segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

«Afterschool - Depois das aulas»

Afterschool – Depois das aulas, realizado por António Campos (nascido em 1983), é um dos mais estimulantes filmes que chegou às salas de cinema em 2009. Um filme que reflecte sobre o cinema como um meio específico de produção de imagens e sobre o mundo que essas imagens reflectem. O mundo que António Campos vê em Afterschool põe em causa algumas dicotomias com que nos habituámos a ver/pensar a realidade: a dicotomia orwelliana que opõe totalitarismo a ausência de um centro de controlo; a dicotomia liberal que opõe educação de elite a cultura de massas.
O mundo em que António Campos coloca a sua personagem – Robert – é um mundo de clausura, um universo que seria claustrofóbico se o medo pudesse ser nomeado ou expresso, se a angústia fosse mais do que uma perturbação a resolver pela administração de doses de medicamentos. É o mundo de um colégio de elite nos Estados Unidos, no século XXI. Robert tem acesso à internet no seu quarto, mas ela não funciona como a porta para outros mundos, apenas para o acesso a outras imagens – kitch, pornográficas ou de violência – que não lhe oferecem qualquer alternativa intelectual ou emocional ao mundo do colégio. De entre todas as falsas imagens e emoções oferecidas pela internet, Robert apenas reconhece uma emoção genuína – o medo.
Longe do ideal liberal da educação de elite como uma forma de desenvolver a autonomia de um indivíduo, o colégio em que Robert vive é um espaço de conformação de emoções, ideias, comportamentos. Uma conformação cuja força reside em grande parte na concentração do mundo num espaço pequeno cercado de imagens opacas. Não há um «big brother» - apenas professores e «conselheiros» ao serviço de um processo disciplinar. Não há uma doutrina além da difusa mas eficaz mentalidade da necessidade do sucesso.
Alguns falaram de Stanley Kubrick e de Gus van Sant a propósito deste filme. Campos vai buscar a Kubrick o aparato tecnológico e a solidão da personagem central. Mas recusa a estética do espectacular e do perfeito. O seu cinema é uma arte do impuro e do desejo de intimidade. Campos partilha com Gus van Sant um objecto: os adolescentes norte-americanos. Mas os adolescentes de Gus van Sant são miúdos esquecidos, «desenquadrados», que vivem na margem do sistema. O horror dos adolescentes de António Campos é produzido no coração do sistema. Um coração vampiresco que dissolve facilmente em kitsch a violência da tragédia.

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