terça-feira, 15 de abril de 2008

Ainda as imagens mentais I

Não é todos os dias que o público tem a oportunidade de ver um diálogo interessante entre filósofos e cientistas, sobre importantes avanços da Ciência. O filósofo Fernando Belo, que se interessa em particular por questões científicas, escreveu um artigo de opinião (que se pode ler aqui) no passado 14 de Março, no 'Público' com o título "O que são isso das imagens mentais?". Em questão está uma peça da jornalista Ana Gerschenfeld, de dia 6 de Março (que transcrevi no lado b), que por sua vez reporta um artigo científico publicado na revista Nature. Na minha opinião Ana Gerschenfeld faz um excelente trabalho jornalístico, a notícia faz jus ao artigo.

Fernando Belo contesta a existência de imagens mentais, e por consequência considera que o artigo da Nature não demonstra a existência de imagens mentais. A. Castro Caldas respondeu a Fernado Belo num artigo de opinião, também no 'Público'. O artigo de Castro Caldas, embora sobre a questão científica estejamos provavelmente de acordo, parece-me bastante infeliz e mesmo deselegante. Começa por nos lembrar que os leigos têm em geral uma visão disparatada dessas coisas das Neurociências, de onde se deduz que provavelmente não vale a pena discutir estes assuntos com leigos. Depois sugere a Fernando Belo que os filósofos se devem dedicar à Filosofia e os cientistas à Ciência, concedendo que "não são graves as incursões pontuais nos campos e metodologias uns dos outros" (esta é um primor, o negrito é meu). Este tipo de atitude é antes de mais de uma lamentável pequenez, é fácil esquivar-se ao debate e ao escrutínio escudando-se atrás de uma autoridade académica/científica. Quando alguém, seja quem for, nos interpela para debater uma assunto, qualquer que seja, tentar remeter esse alguém para um acantonamento de posições é deselegante, mais ainda se a pessoa em questão tem bagagem e argumentos suficientes para um debate de qualidade. Antes de mais faz parte do trabalho do cientista, não apenas produzir conhecimento mas difundi-lo, e não apenas no domínio da sua especialidade mas para todos quantos o queiram. É um dever ético. E não chega uma declaração de intenções, não chega afirmar "os neurocientistas estão cientes disso [a má informação do público], desenvolvendo trabalho para corrigir esses erros" quando o resto do que escreve pouco faz para o demonstrar. Castro Caldas exibe também um profundo desprezo pela pluridisciplinaridade, erro típico de uma tradição científica e académica arcaica. Nem é necessário estar a lembrar a quantidade de avanços na ciência moderna apenas possíveis graças ao diálogo entre disciplinas diversas. Mais ainda, é esquecer que todas as questões (realmente importantes) a que os cientistas se dedicam foram formuladas primeiro por filósofos (o que é a vida?, o que é Universo?, o que é a mente?, etc...). Fernando Belo fala da filosofia espontânea dos cientistas, eu vou mais longe, os cientistas limitam-se (e eu incluo-me) a recuperar as questões já formuladas pelos filósofos. Mas permita-se-me uma provocação, e puxo a brasa à minha sardinha, serão sempre os cientistas a dar resposta a essas perguntas. Quando se coloca uma questão sobre determinado objecto, para se encontrar resposta não basta pensar, debater, discutir, divagar, ou opinar, é preciso manipular o objecto e testar hipóteses, sem o que nunca se terá uma resposta digna desse nome. É aí que os cientistas entram em acção.

E eu que queria discutir 'imagens mentais' e expor as razões porque discordo de Fernando Belo, e acho que as imagens mentais de facto existem... O post já vai longo, e desviou-se ligeiramente. Fica para a próxima.

Nota: Fernando Belo tem um blogue onde apresenta resumidamente a sua mais recente obra: "Le Jeu des Sciences avec Heidegger et Derrida", uma obra em dois volumes em que debate a Ciência moderna de forma aprofundada, do seu ponto de vista de filósofo. Tem um capítulo dedicado precisamente à questão neurológica.

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