em movimento. Assim também o cérebro é células, química e electricidade, mas é também os seus processos: a transmissão sináptica, a formação de sinapses, os potenciais de acção, etc... É isso que o artigo de Gallant consegue demonstrar pela primeira vez: que determinados padrões de actividade neuronal correspondem a determinadas imagens. Por isso o título da notícia de Ana Gerschenfeld "Cientistas fotografam imagens mentais" é tão certeiro. Uma fotografia, ou um padrão de actividade cerebral, podem ser uma imagem e um objecto ao mesmo tempo. Pode obter-se portanto uma imagem duma imagem (fotografar imagens). O artigo da equipa de Gallant mostra imagens de fRMI de imagens mentais, como muito pouca resolução obviamente (por enquanto). É como se se fizesse uma radiografia de uma máquina fotográfica para perceber como ela funciona, enquanto ela própria gera imagens fotográficas.

A argumentação de Fernando Belo é estimulante, e espero ter dado alguma resposta. Já este post de João Galamba, ainda sobre o mesmo tema, é-me mais difícil perceber. Parece-me uma recusa liminar de uma abordagem científica do estudo da mente, apenas porque sim. E porque não? Quais mistificações? Por que raio não há-se ser a mente passível deste tipo de abordagem? É um objecto de estudo como outro qualquer. Parece-me aliás bastante plausível que a actividade neuronal seja bem mais do que suficiente para explicar a mente humana, sem recurso a explicações metafísicas (sim, sou profundamente materialista).

Nota: A imagem é retirada do artigo da equipa de Gallant.

Palavras de desconforto

Asked if he had competed in any sport for his College, Waugh famously replied "I drank for Hertford."

Algumas das frases que sempre me acompanham pertencem a Evelyn Waugh, um dos meus autores favoritos. A sua escrita, cómica e cruel ou sentimental e nostálgica, nunca é, como o próprio não foi, pacificadora.
Agora, a British Library, seguindo a sua interessante política de verdadeira divulgação e ao mesmo tempo conservação do que aos livros e autores diz respeito, editou, em CD, uma entrevista radiofónica de Waugh à BBC em 1953. O disco faz parte de uma colecção de registos da BBC rádio, publicada pela biblioteca.
Ao visitar o maravilhoso edifício da British Library, «guardado» por Newton de William Blake, fica-se tão impressionado com a exposição de manuscritos e livros, como com o arquivo sonoro que vai desde o registo de dialectos à audição de grandes escritores e poetas.
As próximas edições serão de Ted Hughes e Edith Sitwell e os bibliotecários prometem continuar as suas pesquisas nos arquivos da rádio.
Imagem: Henry Lamb (1883-1960) - Evelyn Waugh, aged 26.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Ainda as imagens mentais I

Não é todos os dias que o público tem a oportunidade de ver um diálogo interessante entre filósofos e cientistas, sobre importantes avanços da Ciência. O filósofo Fernando Belo, que se interessa em particular por questões científicas, escreveu um artigo de opinião (que se pode ler aqui) no passado 14 de Março, no 'Público' com o título "O que são isso das imagens mentais?". Em questão está uma peça da jornalista Ana Gerschenfeld, de dia 6 de Março (que transcrevi no lado b), que por sua vez reporta um artigo científico publicado na revista Nature. Na minha opinião Ana Gerschenfeld faz um excelente trabalho jornalístico, a notícia faz jus ao artigo.

Fernando Belo contesta a existência de imagens mentais, e por consequência considera que o artigo da Nature não demonstra a existência de imagens mentais. A. Castro Caldas respondeu a Fernado Belo num artigo de opinião, também no 'Público'. O artigo de Castro Caldas, embora sobre a questão científica estejamos provavelmente de acordo, parece-me bastante infeliz e mesmo deselegante. Começa por nos lembrar que os leigos têm em geral uma visão disparatada dessas coisas das Neurociências, de onde se deduz que provavelmente não vale a pena discutir estes assuntos com leigos. Depois sugere a Fernando Belo que os filósofos se devem dedicar à Filosofia e os cientistas à Ciência, concedendo que "não são graves as incursões pontuais nos campos e metodologias uns dos outros" (esta é um primor, o negrito é meu). Este tipo de atitude é antes de mais de uma lamentável pequenez, é fácil esquivar-se ao debate e ao escrutínio escudando-se atrás de uma autoridade académica/científica. Quando alguém, seja quem for, nos interpela para debater uma assunto, qualquer que seja, tentar remeter esse alguém para um acantonamento de posições é deselegante, mais ainda se a pessoa em questão tem bagagem e argumentos suficientes para um debate de qualidade. Antes de mais faz parte do trabalho do cientista, não apenas produzir conhecimento mas difundi-lo, e não apenas no domínio da sua especialidade mas para todos quantos o queiram. É um dever ético. E não chega uma declaração de intenções, não chega afirmar "os neurocientistas estão cientes disso [a má informação do público], desenvolvendo trabalho para corrigir esses erros" quando o resto do que escreve pouco faz para o demonstrar. Castro Caldas exibe também um profundo desprezo pela pluridisciplinaridade, erro típico de uma tradição científica e académica arcaica. Nem é necessário estar a lembrar a quantidade de avanços na ciência moderna apenas possíveis graças ao diálogo entre disciplinas diversas. Mais ainda, é esquecer que todas as questões (realmente importantes) a que os cientistas se dedicam foram formuladas primeiro por filósofos (o que é a vida?, o que é Universo?, o que é a mente?, etc...). Fernando Belo fala da filosofia espontânea dos cientistas, eu vou mais longe, os cientistas limitam-se (e eu incluo-me) a recuperar as questões já formuladas pelos filósofos. Mas permita-se-me uma provocação, e puxo a brasa à minha sardinha, serão sempre os cientistas a dar resposta a essas perguntas. Quando se coloca uma questão sobre determinado objecto, para se encontrar resposta não basta pensar, debater, discutir, divagar, ou opinar, é preciso manipular o objecto e testar hipóteses, sem o que nunca se terá uma resposta digna desse nome. É aí que os cientistas entram em acção.

E eu que queria discutir 'imagens mentais' e expor as razões porque discordo de Fernando Belo, e acho que as imagens mentais de facto existem... O post já vai longo, e desviou-se ligeiramente. Fica para a próxima.

Nota: Fernando Belo tem um blogue onde apresenta resumidamente a sua mais recente obra: "Le Jeu des Sciences avec Heidegger et Derrida", uma obra em dois volumes em que debate a Ciência moderna de forma aprofundada, do seu ponto de vista de filósofo. Tem um capítulo dedicado precisamente à questão neurológica.

Uma proposta: o iberismo europeu



Mais um espinho cravado na história da esperança do povo de esquerda. Berlusconi venceu de novo, acumulando mais material para mais um filme obsessivo de Nanni Moretti. Sempre o mesmo. Já não se esperava muito, apenas que vencesse por pouco e que o seu governo fosse fraco. Mas venceu destacado, e ainda por cima devendo a maioria absoluta a um reforço da extrema-direita xenófoba em versão italiana: a Lega Nord.

Mais um espinho na já tão maltratada história da esperança. Como se a história tivesse deixado de andar para a frente em Itália, tivesse deixado de renovar as gerações políticas. Como se a história não fosse mais do que uma cirurgia plástica, um novo implante capilar, e o Velho aparecesse como sempre novo.

A esquerda da esquerda desaparece do parlamento e do senado. Apenas o Centro-Esquerda fica representado. A sensação é de claustrofobia democrática. Berlusconi venceu, o povo é soberano, o povo é sereno, não se pode mudar de povo. O povo italiano é assim, sempre foi assim. A luta armada não é solução. A emigração não é solução (já emigrámos).

A minha proposta, para não ficar aqui a lamber feridas (sem ser italiano, sou um patriota italiano), é progressista e reaccionária ao mesmo tempo: todos com a Espanha. A Espanha por toda a parte, em todos nós. Neo-habsburguismo. 1580 outra vez e em todo o velho continente, mas sem império. Um Z de Zapatero rasgando a Europa das nações, essa velharia.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

O batuque de Feliciano dos Santos ganha o “Nobel” ambiental

O cantor moçambicano Feliciano dos Santos ganhou o prêmio Goldman Prize, considerado o “ Nobel” do ambiente. Feliciano é reconhecido pelo seu trabalho na divulgação dos problemas da saúde, água e Sida (Aids) que tanto assolam Moçambique e a África em geral. Em 1992, depois de ter formado a banda Massukos, ele promoveu em conjunto com a Unicef um projeto para incentivar a construção e o uso de latrinas em seu país. Em 1996, ele criou a ONG “Estamos”, que tem por objetivo promover melhores condições de vida através de melhores condições sanitárias. Veja vídeo aqui.

domingo, 13 de abril de 2008

Ele há vinhos do Carvalho!

Este post da série Vinhos ao Domingo (é uma série de posts que resulta episodicamente na publicação de posts sobre Vinho aqui no Peão, geralmente ao Domingo) não é para falar de um Vinho em particular mas de um fenómeno que me preocupa de sobremaneira. É que algo de desagradável me acontece de quando em vez quando ando nas minhas pesquisas de novos vinhos. Pode ser má vontade minha mas acho que a epidemia começou com os vinhos de Bordeaux, e contagiou outros vinhos um pouco por todo o lado. Não, não estou a falar do Cabernet Sauvignon, embora me pareça haver uma forte correlação (o Cabernet Sauvignon é uma cepagem infestante que anda a invadir vinhas de onde não é autóctone um pouco por todo o lado). O fenómeno que me atormenta é a serradura de Carvalho no vinho. Alguma coisa está errada quando se tenta degustar um copo de vinho e é mais fácil identificar a qualidade do Carvalho cuja serradura foi utilizada para o "aromatizar" do que a cepagem de que foi feito esse vinho. Não me interpretem mal, eu sei que o casco de Carvalho é bom para o vinho, mas há limites. Sistematizemos da maneira mais clara possível: Envelhecer vinho em barris de casco de Carvalho é bom, fermentar vinhos em cubas de aço inoxidável com serradura de Carvalho lá para dentro é que já é mais duvidoso. E não é que eu seja um desses conservadores que é contra as modernices da tecnologia (acho que os meus posts sobre transgénicos o demonstram*). Acho muito bem que se utilize todo o tipo de tecnologias possíveis na produção do vinho, como no resto. Apenas exijo uma condição: que o produto final seja de melhor qualidade e/ou mais barato (na pior da hipóteses apenas a segunda, e sempre sem prejuízo da primeira). Vinho com serradura de Carvalho não é de melhor qualidade que um vinho tradicional envelhecido em cascos de Carvalho, pelo contrário. Lanço aqui um apelo aos produtores de vinho que abusam da serradura: Deixem-se dessas merdas, pá!

* Falando em transgénicos, espero que ninguém tenha a ideia de pôr uma cepa a expressar os genes do casco de Carvalho nas uvas... e daí talvez nem fosse assim tão mau.